Racismo no futebol cresce, apesar de campanhas, alerta observatório

Racismo no futebol cresce, apesar de campanhas, alerta Observatório

Brasil

Câmeras da TV Brasil, que realizavam a cobertura da primeira repartição do Campeonato Brasiliano Feminino de futebol, flagraram na última segunda-feira (31) um ataque racista que que faz segmento de um contexto de aumento desse tipo de violência no futebol. 

O banco de reservas das jogadoras do Sport, que enfrentavam o Internacional em Porto Contente, no Rio Grande do Sul, foi mira de bananas. Uma das árbitras identificou o ataque e recolheu a fruta e as casas, o que foi filmado ao vivo pela câmera da Empresa Brasil de Informação (EBC).

Diretor do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, Marcelo Roble, afirma que o monitoramento realizado por sua equipe aponta que o racismo no futebol está crescendo, apesar da maior conscientização sobre o tema.

O observatório divulga, desde 2014, um relatório com denúncias e detalhamentos de casos de discriminação racial nesse esporte.

Em 2014, ano em que o relatório começou a ser publicado, foram registrados 36 casos de racismo no Brasil e no exterior. Cinco anos depois, em 2019, o número já estava em 159 casos. No ano seguinte, 2020, devido ao início da pandemia, o número de casos caiu para 81, mas voltou a subir para 158, em 2021; para 233, em 2022; e para 250, em 2023 – última edição publicada até o momento.

Para Roble, é fundamental que a Justiça tome decisões que deixem os racistas com receio ou temor de praticar esse tipo de transgressão, seja em estádios ou onde mais for.

“Mas a gente precisa também entender que não vamos ultimar com o racismo pensando só em punição. Precisamos pensar cada vez mais em conscientização e em instrução”.

“As pessoas precisam entender o que é racismo. Precisam entender que o que muitas vezes chamamos de piada é racismo. Caso contrário, as pessoas continuarão perpetuando esse racismo recreativo na forma de piadas que tanto vemos por aí”, acrescentou ao tutorar esse tipo de zelo também nas categorias de base dos clubes.

No caso de racismo no jogo entre Sport e Internacional, o time feminino do clube gaúcho jogará com portões fechados nos próximos três jogos uma vez que punição, determinou o presidente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, Luís Otávio Veríssimo Teixeira, na tarde seguinte ao jogo, acatando pedido feito pela Procuradoria-Universal da entidade.

O Sport também registrou boletim de ocorrência (BO) na Policia Social, e o caso também será investigado na esfera criminal, pela Delegacia da Intolerância, em Porto Contente.

“Nos últimos anos, temos visto uma atuação muito maior dos clubes da CBF no combate ao racismo, mas isso não tem se refletido em punições [contra aqueles que praticaram este crime]. Percebemos que jogadores, clubes, jornalistas e torcedores estão mais conscientes sobre esse problema”, explica o diretor do Observatório, que pondera. “Mas, infelizmente isso não está refletindo nos casos julgados nos tribunais de justiça desportiva. Ao que parece, ali essa conscientização ainda não chegou”, complementou.

Subnotificação

O monitoramento citado por Marcelo Roble é feito a partir de denúncias veiculadas pela prelo. “Recebemos também muitas denúncias por meio de nossas redes sociais e e-mail, mas, até por segurança jurídica, preferimos trabalhar exclusivamente com casos que sejam veiculados na prelo”, explica o diretor, ao ressaltar que há muitos outros casos que não constam do relatório.

O levantamento mostra que o estado com maior número de incidentes é o Rio Grande do Sul, onde a câmera da TV Brasil fez o flagrante. Foram 89 casos de racismo em estádios gaúchos entre 2014 e 2023, número que corresponde a 24,45% dos 364 incidentes mapeados no período em todo o país.

Em segundo lugar neste ranking está São Paulo, com 57 casos, ou 15,65% do totalidade registrado nos estádios brasileiros. Minas Gerais vem na sequência, com 34 incidentes (9,34%), seguido do Rio de Janeiro, com 25 casos (6,86%), e do Paraná, com 23 casos (6,32%).

As regiões Sul (36%) e Sudeste (32%) respondem por 68% do totalidade de casos de racismo no futebol brasílico. Já o Nordeste responde por 16%, enquanto a Núcleo-Oeste e a Setentrião registraram, respectivamente, 9% e 6% do totalidade de incidentes mencionados desde 2014.

Muitas das denúncias não incluídas no relatório estão relacionadas a campeonatos amadores ou às categorias de base. Pode-se, portanto, concluir que a situação é muito pior do que o assinalado pelo levantamento.

“A verdade é que temos uma estrutura extremamente viciada; uma estrutura extremamente racista no futebol, que se dá desde o início de sua prática no Brasil”, observa Roble.

“Basta lembrar que o futebol chegou no Brasil uma vez que esporte elitista, classista e racista, ainda que, a partir de determinado momento, pela qualidade dos jogadores negros, esse esporte foi se tornando popular, caindo no paladar das pessoas pobres e negras. Mas a verdade é que os primeiros jogadores negros dos clubes eram proibidos de circunvalar a extensão social, entrando e saindo de seus clubes pelas portas dos fundos”, acrescentou.

Ele lembra que até os dias atuais, com pessoas e instituições cada vez mais cientes da valimento de políticas compensatórias uma vez que as de cotas, o percentual de treinadores, dirigentes e gestores negros, no futebol, continua quase nulo.

Racismo na Libertadores

A agressão racista em Porto Contente remete imediatamente a outro caso de repercussão que ocorreu no dia 6 de março, durante uma partida entre as equipes do Palmeiras contra o time Cerro Porteño, no Paraguai, pela Taça Conmebol Libertadores Sub-20.

A exemplo do que acontece em diversas partidas disputadas por times brasileiros nos países vizinhos, um torcedor se direcionava a um jogador brasílico, fazendo movimentos similares aos de um macaco. No caso, a revelação racista foi dirigida ao jogador Luighi, do Palmeiras.

Ao final da partida, ao conceder entrevista, o jogador brasílico, muito emocionado, chorou depois o repórter fazer uma pergunta restrita à partida, deixando de lado o ocorrido. “É sério isso?”, disse ele ao ouvir uma pergunta rotineira sobre a partida, deixando de lado a revelação racista contra ele.

“A Conmebol vai fazer o que sobre isso? O que fizeram comigo foi um transgressão”, questionou, em meio a lágrimas, o desportista.

A punição contra esse “ato infracional”, segundo a legislação paraguaia, ficou restrita a uma multa no valor de US$ 50 milénio. Outra medida punitiva foi a de proibir a presença de torcedores do Cerro Porteño durante os jogos do campeonato. Marcelo Roble lamenta a falta de punição aos racistas, até mesmo quando flagrados por câmeras.

“A punição deveria ser uma medida imediata para acabarmos com essa sensação de impunidade que se tem, por zero suceder contra esses indivíduos racistas”, critica.

 


San Lorenzo, 06/03/2025 - Jogador Luighi, atacante do Palmeiras, foi alvo de racismo durante o jogo contra o Cerro Porteño, pela Libertadores sub-20. Fame: Conmebol/Reprodução
San Lorenzo, 06/03/2025 - Jogador Luighi, atacante do Palmeiras, foi alvo de racismo durante o jogo contra o Cerro Porteño, pela Libertadores sub-20. Fame: Conmebol/Reprodução

Jogador Luighi, atacante do Palmeiras, foi mira de racismo durante o jogo contra o Cerro Porteño, pela Libertadores sub-20. Conmebol/Reprodução

Fonte EBC

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