A promotora de Justiça Fabiana Giusti se surpreendeu ao saber, no último dia 23, dos detalhes da megaoperação que a Polícia Federalista (PF) e a Controladoria-Universal da União (CGU) tinham deflagrado naquela manhã, em 13 estados e no Província Federalista.
“Senti que estava vendo um pouco familiar. Pensei comigo mesma: “Meu Deus! Tudo o que já tínhamos perfeito cá, no Província Federalista, anos antes, estava, agora, acontecendo em uma esfera maior”, comentou a promotora, em entrevista à Dependência Brasil.
Fabiana logo compreendeu o alcance do esquema de descontos ilegais em benefícios previdenciários que lesou milhões de aposentados e pensionistas em todo o Brasil. Enfim, entre 2018 e 2020, ela e outros servidores do Ministério Público do Província Federalista e Territórios (MPDFT) se dedicaram a compreender e identificar os responsáveis por um golpe semelhante, embora de contextura regional.
“São dois casos que revelam a fragilidade de um sistema. Principalmente, a fragilidade de idosos em relação a esse sistema [de cobranças em folha]”, disse a promotora.
O objectivo inicial da apuração distrital era uma suposta organização criminosa acusada de impor golpes dos precatórios em ex-servidores públicos do Província Federalista. Até que, em dezembro de 2018, a Polícia Social deflagrou a Operação Strike. Com os investigados, os policiais apreenderam fichas de associação a diferentes organizações sociais e autorizações para débitos em folha em obséquio destas mesmas entidades, além de contracheques e dados pessoais e funcionais de servidores distritais aposentados.
“Isso serviu de alerta. O que aquelas pessoas suspeitas de envolvimento em fraudes estariam fazendo com todos aqueles documentos e informações?”, indagou a promotora, acrescentando que as autorizações para que as mensalidades associativas fossem descontadas em folha eram entregues aos órgãos públicos distritais aos quais as vítimas eram vinculadas, e não ao Instituto Pátrio do Seguro Social (INSS), conforme ocorria no golpe vernáculo.
No curso das investigações, as autoridades distritais ouviram aposentados e pensionistas que, segundo as entidades, teriam autorizado o desconto de mensalidades associativas. Quase todos afirmaram ter sido vítimas de um golpe.
Os investigadores também pesquisaram as denúncias por cobranças indevidas registradas em delegacias do DF. As apurações indicaram irregularidades em seis associações, conforme consta no processo que a 2ª Vara Criminal de Brasília julgou em novembro de 2023.
Segundo a promotora Fabiana Giusti, peritos apontaram que, entre julho de 2017 e abril de 2019, as seis entidades receberam, juntas, tapume de R$ 763,67 milénio provenientes de mensalidades associativas descontadas de aposentados e pensionistas distritais. Todavia, não é provável precisar quanto desse valor foi descontado ilegalmente, já que nem todas as vítimas foram identificadas.
“O processo distrital tem um número de vítimas significativo. E também de réus, pois se trata de uma organização com grande número de pessoas. Acreditamos ter conseguido identificar grande secção das vítimas, mas a dificuldade para localizar todas é muito grande, já que muitas só souberam dos descontos ao serem chamadas para depor. Outras sequer estavam seguras de não ter se associado a uma entidade e autorizado os descontos. E há aquelas que faleceram no curso do processo – casos em que tivemos que ouvir parentes próximos para apurar os fatos. Logo, só podemos considerar vítimas àquelas que conseguimos justificar documentalmente”, comentou a promotora, fornecendo detalhes de uma vez que o golpe perfeito no Província Federalista funcionava.
“Havia pessoas que se revezavam avante de entidades de frente e havia os [falsos] corretores. Em universal, os dirigentes recebiam os documentos; pleiteavam os descontos junto às secretarias às quais as vítimas eram vinculadas e cuidavam da contabilidade. Os [falsos] corretores iam até às vítimas e as enganavam em troca de comissões. Via de regra, eles recebiam o equivalente às duas primeiras mensalidades e um percentual de 10% a 15% de tudo o que era descontado posteriormente”, disse Fabiana.
“Durante as investigações, constatamos as relações entre os dirigentes das entidades. Um que era presidente de uma organização, dali a pouco era secretário ou diretor em outra. Com autorização da Justiça, foram gravadas conversas nas quais um investigado pede a outro que lhe indique alguém para assumir um função na associação, e o segundo sugere um parente seu”.
Ainda de congraçamento com a promotora, no Província Federalista, as fraudes contaram com a conivência de agentes públicos, que teriam facilitado o aproximação dos réus a informações pessoais e funcionais das vítimas – a maioria delas, ex-servidores das secretarias de Saúde e de Instrução.
“De posse das informações iniciais, os [falsos] corretores procuravam às vítimas já cientes de quanto elas recebiam de mercê e quanto tinham de limite para novos descontos”, acrescentou a promotora, explicando que, para enganar suas vítimas, os falsos corretores usavam vários subterfúgios, chegando a frequentar as casas das vítimas por longos períodos.
“Eles recorriam a toda sorte de expediente para ludibriá-las. Diziam que precisavam recadastrar a pessoa para atualizar ou oferecer a ela condições mais vantajosas para qualquer serviço, uma vez que um seguro, por exemplo. Tomavam um cafezinho, batiam papo, e portanto pediam que a vítima assinasse papeis que, na verdade, eram fichas de associações às entidades investigadas e autorizações para descontos. Alguns cobriam o cabeçalho da ficha com uma folha ou outro objeto, para que a vítima não conseguisse ver do que se tratava”, detalhou Fabiana.
“Quando as vítimas descobriam, se descobriram, já era tarde. Em conversas gravadas com autorização da Justiça, os réus conversam sobre uma vez que agir, chegando a mostrar os médicos uma vez que as melhores vítimas porque, geralmente, [mesmo quando aposentados,] têm mais de uma nascente de renda, ganham muito, não checam o contracheque e não perceberiam os descontos”, acrescentou a promotora.
Em 2020, o MPDFT denunciou 26 pessoas. Em novembro de 2023, a Justiça do Província Federalista condenou 17 delas em primeira instância. Entre essas, Domingos Sávio de Castro, a quem ao menos quatro vítimas do golpe vernáculo revelado pela Operação Sem Desconto acusam de tê-las iludido e que está recorrendo da sentença.
Conforme a Dependência Brasil noticiou nesta quarta-feira (13), Castro também é citado na Operação Sem Desconto, na quesito de sócio de Antonio Carlos Camilo Antunes, o Careca do INSS, em duas empresas de telemarketing que prestavam serviços para organizações sociais implicadas no esquema vernáculo. O que não surpreendeu a promotora.
“No curso do processo [distrital], ou seja, em seguida 2020, algumas das pessoas que estavam sendo processadas foram detidas em flagrante [em outra investigação] pela prática de crimes semelhantes [cometidos] cá mesmo, no Província Federalista”, comentou a promotora, destacando não estar se referindo a Castro.
“E quando digo que isso não me pretexto surpresa é porque, infelizmente, a pena para nascente tipo de delito é muito pequena. Para prender um estelionatário, ele tem que ter uma ficha muito extensa, com várias condenações”, concluiu a promotora.