Em meio ao progresso da dengue no Província Federalista – uma das unidades federativas mais afetadas pela doença –, profissionais da saúde se veem novamente mobilizados para, a exemplo do ocorrido durante a pandemia, unir esforços e enfrentar mais um repto. Desta vez, tendo na bagagem aprendizados obtidos durante o período pandêmico, principalmente em termos de organização de equipe e cuidados com os pacientes.
“Se dá para a gente tirar um tanto de bom do que aconteceu durante a pandemia foi a nossa capacidade de organização. Tivemos de nos unir e nos organizar ainda mais. Caso contrário, teríamos ficado loucos”, disse a supervisora da Unidade Básica da Saúde (UBS) 7, Suzayne Diniz.
A movimentação na unidade localizada na Ceilândia, região administrativa de Brasília, tem ficado maior durante os momentos considerados de pico de dengue, geralmente em dias de sol, depois períodos de chuva.
A supervisora estima que, atualmente, dos tapume de 350 atendimentos diários, entre 100 e 150 têm sido de pacientes com suspeitas de dengue. Destes, tapume de 70 casos são confirmados.
“A verdade é que a situação é sempre caótica, mas em maior ou menor intensidade”, disse a supervisora à Escritório Brasil.
Segundo ela, apesar de “caótica”, a dedicação da equipe e “a expertise adquirida durante a covid-19” têm ajudado a encarar novos desafios profissionais.
Se comparados com a estação da pandemia, os atuais desafios podem até parecer pequenos.
Mas não são, uma vez que, no caso da dengue, os procedimentos tendem a ser mais complicados do que os adotados nas rotinas das unidades de saúde. Aliás, os sintomas – e os acompanhamentos – tendem a insistir mais dias.
“Notamos que oriente ano a dengue está mais exacerbada [prolongada], com os pacientes apresentando sintomas mais arrastados. Antes, eles apresentavam melhoras em três ou quatro dias. Agora levam de sete a dez dias. Além do número maior de pacientes, observamos a urgência maior de retorno deles à unidade, o que acaba por nos deixar sobrecarregados”, acrescentou.
Colapso
No final de janeiro, diante do aumento do número de casos de dengue, o governador do Província Federalista, Ibaneis Rocha, decretou emergência na saúde do DF. Mais recentemente, disse que a rede de saúde entrou em colapso.
Para a diretora do Sindicato dos Enfermeiros do Província Federalista (SindEnfermeiro-DF), Nayara Jéssica, não é de hoje que a situação das unidades de atendimento de saúde é de colapso. “O colapso somente está maior”, avalia a enfermeira ao declarar que, por tratar-se de uma epidemia “mais do que prevista”, muitos problemas poderiam ter sido evitados pelo governo do DF.
“O GDF poderia ter se programado porque foi uma epidemia anunciada. A principiar pelo déficit que temos em termos de pessoal na rede pública. Isso está impactando significativamente”, disse a diretora.
A forma uma vez que as autoridades locais têm organizado seus recursos humanos foi criticada pela diretora do SindEnfermeiro. “Em seguida todo o tirocínio que tivemos com o acúmulo de demandas ocorrido durante a pandemia, estávamos nos reorganizando, quando fomos assolados por essa epidemia de dengue e pela forma meio atropelada uma vez que o governo está conduzindo a questão”, disse Nayara.
Segundo a representante dos enfermeiros, as tendas montadas deveriam prestar um primeiro atendimento, enquanto o seguimento ficaria a missão das UBS.
“O problema é que não há funcionários suficientes nas tendas. Logo estão retirando profissionais das UBS para fazerem esse atendimento. Ou seja, estão basicamente trocando a problemática de lugar. E, ao fazerem esse deslocamento, estão comprometendo outros serviços nas unidades em um período no qual aumentam as incidências de doenças respiratórias.”
A associação de dengue com doenças respiratórias pode, inclusive, atingir a mesma pessoa. Foi o caso de Isabella Cardoso, de 9 anos, filha da servidora Glaucilene Cardoso, de 44. “Por sorte, o caso da minha filha não foi grave, nem para a dengue nem para a covid. Mas, evidente, a gente fica sempre preocupada.”
Isabella foi levada à tenda de atendimento montada na Ceilândia e, na sequência, foi diagnosticada e encaminhada para a UBS 7.
“Foram seis dias de tosse, febre e dores nos olhos e no corpo”, descreveu Glaucilene ao referir a mistura de sintomas das duas doenças, observada na filha, em meio a elogios à dedicação das equipes de saúde. “Sempre prestam bom serviço por cá”, acrescentou.
Chuva e sol
Isabella e sua mãe deram sorte. Não é todo dia que é verosímil prestar o atendimento de vantagem citado por Glaucilene. O técnico em enfermagem Gustavo Lopes explica o motivo: “Os casos de dengue variam de combinação com o clima. Hoje a movimentação está menor porque chovia até ontem. Geralmente o número de casos aumenta significativamente depois dois ou três dias de sol”, disse ele, na última segunda-feira (25), enquanto atendia a advogada Juliana Oliveira, 41, moradora de Taguatinga.
“Há duas semanas a situação era outra, com uma movimentação muito maior. Agora está até tranquilo, mas sabemos que isso é momentâneo e que, de uma hora para outra, vão eclodir, de uma vez, muitas pessoas com suspeitas de estarem com dengue”, acrescentou a enfermeira Kelma Louzeiro, gerente de uma UBS, deslocada para ajudar no atendimento aos pacientes em uma das tendas voltadas ao atendimento de pessoas com suspeitas de dengue.
Bastante abatida, depois passar a noite sem conseguir dormir em meio a náuseas, vômitos e muita dor nos olhos e na cabeça, Juliana Oliveira não estava com dengue, apesar de apresentar os mesmos sintomas. “O vistoria deu negativo. A suspeita é que eu esteja com zika”, disse a advogada.
“Por via das dúvidas já estamos fazendo o tratamento, uma vez que o protocolo das duas doenças é praticamente o mesmo”, complementou o técnico Gustavo Lopes.
Da triagem, na chegada, até o início do tratamento, passando pelos 20 minutos necessários para se obter o resultado do teste rápido, foi necessário pouco mais de uma hora para Juliana principiar a ser hidratada. “Foi muito rápido”, disse a advogada.
“Rápido e eficiente” foram os termos usados pelo publicitário Mauro Júnior Medeiros, de 23 anos, para se referir ao atendimento que recebeu tanto na tenda quanto na UBS da Ceilândia. “Fiz o vistoria e até recebi remédios. Agora, aguardo os resultados para ver se será necessário fazer um ajuste na dosagem”, disse.
Se tivesse buscado atendimento outro dia na unidade, Mauro correria o risco de não ter à disposição soro para hidratação.
“A demanda por soro para hidratação tem sido muito grande, e a quantidade, às vezes, é insuficiente, chegando a faltar em algumas UBS. Mas a expectativa, em universal, é que não se ligeiro mais do que 48 horas para recebermos mais”, disse a supervisora Kelma Louzeiro.
De combinação com a diretora do SindEnfermeiro-DF, o restabelecimento de estoques de hidratação verbal e de soro fisiológico ficou mais fácil depois o governo do DF ter decretado emergência em saúde. “As compras foram facilitadas e, em universal, é até rápido o envio às unidades”, disse Nayara Jéssica ao reiterar que as dificuldades maiores decorrem do déficit de pessoal.
Paranoá
Do outro lado de Brasília, na UBS 1, do Paranoá – outra região administrativa da capital federalista –, a dona de moradia Isabel Martins, de 66 anos, aguardava o resultado do vistoria para saber se a diarreia, a tontura e as dores que sentia na cabeça e no corpo eram sintomas de dengue.
Isabel disse que conhece muito a situação das unidades de saúde do Paranoá, e que, entre elas, a que oferece atendimento mais rápido para os pacientes é a UBS 1, motivo pelo qual ela foi direto para lá.
“Mal cheguei, informei que minha situação estava ruim e fui imediatamente atendida. A equipe cá é sempre muito boa, mas nem todas as unidades são assim. Se for para ir para a UPA [Unidade de Pronto Atendimento] ou para o hospital, a coisa é mais complicada”, disse a dona de moradia referindo-se às unidades para onde os casos mais graves são enviados.
A poucos quilômetros dali, tapume de 60 pessoas aguardavam, por horas, atendimento na UPA do Paranoá. Entre elas, Januário da Cruz Silva, de 61 anos. Ele trabalha com um caminhão de mudanças, mas há quase uma semana teve de parar com os serviços por conta da dengue.
“Fui sábado ao posto de saúde, fiz hemograma e constatei estar com dengue. Fui logo guiado para o Hospital do Paranoá. Fiquei quase cinco horas lá, mas acabei não sendo atendido porque, uma vez que praticamente não havia médicos, eles só atendiam quem tinha pulseira vermelha de emergência”, disse Januário à Escritório Brasil.
Desde logo, ele está intercalando paracetamol e dipirona, na tentativa de amenizar as dores. “Estou há três noites sem dormir por motivo dessa dor. Vim logo para cá na expectativa de receber hidratação na veia.”
O sofrimento do cozinheiro José Souza Araújo, de 67 anos, já durava oito dias. Ele também estava na UPA do Paranoá para tentar entender o motivo de tamanha vagar para se restabelecer. “Vim cá na segunda-feira passada [dia 19], fiquei quase seis horas e não consegui ser atendido. Quem sabe agora eu consiga.”
Secretaria de Saúde
Procurada pela Escritório Brasil, a Secretaria de Saúde do Província Federalista garantiu estar preparada para atender os casos de dengue em todo o território e que, para tanto, conta com 176 UBS – algumas delas funcionando em horários especiais à noite e nos finais de semana.
O governo do DF ampliou também o atendimento nas tendas montadas em nove sedes de administrações regionais e, desde 5 de fevereiro, está em funcionamento o Hospital de Campanha da Aviação, estrutura provisória montada ao lado da UPA da Ceilândia.
A expectativa é a de instalar mais 11 novas tendas de hidratação. Segundo a secretaria, as instalações provisórias podem oferecer tratamento para casos leves, o que inclui hidratação dos pacientes, testagem e orientações sobre uma vez que mourejar com os sintomas da dengue.
Em caso de agravamento, os pacientes devem ser transferidos para uma das 13 UPAs ou para os hospitais regionais. Para tanto, novos leitos foram disponibilizados: 15 deles, de reparo, no Hospital Regional de Asa Setentrião; 20 em unidades de terapia intensiva da rede privada; e 55 leitos de internação no Hospital da Cidade do Sol.
Com relação aos recursos humanos, a secretaria informou que 715 técnicos de enfermagem, trabalhadores de sete regiões de saúde do DF, tiveram a fardo horária ampliada de 20 para 40 horas semanais, e que nomeou 180 técnicos de enfermagem, 156 enfermeiros, 115 agentes comunitários de saúde e 90 médicos especialistas. Foi também desimpedido um solicitação público para contratar mais 200 médicos temporários.
Adicionalmente, 38 caminhonetes equipadas com fumacê estão rodando as ruas do DF para emprego de inseticidas nas áreas de maior incidência do Aedes aegypti, vetor responsável pela transmissão da dengue, chikungunya e zika.
Iniciada no DF em 9 de fevereiro, a campanha de vacinação contra a dengue imunizou até a última terça-feira (27 de fevereiro) 23.502 crianças de 10 anos e 11 anos, somente 32% do público-alvo.
A população pode escoltar a disponibilidade de leitos por meio do site da Secretaria de Saúde do DF. Foi também disponibilizada uma página informando os horários de funcionamento das unidades básicas de saúde.