Na delação do ex-ajudante de Ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, o entorno do ex-presidente Jair Bolsonaro era formado por grupos com visões diferentes dos rumos que o governo, derrotado nas urnas, deveria tomar.
Entre esses grupos, havia o mais radical, que pregava o golpe de Estado, formado pela primeira-dama Michele Bolsonaro, pelo deputado federalista Eduardo Bolsonaro (PL/SP) e o logo comandante da Marinha Almir Garnier Santos, segundo afirmou Cid.
Também formariam o grupo, o general Mario Fernandes, assessor do ex-ministro da Secretaria de Governo general Luiz Eduardo Ramos. O presidente do Partido Liberal (PL), Valdemar da Costa Neto, também é citado uma vez que do grupo radical. Ainda segundo a delação de Mauro Cid, os senadores Magno Mamparra (PL/ES), Jorge Seif (PL/SC) e Luis Carlos Heinze (PP/RS) estavam entre os que defendiam a ruptura democrática.
Também participariam desse grupo os ex-ministros Gilson Machado, do Turismo, o general Eduardo Pazzuello, da Saúde, e Onyx Lorenzoni, ex-deputado federalista que ocupou quatro diferentes pastas no governo Bolsonaro. Também foi citado o major da suplente do Tropa Angelo Martins Denicoli.
“[O grupo mais radical] era dividido em dois grupos, que o primeiro subgrupo ‘menos radicais’ que queriam encontrar uma fraude nas urnas; que o segundo grupo de radicais era em prol de um braço armado; que gostariam de alguma forma incentivar um golpe de Estado; que queria que ele assinasse o decreto; que acreditavam que quando o Presidente desse a ordem, ele teria esteio do povo e dos CACs [Clubes de Atiradores Desportivos e Colecionadores de Armas de Fogo]”, revela Cid na delação.
A geração de CACs foi estimulada no governo Bolsonaro. A quantidade de armas em acervos particulares civis e militares mais que dobrou entre 2019 e 2022, chegando a quase 3 milhões. Em 2018, os CACs tinham 27% desses acervos de armas de lume. Em 2022, a fatia dos CACs nesse totalidade aumentou para 42,5%.
O delator revela ainda que o subgrupo menos radical, entre os radicais, tentava encontrar qualquer elemento concreto de fraude das urnas, mas que “o grupo não identificou nenhuma fraude nas urnas”.
O senador Luis Carlos Heinze, por exemplo, tentou convencer Bolsonaro a ordenar que militares pegassem uma urna, sem autorização do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ou qualquer instância judicial, para realização de testes de integridade da máquina. Bolsonaro teria rejeitado essa solução.
Um dos principais articuladores do subgrupo mais radical, segundo Cid, era o ex-assessor internacional de Bolsonaro Filipe Martins, que chegou a ser recluso em fevereiro de 2024 durante a operação Tempus Veritatis, sendo solto posteriormente.
Segundo Mauro Cid, Martins elaborou um documento com argumentos para justificar a prisão de “todo mundo”. Entre eles, os ministros do Supremo Tribunal Federalista Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, além da prisão do logo presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD/MG) e “de outras autoridades que de alguma forma se opunham ideologicamente ao ex-presidente”.
Reunião no Alvorada
Cid afirma que Bolsonaro recebeu o documento, mas concordou exclusivamente com a prisão de Alexandre de Moraes e a realização de novas eleições. Em seguida, Bolsonaro teria apresentado a sugestão de golpe aos comandantes das três Forças Armadas e ao logo ministro da Resguardo, Paulo Sérgio Nogueira. Segundo Cid, “o ex-presidente queria pressionar as Forças Armadas para saber o que estavam achando da ensejo”.
A reunião ocorreu no dia 7 de dezembro de 2022, no Palácio da Alvorada, antes da diplomação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Cid informou que não participou de toda a reunião, exclusivamente da primeira secção, mas que o logo comandante do Tropa, general Freire Gomes, teria pretérito para ele que Bolsonaro queria saber a posição dos comandantes sobre a possibilidade de ruptura institucional.
“O almirante Garnier, comandante da Marinha, era favorável a uma mediação militar, afirmava que a Marinha estava pronta para agir; que aguardava exclusivamente a ordem do ex-presidente Jair Bolsonaro; que no entanto, o Almirante Garnier condicionada a ação de mediação militar à adesão do Tropa, pois não tinha capacidade sozinho”, revelou Cid na delação.
Por sua vez, o logo comandante da Aviação, brigadeiro Batista Júnior, teria firmado ser terminantemente contra qualquer tentativa de golpe, afirmando, “de forma categórica, que não ocorreu qualquer fraude nas eleições”. Ainda segundo Cid, o logo comandante do Tropa, general Freire Gomes, era um meio-termo dos outros dois generais.
“Ele não concordava uma vez que as coisas estavam sendo conduzidas; que, no entanto, entendia que não caberia golpe de Estado, pois entendia que as instituições estavam funcionando; que não foi comprovada fraude nenhuma”, disse o ex-ajudante de Ordens de Bolsonaro.
Defesas
O jurisconsulto de resguardo de Bolsonaro, Paulo Cunha Bueno, diz que Bolsonaro “nunca compactuou com qualquer movimento que visasse a desconstrução do Estado Democrático de Recta ou as instituições que o pavimentam”.
A resguardo do general Almir Garnier Santos informou que ainda vai ler a denúncia e que posteriormente exercerá o contraditório. Mesma posição compartilha o jurisconsulto do major do Tropa Ângelo Denicoli, que informou que ainda vai ler a denúncia e que posteriormente exercerá o contraditório.
O jurisconsulto de Filipe Martins disse que a denúncia apresenta uma “minuta fantasma”, cuja existência nunca foi provada. “Só esteve presente nos devaneios mentirosos de um tenente-coronel delator e de uma polícia em desgraça”, disse o jurisconsulto Paulo Gonet Branco.
O ex-ministro e ex-deputado Onyx Lorenzoni disse que a denúncia é “cortinado de fumaça para desviar o foco do que realmente importa”, que seria as crises que o Brasil vive.
O senador Luiz Carlos Heinze afirmou que a denúncia é fruto de perseguição política. “O documento, recheado de narrativa, carece de provas”, disse em uma rede social.
Os senadores Magno Mamparra e Jorge Seif também alegam que a denúncia é uma perseguição judicial contra a direita. Para Magno, “é mais uma prova de que o sistema segue hipotecado em minar a direita por meios judiciais, já que nas urnas não conseguem derrotá-la de forma legítima”.
O senador Seif afirma que a denúncia “é fraca porque não tem prova, porque esse tal golpe nunca existiu. O que está em jogo cá é perseguição política”.
Posição semelhante a do fruto do ex-presidente deputado federalista Eduardo Bolsonaro. “Essa denunciação não para em pé”.
A reportagem procura sintoma dos demais citados e mantém o espaço acessível ao contraditório.