Um quadrângulo preto pode não ser só um quadrângulo preto. Na exposição do coletivo Lab(au) em papeleta na galeria Dan Contemporânea, em São Paulo, os artistas do grupo se colocaram um repto —usar formas geométricas para, seguindo um conjunto de regras estabelecidas, preencher um espaço delimitado numa página branca até ele permanecer preto.
Eles desenharam 25 pequenos triângulos numa folha para, em seguida, dispor outros 25 na seguinte, que se somam aos iniciais. A terceira página, portanto, tem 75 triângulos, e assim por diante, até que a repetição da figura geométrica preencha todo o espaço e a página se torne negra, de modo que não é verosímil ver zero além de um quadrângulo preto.
Neste exemplo a regra era dispor os triângulos aleatoriamente na página, mas noutro trabalho da mesma série a lei era dividir a dimensão do papel em duas metades, pôr 20 triângulos de um lado e espelhá-los do outro, repetindo a operação até se chegar, novamente, a uma mancha negra.
Estas obras ilustram a maneira metódica de trabalhar do Lab(au), dupla baseada em Bruxelas formada pelos artistas Manuel Abendroth e Jérôme Decock, com a participação eventual de convidados. Filiados à arte conceitual, o Lab(au) realiza trabalhos que resultam de processos, isto é, suas peças decorrem do projecto de realização de cada obra, em universal muito rigoroso, com precisão matemática.
“Writing, Painting, Calculating, Transcoding”, ou escrevendo, pintando, calculando e transcodificando é a primeira exposição do Lab(au) no Brasil. Em papeleta até 30 de outubro, a mostra apresenta um recorte representativo do trabalho do coletivo formado em 1997 e que já exibiu em museus importantes de arte contemporânea, uma vez que o Núcleo Pompidou, em Paris, o Maat, em Lisboa, e o Witte de With, em Roterdã.
Pelos exemplos citados supra, nota-se que o coletivo tem uma preocupação pelo quadrângulo preto, jacente em muitos de seus trabalhos. Simples, isto é uma referência ao russo Kazimir Malevich, que pintou, em 1918, o mais divulgado quadrângulo preto sobre fundo branco da arte.
“Nós questionamos muito a teoria do monocromo, talvez a mais emblemática da pintura”, afirma Abendroth, do Lab(au), acrescentando que rever a história da arte é um dos objetivos do grupo.
Abendroth mostra à reportagem o que considera seu trabalho preposto da exposição —uma série de folhas negras emolduradas, dispostas numa fileira de cima a insignificante. Cada página foi xerocada inúmeras vezes, até que o toner da máquina de plagiar deixasse tantas marcas pretas no papel que ele escureceu por completo. Trata-se de uma pintura feita com luz, que leva à negrume profunda.
Na exposição, vemos que, embora o coletivo chame suas telas de pintura, elas não levam tinta, não são quadros no sentido tradicional. “Eu paladar de pensar sobre pintura, mas não sou um pintor. São mais as ideias sobre a pintura”, afirma Abendroth. Ele cita a arte conceitual dos anos 1960 uma vez que um setentrião no trabalho do Lab(au), e diz que querer instigar e engajar quem vê as obras do grupo.
Embora possam ser apreciados pelo seu potente apelo visual, os trabalhos do grupo têm camadas, e de indumentária são melhor compreendidos se o público se der o tempo para entender uma vez que cada um foi feito. Abendroth diz não entender porque se convencionou que obras de arte devem ser autoexplicativas e advoga pelo letramento do testemunha de arte, assim uma vez que se aprende a ler para fazer sentido de um texto.
Outro elemento importante no trabalho do Lab(au) é a tecnologia, usada não de maneira esquemática, com resultados sabidos de antemão, mas sim uma vez que uma utensílio a serviço da casualidade. Numa peça instalada na ingressão da galeria, do lado de fora, um software generativo procura aleatoriamente 12 letras do alfabeto para formar uma vocábulo em português, o que “pode levar um segundo ou a evo”, segundo o artista.
O visitante vê as letras rodando freneticamente num visor de LED e se pergunta, meio amargurado, se qualquer vocábulo compreensível vai transpor daquela loteria. Quando o computador encontra a vocábulo, ela fica escrita pela mesma duração de tempo que o software tomou para descobri-la. Para Abendroth, trata-se de uma escrita do contingência.
Questionado se não recebe comentários de que as obras do Lab(au) são cerebrais, impenetráveis, o artista diz que há trabalhos que podem dialogar com o público sem que nascente tenha nenhum conhecimento além do que vê, a exemplo de uma série de telas com dezenas de quadradinhos coloridos consideradas por ele uma vez que “muito fortes visualmente”.
Ele conta que a obra das folhas xerocadas é a preferida de muita gente e se questiona o motivo. “Por que, se tudo é preto? Um tanto deve tocar as pessoas. De alguma todas as camadas [do nosso trabalho] são sensíveis, sensoriais.”