Diferentemente dos últimos governos —inclusive, mas não só, os do PT—, a gestão Lula tem enfrentado vários tipos de crises, mas não acusações de prevaricação ou de negligência em episódios de ramal de recursos públicos. Nosso justificado pessimismo com os padrões morais da política não deve nos impedir de reconhecer isso.
Mas agora, com a invenção de quadrilhas mancomunadas com funcionários públicos desviando segmento da aposentadoria de velhinhos há anos, impunemente, o nível da crise mudou. Roubar a bolsa do órfão e da viúva é indignidade que ofende qualquer um com o mínimo de probidade.
Saber que o governo não só fracassou em impedir uma vez que também demorou a agir, mesmo alertado, é politicamente indesculpável. E, obviamente, é tarde demais para expressar que não sabia ou que não podia ter feito alguma coisa para impedir que bilhões fossem desviados em seu vez de guarda.
Demorou para o governo entender que o escândalo do INSS é uma petardo política. E é curioso uma vez que ainda há quem ache que isso pode não afetar a imagem de um governo que já se encontra em seu pior momento. Agora, vem o corre-corre.
O ministro da Mansão Social responsabilizou a Controladoria-Universal da União por não enunciar os alertas em tempo e com a seriedade merecida. O ministro da CGU, por sua vez, recorreu a um vídeo para minimizar o escândalo, acusar os críticos de espalharem fake news e elogiar o rigor de Lula na apuração. O veste é que, até agora, duas demissões depois, ninguém no governo assumiu qualquer responsabilidade por inação ou conluio.
Sem falar nas respostas que beiram o sem razão, uma vez que a argumento de que o governo, por meio da (sua?) Polícia Federalista, foi quem desbaratou uma operação que atravessou todo o procuração de Lula. Ou a silabário de 30 páginas —acreditem—, em papel, distribuída pela liderança do PT na Câmara com o título “Desmentido Nikolas Ferreira”. Sim, o PT veio com uma silabário impressa para uma luta de reels de 15 segundos.
O que se viu até cá foi a repetição do velho padrão que quase destruiu o PT em gestões passadas. Em vez de reconhecer a seriedade dos fatos e reagir com compromisso com apuração e responsabilização, o governo recorre à fórmula de sempre: negação de responsabilidade, transferência de culpa, autoelogio, ataque aos críticos.
Conhecemos esse roteiro, e ele tem dois problemas. Primeiro, é a resposta mais previsível e, por isso mesmo, a de menor credibilidade. O PT sempre nega culpa, responsabilidade ou seriedade, enquanto se autoelogia e ataca a credibilidade dos críticos —e não se afastou uma vírgula desse script neste caso. Segundo, esse tipo de resposta preguiçosa e automática é lido uma vez que impudência e irrita mais do que convence a opinião pública.
Mesmo em um escândalo em que a criminação é de negligência, não de prevaricação, o PT não consegue adotar um novo protocolo? Não. Temos a reincidência de uma estratégia fracassada, só que agora diante de um público mais intrigado e de uma oposição mais desembaraçado nas redes.
Toda crise é uma janela de oportunidade para a luta política e para a disputa pelo controle das imagens públicas dos envolvidos, por meio de uma guerrilha de atribuições de responsabilidade. Nikolas Ferreira, por exemplo, transformou o caso em um vídeo com mais de 100 milhões de visualizações. Desde o incidente do Pix, o deputado descobriu uma vez que é moleza surrar a notícia do governo, que, incapaz de seguir o que se passa nas redes digitais, nunca está prestes com informações nem é capaz de produzir teor para enfrentar seus detratores.
O manual de notícia de crise é evidente: quanto maior a percepção de responsabilidade, mais o público espera reconhecimento e ação concreta. A resposta eficiente deve ser rápida, muito informada, coordenada, transparente. Ignorar, retardar ou adotar o mesmo oração de sempre reforça a teoria de que zero mudou.
Entre o suicídio reputacional —que seria consentir culpa plena, com risco de ruína política—, que os seus detratores desejam, e a velha negação arrogante e infantil adotada, há um meio-termo: reconhecer em que falhou, explicar uma vez que isso aconteceu e anunciar medidas concretas para impedir que se repita. Isso se labareda ação corretiva. É o mínimo que se espera de quem governa.
A crise no INSS é um teste de maturidade política para o governo. O PT tem uma chance rara de mostrar que aprendeu com os erros do pretérito e que está disposto a inaugurar um novo protocolo de resposta a escândalos —um que inclua responsabilização, transparência e saudação pela indignação legítima dos cidadãos.
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