Em maio de 2023, Aline, de 6 anos de idade, começou a apresentar sintomas gripais e logo foi levada pelos pais para ser atendida na unidade de saúde da sua cidade. A família voltou para mansão com a receita de um xarope e a recomendação de deixar a rapariga em repouso por alguns dias, até que os sintomas melhorassem. Porquê não teve melhora no quadro galeno, a rapariga voltou à unidade, e recebeu a mesma orientação.
No dia seguinte, os sintomas pioraram e ela começou a apresentar dificuldade respiratória e precisou ser levada para o hospital de uma cidade próxima, onde exames constataram infecção por H1N1 e o comprometimento da atividade pulmonar. A rapariga, logo, teve que ser transferida para o hospital de uma cidade maior, com UTI pediátrica, mas acabou morrendo no mesmo dia.
Aline era uma párvulo quilombola, moradora da comunidade Vila Miloca, no município gaúcho de Lagoão, a respeito de 250 quilômetros de Porto Feliz. O desfecho trágico do caso é um exemplo extremo do que pode ocorrer diante das dificuldades de aproximação à saúde, comuns a comunidades quilombolas de todo o país.
O legista Arilson Jesus representa a família da párvulo em ações que buscam reparação na Justiça. Ele também é quilombola, criado na mesma Vila Miloca, e hoje faz secção de uma rede de advogados quilombolas que têm se articulado para tutelar os direitos dessas comunidades.
“A minha comunidade não tem unidade de saúde própria. Se tem alguém se sentindo mal, tem que ir até o posto de saúde da cidade de Lagoão. Se chegar lá e precisar de um perito, tem que fazer um trajeto que dá mais de 100 quilômetros”, explica.
Região Setentrião
Apesar de viver do outro lado do país, Hilário de Moraes conhece muito essa veras. Ele é uma liderança da comunidade do Caldeirão, na Ilhota do Marajó, no Pará, que hoje conta com uma unidade de saúde, com funcionamento durante a semana, em horário mercantil. Mas não é assim em todas as 19 localidades quilombolas do território de Salvaterra, no Pará.
“A minha comunidade é a que está mais próxima da sede. De noite e nos finais de semana, se alguém precisar, pode invocar uma ambulância, ou ir de moto própria ou de táxi. Mas, por exemplo, Salvá [Salvaterra] não tem posto e fica a mais de 30 quilômetros da sede. E, para acessar a sede, tem que passar por dentro de outra comunidade, que é Mangueiras, encruzar o Rio Mangueiras, e pegar um transporte para chegar na cidade. No inverno, é mais difícil ainda, porque as estradas ficam completamente intrafegáveis”, relata Hilário.
De congraçamento com dados do último Recenseamento, o Brasil tinha em 2022 mais de 1 milhão e 300 milénio pessoas que se declararam porquê quilombolas, e viviam em quase 8.500 localidades espalhadas por 24 estados e pelo Região Federalista. Elas representam menos de 1% da população do Brasil, mas estão em quase um terço dos municípios, e reivindicam políticas de saúde que compreendam o processo histórico de vexame da população quilombola, e também contemplem sua flutuação cultural e localização geográfica.
“Quando se fala em saúde da população negra, se pensa na saúde da população negra urbana. Se dentro das cidades, até hoje a gente ainda não conseguiu implementar a saúde da população negra na sua totalidade, pense isso dentro de um território que é na zona rústico, que tem uma logística tanto geográfica quanto cultural”, enfatiza a médica Ana Leia Moraes, quilombola da comunidade Laranjituba, na cidade paraense de Moju, que integra o coletivo de saúde da Coordenação Pátrio de Fala das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).
Em 2006, o Ministério da Saúde tentou resolver secção dessa dificuldade geográfica, garantindo um acréscimo de 50% nos valores repassados a municípios por equipes que atendessem populações quilombolas. Ou por outra, desde 2009, o Brasil conta com uma Política Pátrio de Saúde Integral da População Negra, que tem entre os seus objetivos “prometer e ampliar o aproximação da população negra do campo e da floresta às ações e serviços de saúde” e “a melhoria dos indicadores de saúde da população negra, com próprio atenção para as populações quilombolas”, mas não estabelece ações específicas para deter essa questão geográfica e cultural, mencionada pela médica Ana Leia.
Em novembro deste ano, algumas ações foram anunciadas, porquê o programa Mais Médicos ampliado em municípios quilombolas e o financiamento de equipes de saúde bucal. Mas a principal iniciativa foi a geração de um grupo de trabalho, onde 12 representantes de associações quilombolas e de outros povos tradicionais, vão discutir com especialistas do Ministério da Saúde e de entidades médicas e científicas porquê devem ser as políticas de saúde pública para esses territórios. O grupo se labareda Perdão Epifânio, em homenagem à líder quilombola morta em julho deste ano, que se dedicou justamente à luta pela saúde.
“Em toda a história, nós os quilombolas, nunca tivemos voz dentro da saúde, dentro do SUS. Por isso, a premência da participação efetiva dos quilombolas dentro desse grupo de trabalho, para fazer esse atravessamento das peculiaridades de religião e de gênero, e de cada território. Porque, por exemplo, cá no Pará, apesar de nós estarmos dentro da Amazônia, de uma comunidade para outra já difere algumas coisas. Quanto mais do Setentrião para o Sul, daqui para o Sudeste. Por isso que a gente precisa desse grupo de trabalho”, celebra a médica quilombola Ana Leia.
A previsão é que os membros se reúnam três vezes ao ano, mas antes eles passarão por eventos preparatórios, porquê um seminário que o Ministério da Saúde realizará no primícias do ano que vem, de congraçamento com o assessor para Justiça Racial em Saúde do ministério Luiz Eduardo Batista.
Ele explica que antes de publicar a portaria que instituiu o grupo de trabalho, o órgão fez um mapeamento de ações que já são realizadas em contexto vernáculo e por alguns estados, e de algumas demandas prioritárias já identificadas pelas comunidades e por pesquisadores.
“Dentre as principais demandas, está a questão do aproximação aos serviços. E essa questão, a gente já está dando uma resposta imediata, com recursos para os municípios que tenham comunidades quilombolas, para que as equipes de saúde da família cheguem até essas comunidades. A gente já está desenhando também uma estratégia de salas de estabilização próximas às comunidades quilombolas. Tendo um problema de saúde ali na comunidade, a pessoa vai até a sala de estabilização e fica mais fácil da unidade traste buscar essa pessoa e levar até um espaço especializado”, explica Batista
A intervalo entre as comunidades e as unidades de saúde também faz com que problemas comuns tenham desfechos graves e, de congraçamento com o assessor do Ministério da Saúde, já foi identificada uma grande demanda de saúde bucal e de manejo adequado de doenças crônicas porquê hipertensão e diabetes.
O líder quilombola da Ilhota do Marajó, Hilário Moraes, passou por uma experiência que comprova isso. “Nós fizemos um trabalho com a Universidade Federalista do Pará, que avaliou a questão nutricional, peso, pressão arterial, mediu a cintura, fez o teste rápido para ver a questão da glicemia. E esse projeto conseguiu identificar em várias comunidades muitos quilombolas que tinham diabetes e não sabiam”.
De congraçamento com ele, também há grande dificuldade de aproximação a exames simples para rastreio de cancro, porquê os de próstata, de detecção do HPV, que é o principal causante do cancro de pescoço de útero e mamografia. E em muitas comunidades marajoaras, as gestantes também não conseguem fazer as consultas e exames recomendados durante o pré-natal e, quando chega a hora, precisam narrar com a sorte de ter uma parteira tradicional por perto, já que para chegar a uma unidade de saúde é preciso viajar horas em uma embarcação.
Processo
De congraçamento com os quilombolas, os problemas de hoje são fruto de um processo histórico de exclusão dessa população que descende de africanos escravizados, e que ainda luta pelo reconhecimento de seus territórios.
“Desde o momento da derrogação da escravatura, nós não tivemos recta a zero, nem à moradia, nem ao território. Zero! 100 anos depois a derrogação da escravatura, em 1988, que é promulgada a Constituição Federalista, minimamente a gente vai entrar dentro da legislação, e das políticas públicas de saúde. Mas para os territórios quilombolas essa política ainda é uma veras para ocorrer”, destaca o líder quilombola Hilário Moraes.
E todos também concordam que a efetivação desse recta passa pela formalização dos territórios quilombolas. De congraçamento com o Recenseamento 2022, exclusivamente 12,6% da população quilombola vivia em territórios oficialmente delimitados e somente 4,3% em terras já tituladas. O Instituto Pátrio de Colonização e Reforma Agrária (Incra), tem muro de 1.800 processos de regularização de comunidades quilombolas em desimpedido.
“O território fundamenta a existência quilombola, pelas relações que se cultiva e se mantém no território, porque a coletividade se orienta no território, pelos costumes, pelas práticas. As famílias, a própria forma de sobrevivência pela lavra familiar, geralmente com práticas coletivas. Portanto, se você tira o território, você nega todos os outros direitos”, explica o legista quilombola Arilson Jesus.
E a falta de regularização também impacta diretamente as condições de vida. Ainda de congraçamento com o último Recenseamento, enquanto menos de 28% da população do país reside em domicílios sem saneamento capital ou com serviços precários, a proporção entre a população quilombola é de quase 79%. Ou seja, os moradores dessas comunidades têm menos aproximação a chuva encanada, tratamento de esgoto e coleta regular de lixo, o que está associado a uma série de problemas de saúde.
A médica Ana Leia Moraes, que faz secção do Coletivo de Saúde do Conaq, também lembra que o racismo é outro fruto desse processo histórico que reverbera até hoje. “Estudos demonstram que quanto mais retinta a pessoa ela, mais ela é tratada de maneira desigual negativamente. E se a pessoa vai um dia procurar auxílio e não é acolhida, dificilmente ela vai voltar”.
“Entre os usuários do SUS, 70% são pessoas negras, e a gente não tem nenhuma disciplina voltada para a saúde da população negra ou indígena, quanto mais quilombolas. Portanto a nossa frente também visa essa questão da formação dos profissionais de saúde”, defende.