Mesmo depois a titulação, a comunidade quilombola da Ilhéu da Marambaia, em Mangaratiba, no Rio de Janeiro, visitada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ainda espera melhorias em serviços públicos uma vez que ensino, saúde e transporte. Localizada em uma ilhota, a comunidade enfrenta também diretamente os efeitos da crise climática. Com o progressão do mar em direção à orla, o risco de inundação de casas é cada vez maior.
Durante a visitante de Lula, nesta quarta-feira (3), a presidente da Associação da Comunidade dos Remanescentes de Quilombo da Ilhéu da Marambaia, Jaqueline Alves, entregou ao presidente uma missiva contando a trajetória da comunidade, os avanços conquistados e, também, trazendo as principais demandas locais. “Na verdade, a gente está tratando [de] direitos que ainda precisam ser conquistados para que a comunidade continue crescendo e permanecendo no território. Para que haja progressão e não haja a extinção da comunidade futuramente. Porque a tendência é as pessoas saírem para trabalhar, estudar, se formar. Se a gente consegue trazer essas políticas públicas para o território, a gente também consegue fazer com que a comunidade permaneça, cresça e se desenvolva”, defende.
A comunidade abriga hoje, de negócio com Jaqueline Alves, 210 famílias, em um totalidade de aproximadamente 440 moradores. A principal atividade é a pesca. Entre as principais demandas está a oferta do ensino médio na ilhota, que hoje atende exclusivamente até o ensino fundamental. Com isso, os jovens precisam se transladar para seguir estudando. Aliás, melhorias no transporte, que é insuficiente para a demanda, e dispendioso. A comunidade também pede melhorias na saúde e melhores condições de trabalho e renda.
A Ilhéu da Marambaia foi um sítio de abrigo de negros traficados da África para o Brasil. Além da legado quilombola, a ilhota abriga equipamentos militares desde a dez de 1970, quando passou a ser controlada pelas Forças Armadas. Somente em 2015, o título de posse da terreno da comunidade da Marambaia foi outorgado. Isso ocorreu 13 anos depois do início da ação social pública que pediu o reconhecimento da comunidade, em 2002. Entre 1996 e 1998, a comunidade foi branco de ações de reintegração de posse movidas pela União para retirar as famílias. No final de 2014, a Marinha e a comunidade assinaram o termo de ajuste de conduta (TAC) que encerrou as disputas na Justiça.
“O TAC regulamentou muita coisa, porém, não é o final dos problemas, a gente vira uma página e inicia outra página, para a implementação de políticas públicas no território, melhoria dos serviços de saúde, melhoria na espaço de ensino, na espaço econômica”, diz Jaqueline Alves.
Mudanças climáticas
Além da demanda por serviços públicos, a comunidade enfrenta uma novidade questão, as mudanças climáticas. “A gente está dentro de uma ilhota e a gente não consegue mensurar de que forma vão se dar os fenômenos da natureza. Existe um progressão da maré que é muito generalidade em áreas de ilhas, e a gente está sofrendo com isso. Existe uma moradia que precisa transpor de onde está”, conta a presidente, que diz que o problema não existia há nove anos detrás quando o TAC foi assinado, o que mostra que revisões são necessárias.
“Na verdade, essa questão territorial a gente não vê que está totalmente resolvida porque vai passar por várias situações que vai ter que alinhar novamente e ajustar para que a comunidade permaneça no território, a gente vai ter que estar dialogando sempre sobre a questão territorial”, ressalta, Alves. Segundo ela, a comunidade se articula com a União e outros órgãos uma vez que o Ministério Público para buscar formas de prometer os direitos à população sítio.
Aproximação a políticas públicas
Segundo o secretário de Políticas para Quilombolas, Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana Povos de Terreiros e Ciganos do Ministério da Paridade Racial, Ronaldo dos Santos, o problema do chegada a políticas públicas não se restringe exclusivamente ao quilombo de Marambaia.
“O Estado brasílico construiu, a partir da Constituição de 1988, uma política de regularização fundiária, mas não construiu uma política de desenvolvimento, de séquito desses territórios que serão regularizados”, diz e acrescenta: “Nunca se teve, de verdade, uma estratégia do Estado brasílico de fazer investimento, política de reparação ou política de desenvolvimento.”
Em procura de oferecer subsídios para que as comunidades possam ter chegada a políticas públicas e tracem os próprios planos de desenvolvimento, o governo federalista lançou, em novembro de 2023, a Política Vernáculo de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola – PNGTAQ. “Para nós, é esse olhar do Estado para o território quilombola, no sentido de perceber uma demanda para além da questão agrária, para além da questão da propriedade, mas para uma vez que esse povo se desenvolve a partir da sua cosmopercepção, a partir dos seus parâmetros, uma vez que o Estado contribui e fomenta o processo de gestão de conservação ambiental de desenvolvimento sítio”, diz Santos.
A política começou a ser implementada de forma piloto em uma comunidade em Alcântara (MA). De negócio com o secretário, a pasta ainda procura recursos e cooperações e deverá lançar editais para selecionar outras comunidades para serem beneficiadas.
De negócio com a Instauração Palmares, comunidades remanescentes de quilombos são oriundas daquelas que resistiram à brutalidade do regime escravocrata e se rebelaram frente a quem acreditava serem elas sua propriedade.
Essas comunidades se adaptaram a viver em regiões por vezes hostis. Porém, mantendo suas tradições culturais, aprenderam a tirar seu sustento dos recursos naturais disponíveis, ao mesmo tempo em que se tornaram diretamente responsáveis por sua preservação, interagindo com outros povos e comunidades tradicionais tanto quanto com a sociedade envolvente.
O Recenseamento 2022, do Instituto Brasiliano de Geografia e Estatística mostra que, no Brasil, a população quilombola é de 1.330.186 pessoas, ou 0,66% do totalidade de habitantes. A proporção de pessoas vivendo fora de territórios quilombolas oficialmente reconhecidos é de 87,39% (1,07 milhão).
“Eu costumo expor que regularizar território quilombola e financiar esse processo de desenvolvimento tem muitos aspectos em jogo. Primeiro, precisa pensar na democratização do chegada à terreno no Brasil. É mesmo uma política de reforma agrária complementar, podemos expor assim. Mas podemos pensar no olhar da reparação histórica ao tempo da escravidão. São comunidades que estão cá por conta do que foi a escravidão, e o Estado brasílico não pode expor que não é problema seu, portanto precisa assumir esse ônus. Também é preciso compreender os serviços ambientais que essas comunidades prestam em termos de emergência climática. Não é verosímil pensar justiça climática sem pensar na tributo histórica que essas comunidades dão para a conservação ambiental”, destaca Santos.