Rapper Denuncia Apagamento Da Presença Negra Em Enchentes No Rs

Rapper denuncia apagamento da presença negra em enchentes no RS

Brasil

Em menos de seis meses de funcionamento, o recém-inaugurado Museu da Cultura Hip Hop, o primeiro e único do gênero na América Latina, localizado na zona setentrião de Porto Feliz, se tornou um espaço importante na logística de coleta e distribuição de doações às famílias afetadas pela enchente na região metropolitana da capital gaúcha.

Porto Alegre (RS), 25/05/2024 – CHUVAS RS - MUSEU DO HIP HOP - Museu da Cultura Hip Hop, na Zona de Porto Alegre, virou central para recebimento e destinação de doações na emergência climática gaúcha. Inaugurado em 2023, o Museu da Cultura Hip Hop do Rio Grande do Sul conta a história do gênero no estado. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Porto Alegre (RS), 25/05/2024 – CHUVAS RS - MUSEU DO HIP HOP - Museu da Cultura Hip Hop, na Zona de Porto Alegre, virou central para recebimento e destinação de doações na emergência climática gaúcha. Inaugurado em 2023, o Museu da Cultura Hip Hop do Rio Grande do Sul conta a história do gênero no estado. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Museu da Cultura Hip Hop tornou-se mediano para recebimento e destinação de doações no RS. Foto: Rafa Neddermeyer/Sucursal Brasil

Quem dá as coordenadas na ação, que envolve dezenas de pessoas, é o ativista, rapper e MC Rafa Rafuagi, uma das principais referências da cultura de periferia no Rio Grande do Sul. Ali, em pouco mais de três semanas de emergência climática, foram 200 toneladas de itens uma vez que roupas, cobertores, camas, colchões, chuva, mantimentos, entre outros, escoados para as regiões mais atingidas de pelo menos 10 municípios do estado.

“A gente está na período da retomada dos lares. Não estamos na período mais sátira, quando tinha falta de manjar, de chuva, de tudo”, descreve Rafuagi, que recebeu a reportagem da Sucursal Brasil na manhã de sábado (25), na sede do museu, onde comandava a saída de mais um caminhão de entrega, repleto de colchões e roupas de leito, com tramontana a Canoas.

Ele próprio viveu na pele essa período dramática do estado.

“Quando tu tá vendo a chuva subir, parece cena do [filme] Titanic, as pessoas com coisas na mão tentando percorrer para salvar um tanto, as mães com crianças no pescoço. Um vizinho me ajudou a subir a geladeira, os móveis, mas não adiantou zero. Foi tudo perdido”, conta.

Rafuagi, 36 anos, é porto-alegrense de promanação, mas cresceu em Esteio, na região metropolitana, onde fundou uma Moradia de Cultura Hip Hop. O espaço é a semente do que veio a ser o museu, e princípio de um ativismo que teve seu vértice no ano pretérito, quando rapper foi figura mediano na cerimônia que marcou a edição, pelo governo federalista, de um decreto de fomento da cultura periférica e apresentação de um projeto de lei para instituir o Dia Vernáculo do Hip Hop no Brasil. Cultura preta por primazia, forjada nas periferias das metrópoles, o Hip Hop que corre nas veias de Rafuagi o faz denunciar o apagamento da presença afro-gaúcha em contexto de grande sofrimento da população.    

Porto Alegre (RS), 25/05/2024 – CHUVAS RS - MUSEU DO HIP HOP - Inaugurado em 2023, o Museu da Cultura Hip Hop do Rio Grande do Sul conta a história do gênero no estado. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Porto Alegre (RS), 25/05/2024 – CHUVAS RS - MUSEU DO HIP HOP - Inaugurado em 2023, o Museu da Cultura Hip Hop do Rio Grande do Sul conta a história do gênero no estado. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Inaugurado em 2023, o Museu da Cultura Hip Hop do Rio Grande do Sul conta a história do gênero no estado. Foto: Rafa Neddermeyer/Sucursal Brasil

Há murado de 10 dias, em uma visitante a São Leopoldo, outra cidade da região metropolitana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva destacou a expressiva presença de pessoas negras no do Rio Grande do Sul, sobretudo as vítimas da enchente, em seguida visitar abrigo e ver imagens na televisão.

“Em São Leopoldo, onde o presidente estava, uma das maiores periferias é a Feitoria, bairro mais populoso da cidade, com dezenas de milhares de pessoas negras. (…) A enchente revelou, talvez, uma das faces que escancara tudo isso. Não estou dizendo que são majoritariamente pessoas negras, acho que todo mundo perdeu igual, e não estou cá para manifestar que um perdeu mais e outro perdeu menos. Todo mundo perdeu igual, infelizmente”, diz Rafuagi.

Apesar disso, argumenta, há um apagamento que recai sobre a pele negra quando se pensa no Rio Grande do Sul. Ele cita, por exemplo, que um programa de televisão foi devotado a artistas gaúchos, porém só havia a presença de brancos e representantes de gêneros não periféricos. 

“Populares [os artistas], talvez, mas não periféricos. Nesse sentido, a gente vê que é importante mostrar essa participação do preto na construção do estado e na ação própria emergencial que estamos vivendo”, acrescenta.

Racismo ambiental

Mapas produzidos pelo Núcleo Porto Feliz do Observatório das Metrópoles mostram uma demarcação muito clara de desigualdade de renda e de raça nas pessoas que foram mais atingidas pela catástrofe. As áreas mais alagadas foram, principalmente, as mais pobres, com impacto proporcionalmente muito maior sobre a população negra, que representa murado de 21% dos habitantes do estado, segundo o Recenseamento 2022 do Instituto Brasílio de Geografia e Estatística.

Nesse caso, as áreas que mais sofreram com as inundações apresentam concentração expressiva de população preta e parda, geralmente supra da média dos municípios. É o caso de bairros uma vez que Humaitá, Sarandi e Rubem Berta, em Porto Feliz, e de Mathias Velho, em Canoas.

“Existe uma questão de racismo ambiental na cidade que está relacionado à catástrofe, essa relação de falta de lugares mais arborizados e as periferias estarem viradas em concreto, não terem praças. Se a gente for no Sarandi, que é o bairro que mais alagou [em Porto Alegre], são pouquíssimos espaços de lazer, espaços arborizados ou espaço que, de indumento, as pessoas possam pensar em ações coletivas, uma vez que hortas comunitárias, uma ação popular. Não há um projecto que pense a mudança desse paradigma, de erigir mais espaços que possam pensar a qualidade do ar”, analisa Rafuagi.

Para ele, isso se combina de forma perversa com um negacionismo científico que predominou nas políticas públicas no estado.

Rafa Rafuagi aponta ainda negligência nos alertas de evacuação por culpa de rompimento de diques, o que impediu que os moradores conseguissem salvar bens e transpor das casas antes das inundações, além da falta de manutenção do sistema de prevenção nas áreas mais pobres. “Houve uma negligência, tanto da informação, da questão de alertas, de rompimento de diques. […] Há, no estado mais racista do Brasil, um negacionismo sobre a questão, de que não é investimento a questão ambiental, mas dispêndio”.

Negritude gaúcha

Embora normalmente associado à colonização europeia branca do século 19, o Rio Grande do Sul é terreno de nomes fundamentais do movimento preto, uma vez que o poeta e plumitivo Oliveira Silveira (1941-2009), um dos criadores do Grupo Palmares, que idealizou o dia 20 de novembro, data da morte de Zumbi dos Palmares, uma vez que o Dia da Consciência Negra, em detrimento do 13 de maio, data da Extermínio da Escravidão.

E de Petronilha Silva, professora porto-alegrense, relatora no Recomendação Vernáculo de Instrução do projeto que tornou obrigatória o ensino de história e cultura afro-brasileira nos currículos das instituições de instrução básica, com a edição da Lei 10.639, em 2003, até hoje não plenamente cumprida.

Na história da construção do próprio estado, foram pretos escravizados que compuseram a lendária infantaria dos Lanceiros Negros, que formou segmento do tropa gaúcho na Revolução Farroupilha, mas que mais tarde acabaram sendo chacinados em uma emboscada preparada pelo tropa imperial comandando por Duque de Caxias. Muitos historiadores vinculam o massacre dos Porongos, uma vez que ficou conhecida a emboscada, a uma ação orquestrada em concordância com o patrão militar dos farrapos, David Canabarro, o que facilitou um concordância de tranquilidade entre a escol rio-grandense e o Predomínio.   

“É fundamental que haja um processo de oportunizar que a história do preto do Rio Grande do Sul possa lucrar graduação vernáculo, uma evidência mais possante. Porque isso, inclusive, gera um processo inverso que os brancos xenofóbicos racistas gaúchos fazem com o Setentrião e Nordeste. Por exemplo, agora, com a enchente, tinha muita gente falando: ‘ah, por que ajudar o Sul? O Sul só tem branco, o Sul não sei o quê’. E esquecem que existem negros, um monte de terreiro de matriz africana cá no Sul”.

“Agora, de indumento, os negros não são a maioria da população no estado. Eles estão espalhados em regiões que não são, em grande segmento, na espaço metropolitana, embora haja muitos negros na metropolitana. Esses negros estão na região sul do estado, que foi o caminho da transmigração durante a escravização, o porto de Rio Grande [litoral sul] uma vez que ponto de ingresso. E eles ficaram mais por ali: Tapes, Camaquã, Aram Baré, Cangussu, Turuçu, Cristal, Pelotas, Rio Grande e Jaguarão. Em todas essas regiões, a população é negra, majoritariamente. Por outro lado, na região da Serra [Gaúcha], que são lugares majoritariamente mais brancos, por culpa das colônias italiana e alemã, onde se assentaram e tiveram seus privilégios, não são tão habitadas por negros”, explica o rapper.

Afroturismo

Rafuagi prevê a retomada da programação normal do Museu da Cultura Hip Hop já na próxima semana. Até e eclosão das enchentes, o espaço recebia um média de 1 milénio visitantes por semana, a maioria estudantes do ensino indispensável. Com murado de 4 milénio metros quadrados, o espaço conta com a exibição de mais de 500 artefatos, painéis e arquivos digitais que contextualizam a história do hip hop no estado, no Brasil e no mundo. Ou por outra, na espaço externa, há quadra, um multipalco, sala de oficinas e uma quintal que produz frutas e hortaliças doadas para comunidades.

Porto Alegre (RS), 25/05/2024 – CHUVAS RS - MUSEU DO HIP HOP - Inaugurado em 2023, o Museu da Cultura Hip Hop do Rio Grande do Sul conta a história do gênero no estado. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Porto Alegre (RS), 25/05/2024 – CHUVAS RS - MUSEU DO HIP HOP - Inaugurado em 2023, o Museu da Cultura Hip Hop do Rio Grande do Sul conta a história do gênero no estado. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

 Museu da Cultura Hip Hop do Rio Grande do Sul recebe 1 milénio visitantes por semana. Foto: Rafa Neddermeyer/Sucursal Brasil

A equipe do museu agora pretende dar curso a um projeto que prevê a estruturação de um roteiro turístico de cultura negra em Porto Feliz, em parceria com a Sucursal Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur).

“Esse afroturismo procura conectar pontos de memória ou ação prática do movimento preto, em todo o Brasil, para que as pessoas quando vierem cá não irem unicamente a Gramado, um lugar branco e europeu. Virem no Museu do Hip Hop, irem no galpão cultural no Morro da Cruz, na vivenda do Hip Hop em Esteio, irem lá no pavilhão repercussão sustentável na Restinga, que é um bairro periférico daqui”, propõe o MC gaúcho.

Fonte EBC

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