Quando a equipe de “Ainda Estou Cá” chegou à cerimônia do Oscar, uma operação de bastidores se desenrolava havia meses —um fundo de investimentos vinha comprando de credores dívidas de um dos produtores do filme, o que ajudou a evitar uma polêmica que poderia ter atrapalhado a campanha do longa pela estatueta.
O produtor é Rodrigo Teixeira, da RT Features, a quem os credores dizem ter emprestado verba sem receber o retorno combinado. E o nome do fundo é Artesanal Special Sits FIDC Multisetorial. Teixeira é um dos profissionais de cinema brasileiros de maior sucesso no exterior e chega a um novo patamar com “Ainda Estou Cá”, mas tem sido branco de uma série de batalhas jurídicas no Brasil e nos Estados Unidos.
O produtor conta que a compra das dívidas tem realizado desde novembro e nega que a operação tenha a ver com a corrida pelo Oscar. Mesmo assim, o efeito prático foi dificultar que o caso viesse a público antes da premiação, num contexto em que os credores ensaiavam pedir o bloqueio das receitas de bilheteria do longa —valor que já passou de R$ 200 milhões no mundo todo.
Em entrevista concedida na sua mansão em São Paulo, Teixeira disse que as ações não poderiam impactar a bilheteria de “Ainda Estou Cá”. Ele afirma que atuou porquê prestador de serviços do filme e que não é sócio do longa-metragem —a renda com os ingressos seria exclusiva da Videofilmes, produtora dos irmãos Walter Salles e João Moreira Salles.
Teixeira não conta quais acordos costurou nos últimos meses, mas eles envolvem algumas dívidas que individualmente passam dos R$ 20 milhões. Nesta conversa com o jornal, o produtor afirma que seus problemas financeiros começaram na pandemia e, depois, ainda foram reforçados pela greve dos roteiristas nos Estados Unidos, em 2023. Teixeira também faz uma autocrítica —embora se veja porquê um bom instituidor, diz que não é um bom gestor.
“Achei que eu era as duas coisas. Estava inverídico, tenho 48 anos e admito”, diz ele, acrescentando que hoje tem pessoas que o ajudam a restruturar os negócios.
Teixeira revela porquê tem renovado a credibilidade no mercado audiovisual em meio a repercussão de “Ainda Estou Cá”. Ele também conta porquê foi a campanha do filme pelo Oscar e analisa a vitória de “Anora”, de Sean Baker, porquê o melhor filme.
O filme galicismo ‘Emilia Pérez’ teve 13 indicações ao Oscar, o maior número desta premiação, mas levou só duas estatuetas. Vocês acharam que não tinham chance contra o longa?
A minha expectativa se concretizou. Achava que íamos lucrar filme estrangeiro, tinha esperança de que fôssemos levar atriz e achava que não íamos levar melhor filme. Se você pegar os cinco indicados a filme estrangeiro e os americanos concorrendo a melhor filme, tendo a encontrar que os internacionais eram melhores que todos os americanos.
Fernanda Torres chegou a pedir que os brasileiros deixassem Karla Sofía Gascón em tranquilidade. Pouco depois, a atriz espanhola acusou a equipe do filme de agir contra ela nas redes. E, em seguida, os fãs desenterraram publicações antigas da atriz.
Não torcemos pelo fracasso do outro. O silêncio não foi uma decisão, aquilo não nos dizia saudação, foi uma opinião dela. Por que eu vou comentar, se sabemos que não fizemos aquilo? Estava no show em que a Patti Smith desmaiou, em São Paulo, quando a informação começou a viralizar.
‘Anora’ e Mikey Madison mereceram o prêmio de melhor filme e melhor atriz?
“Anora” mereceu sim. Porquê “Ainda Estou Cá” é necessário para o Brasil, “Anora” é necessário para os Estados Unidos, o cinema independente americano precisa viver, porque ele vai ser a voz contra qualquer tipo de repreensão que o governo dos Estados Unidos eventualmente imponha. O cinema independente americano ganhou uma sobrevida com essa vitória.
Quanto à Mikey Madison, se você pensar, o prêmio de atriz estava entre ela, a Demi Moore e a Fernanda Torres. Isso foi votado e, na hora da descrição, ela ganhou. Nunca vamos saber por quanto nem qual foi a diferença.
A Fernanda ganhou o Orbe de Ouro, e a Mikey Madison ganhou reconhecimento no Bafta e no Oscar. O Bafta é uma prova de que os eleitores de língua inglesa, nessa categoria, são a maioria.
Esse Oscar teve uma valor política porquê poucas vezes vi. “Anora”, “Flow” e “Ainda Estou Cá” serem laureados mostra que a Ateneu está pensando cinema da maneira certa.
Você tem dito que não é sócio de ‘Ainda Estou Cá’, o que é incomum para um produtor do seu porte. Foi uma decisão para blindar a bilheteria do filme dos processos que você tem nos Estados Unidos e no Brasil?
Fui convidado porquê prestador de serviço. O projeto não era meu, quem o desenvolveu foi o Walter Salles, que me convidou para produzir.
Eu vinha de um momento complicado, a pandemia arrasou meu negócio. Passei por uma situação que me dava muitas limitações. E não quero trazer minhas limitações para os outros. Fui generoso a vida inteira. Quando precisei da liberalidade dos outros, foi do Walter Salles que recebi, portanto não vou atrapalhar.
Se fosse uma exigência [ser sócio do filme], eu recusaria. Ele me acolheu, me deu um trabalho e sempre falou “quando você está com um problema porquê esse, o trabalho responde por você”. E foi o que eu fiz. Passei perrengue.
Qual nível de perrengue?
Fui julgado por pessoas da minha classe. Minha credibilidade ficou partida. Fiquei sem capacidade de honrar compromissos, não porque quisesse. Tinha que deslindar formas de honrar. A Orbe foi importante, porque me contratou para fazer projetos, sabendo do problema.
Meu trabalho, a qualidade do meu serviço, nunca foi partida. A minha gestão administrativa sim. Não sou um bom gestor, sou um instituidor, e durante um tempo achei que eu era as duas coisas. Estava inverídico, tenho 48 anos e admito que precisei passar por uma repaginação. Sou óptimo gestor de projetos e criativo, mas não era o melhor administrativo. Hoje tenho o suporte de gente que está me ajudando a restruturar o meu trabalho para que esse tipo de problema não se repita.
São novos sócios?
Estamos discutindo a possibilidade de novos sócios, mas ainda não há um tanto efetivo. Estão me ajudando a equacionar o problema da RT Features.
Você ficou incapacitado de captar verba no mercado?
Durante a pandemia, não fui só eu a suportar desse problema. E não trabalho só no Brasil. Quando a pandemia relaxou, teve uma greve de roteiristas nos Estados Unidos. Mas, quando pude, não deixei de fazer filmes. Um projeto de cinema é um investimento de risco. E não é só um risco financeiro, é um risco de realização. Você pode contratar um roteiro, e o roteiro não permanecer bom. O roteiro pode permanecer bom, e o distribuidor não querer financiar o seu filme. Você pode demorar sete anos para financiar um longa, aí acontece e parece que é fácil. Não somos uma fábrica ou um via de TV. Somos produtores independentes num país de terceiro mundo, que depende de incentivos.
Os credores se queixam de forma quase consensual de falta de transparência da sua segmento sobre para onde foi o verba que investiram e os resultados dos projetos. O que você diz sobre essa avaliação?
As pessoas que falam de falta de transparência são as mesmas duas ou três. Não quero permanecer citando nomes, porque com os outros —com quem eu sei que você conversou, porque me procuraram— nós tínhamos conversas mais abertas.
Não quero entrar em detalhes, porque talvez eles [os que reclamam da falta de transparência] tivessem informações. Aí vira narrativa. Havia interesses comerciais privados, e esses interesses em oferecido momento divergiram. Houve uma discussão, um julgamento e um acerto foi feito.
Em que pé estão essas dívidas neste momento?
Muitas coisas começaram a ser resolvidas, quem quis resolver sentou à mesa conosco, não resolvi antes porque não tive condições. Graças a Deus, apareceu uma pessoa interessada em resolver isso, é um negócio para ela. Eu não teria exigência, esse verba não existiria. Logo esse verba veio para resolver uma pendência e resolveu. O que eu preciso fazer agora é trabalhar para dar resultados, para que meu negócio volte ao normal e para que, amanhã, eu não tenha um problema similar.
Suas dívidas não deixaram de viver, elas só pertencem a outra pessoa agora.
É uma pessoa que está me dando trabalho e me ajudando a estruturar as coisas.
Esse fundo ajuda você a reorganizar o negócio?
Esse é um fundo de situações especiais. Ouviram minha história por terceiros, me procuraram, porque tinham interesse em comprar isso [as dívidas] e me dar força para trabalhar. Eles não são meus sócios, mas têm um fundo constituído para resolver empresas que estavam na mesma situação que a minha. Só que eles acreditam no entretenimento e no meu potencial para gerar receita futura.
No mercado, há agora uma preocupação entre os credores de que seja você mesmo atuando por trás desse fundo, para comprar dívidas antigas por um valor menor do que valiam.
De onde eu teria verba? Eu fiquei devendo verba, tive problema para remunerar a escola dos meus filhos. Engraçado, né? Eu tenho 48 anos de idade, meu primeiro litígio judicial eu tive com 45 anos, durante a pandemia. Por que eu não tive antes? Ninguém nunca perguntou [nada] para as pessoas que eu ajudei na curso, só perguntam coisas para os meus investidores. Agora a dívida privada do Rodrigo é ponto interessante para o grande público, e o que eu faço pelo cinema não é.
O sucesso de ‘Ainda Estou Cá’ está mudando sua posição no mercado e ajudando a reconstruir sua credibilidade de alguma forma?
Senti um protecção, e isso foi muito importante para mim. A recuperação da minha credibilidade já vinha ocorrendo, eu produzi dois filmes em que eu tive condições de produzir, sem problemas de fluxo de caixa ou demorado de pagamento. A notícia se espalha rapidinho.