'rainha Da Sucata' Espelhou O Brasil Do Plano Collor

‘Rainha da Sucata’ espelhou o Brasil do Plano Collor – 10/10/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Numa cena de “Rainha da Sucata”, clássico da teledramaturgia que entrou na última segunda-feira no catálogo do Globoplay, a empresária Maria do Carmo Pereira —interpretada por Regina Duarte—, de origem pobre, mas que fez reputação com um ferro velho, é chamada para ter uma conversa a sós com a aristocrática Laura Albuquerque Figueroa —papel de Glória Menezes—, que já viveu dias melhores.

Para além do conflito entre heroína e vilã, que disputam o paixão do mesmo varão, o que se vê na tela é o embate de classes que marcou uma geração de brasileiros, num período em que as novelas ofereciam um espelho crítico da sociedade —e uma Regina Duarte que já não existe mais interpretava as heroínas e anti-heroínas que condensavam esses conflitos.

Laurinha tenta convencer Do Carmo de que ela será muito bem-vinda no lar dos Figueroa posteriormente se matrimoniar com seu enteado, Edu —papel de Tony Ramos. “Eu sei que vou aprender muito nessa convívio, com uma pessoa tão contente e tão espontânea quanto você”, diz Laurinha.

Do Carmo, a rainha da sucata, corta o papo. “Você não me acha contente nem espontânea coisa nenhuma. Me acha brega, cafona, gentinha e vulgar. Está a termo de me suportar porque está mais por reles do que técnico da Seleção quando perde a Despensa do Mundo”, responde, antes de lhe entregar um cheque em branco. “Faz aí um levantamento de quanto você vai gastar para fazer uma reforma nesta morada, encher a despensa com bastante comida para um mês, e aproveita para comprar umas roupinhas.”

A história veio no rastro de “Roque Santeiro”, de 1985, de Dias Gomes e Aguinaldo Silva, que opôs mito e veras para simbolizar a volta da democracia, e “Vale Tudo”, de Gilberto Braga, que discutiu a moral do país que buscava redesenhar seu porvir na Constituinte e esperava seleccionar o presidente da República posteriormente 28 anos

Menos lembrada por seu teor político, “Rainha da Sucata”, de Silvio de Abreu, mostra pelo viés econômico o dia seguinte das grandes esperanças suscitadas pela redemocratização.

Ambientada em São Paulo, a romance estreou duas semanas posteriormente o proclamação do Projecto Collor, em 1990, que bloqueou os valores que excediam os 50 milénio cruzados novos das contas correntes e das poupanças, além do moeda aplicado em renda fixa, cuja remuneração protegia com lucro seus investidores da inflação que beirava os 2.000% ao ano.

O objetivo do bloqueio, que atingiu pessoas físicas e jurídicas, era tirar o excesso de moeda de circulação uma vez que forma de combater a crise inflacionária. Entretanto, a medida atingia a chamada classe rentista, incluindo o pequeno poupador, que vivia da remuneração na renda fixa. Por sua vez, o moeda que estivesse de qualquer modo a serviço da economia real sofreu restrições mais brandas ou pôde ser imediatamente convertido na novidade moeda.

Pois foi justamente o que aconteceu na ficção. Laurinha e a família Figueroa, descendentes da antiga fidalguia cafeeira que se acomodou ao capitalismo industrial brasiliano por meio da “peneira financeira”, tiveram seus valores bloqueados.

Já Do Carmo, filha do “milagre econômico”, empregou seu capital em investimentos produtivos. Quando veio o bloqueio, a sucateira, uma vez que era chamada por Laurinha, tinha moeda para comprar Edu, seu paixão de juventude, deixando a rival para trás.

A coincidência entre veras e ficção fez a romance ser acusada de saber as medidas econômicas antes mesmo da população, posto que a Mundo havia bem Collor no segundo vez das eleições de 1989.

O responsável da romance, Silvio de Abreu, afirmou ter se inspirado em uma pesquisa que mostrava que o moeda havia mudado de mão em São Paulo. Com o Projecto Collor, o que seria a decadência de uma família, os Figueroa, tornou-se a decadência de um setor da escol brasileira —um grupo que, entretanto, pretendia confirmar seu posto no topo da enxovia nutrir.

Edu e Laurinha não estavam dispostos a admitir a conciliação de classes entre emergentes e quatrocentões proposta por Do Carmo ao financiar a fabricação de um veículo criado por Edu, numa estação em que a indústria vernáculo, e não o agronegócio, “era tech, era pop”.

Enquanto Edu trai Maria do Carmo associando-se a um concorrente, fazendo-a perder todo o moeda investido, Laurinha arma para mandar a rival para a enxovia e restabelecer seu lugar na sociedade, ao lado do querido. O moeda teria voltado, logo, a quem era de recta.

Falida pelo golpe de Edu, por investimentos errados e por ter levantado seu predomínio no terreno de outra pessoa —Dona Armênia, uma muquirana vivida por Aracy Balabanian—, em plena avenida Paulista, logo o núcleo do poder econômico brasiliano, Do Carmo entrega a grinalda de rainha da sucata para que Armênia não destrua o prédio.

Uma vez que estamos em uma telenovela, o calvário da heroína é seguido por uma salvação. Do Carmo vai à luta para reconquistar sua riqueza comprando e vendendo sucata, repetindo a história do pai. Entretanto, estamos ao mesmo tempo num país em recessão. Collor pretendia, ao expor a protegida indústria brasileira à concorrência externa, gerar uma devastação criativa, diante da qual só os fortes e eficientes sobreviveriam.

Nesse excelente mundo novo, Edu não vai para frente com seu projeto e dona Armênia quase leva os negócios à falência. Quem é chamada, logo, para salvar o PIB da romance das oito? A moça pobre que ficou rica com o próprio esforço, decaiu, mas tem todas as qualidades para vencer numa veras econômica competitiva: Maria do Carmo.

É simples que, antes do final feliz, ela é acusada de um violação que não cometeu —o assassínio de Laurinha Figueroa, que se mata, ao ver que não há saída para sua decadência. Do Carmo volta para a enxovia e, posteriormente provar sua inocência a muito dispêndio, aceita o paixão e a conciliação de classes, agora proposta por Edu.

Folha

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