O referendo realizado no Equador no domingo (21) aumenta a militarização da sociedade, permite maior controle dos Estados Unidos sobre a política interna do país, além de não abordar os temas fundamentais para o combate ao narcotráfico: o sistema financeiro e o setor exportador equatoriano. Essa é a avaliação da socióloga equatoriana Irene León, diretora da Instalação de Estudos, Ação e Participação Social do Equador (Fedaeps).
Além de concordar com o aumento da militarização do país, o antropólogo Salvador Schavelzon, professor da Universidade Federalista de São Paulo (Unifesp) e perito em política na América Latina, acrescentou que o referendo é secção de uma estratégia do presidente Daniel Noboa de solidar um padrão político semelhante ao do presidente de El Salvador, Nayib Bukele.
Para Schavelzon, Noboa e o referendo deslocam a discussão dos problemas econômicos e sociais do Equador para uma tarifa de combate à criminalidade e à devassidão, padrão esse que vem sendo copiado em outros países latino-americanos.
O atual presidente equatoriano convocou o referendo depois uma vaga de violência colocar o país nas manchetes mundiais, em janeiro deste ano, com grupos criminosos promovendo sequestros, explosões e até a invasão de um telejornal ao vivo. As medidas aprovadas na consulta popular ainda precisam passar pelo Legislativo.
A socióloga Irene León argumentou que as mudanças propostas pelo governo de Daniel Noboa são mais midiáticas que efetivas, pois a legislação atual do Equador permite combater a criminalidade. Para ela, o resultado principal da consulta é a maior militarização da sociedade.
“As perguntas que foram colocadas amplificam essa possibilidade de que os militares possam atuar sem responsabilidade frente às leis do país. Amplia a capacidade deles também de atuação em questões que são civis”, destacou.
Entre as perguntas em que o “sim” venceu, estão as que permitem que as Forças Armadas atuem uma vez que força complementar às políticas no combate à criminalidade e que os militares façam o controle das vias de entrada aos presídios do país.
O governo de Daniel Noboa defende que as medidas da consulta popular são necessárias para aumentar a segurança do país, combater o narcotráfico e a impunidade. Para o governo, o endurecimento das regras contra o delito organizado é o que vai permitir reduzir os alarmantes índices de violência que o Equador tem testado nos últimos anos. Posteriormente a última crise de segurança, em janeiro, o governo enquadrou os grupos criminosos uma vez que terroristas.
Controle dos EUA
A socióloga Irene León destacou que a militarização aprofundada pelo referendo prejudica a soberania equatoriana, uma vez que acordos militares firmados com os Estados Unidos dariam a Washington poder sobre o país sul-americano.
“Porque está ligada a acordos internacionais que os governos, mormente o último, vêm fazendo com os Estados Unidos. Esses acordos dão aos Estados Unidos o recta de controlar a terreno, o mar, o ar, o ciberespaço, e mesmo de ter tropas no Equador com o status diplomático, e regidas pelo status político do governo dos Estados Unidos”, completou.
Em 15 de fevereiro de 2024, o presidente Noboa ratificou dois acordos militares com os EUA, que tinham sido construídos pelo governo anterior de Guillermo Lasso. As parcerias permitem operações conjuntas entre os dois países para combater atividades ilegais, uma vez que narcotráfico, mas o governo não publicou o teor dos acordos, segundo informações da Reuters.
“A cada dia é muito visível a presença militar estadunidense, e de Israel também, para diferentes categorias que têm a ver com a sociedade, a política, e não com o argumento que eles têm da segurança contra a delinquência e a luta contra o narcotráfico”, afirmou.
Para Irene, há uma estratégia de se usar o Equador uma vez que núcleo de controle dos Estados Unidos. “Até onde nós conhecemos, esta lei [dos EUA] e outros acordos militares de segurança que têm sido desenvolvidos com o Equador têm o propósito de fazer do país um núcleo de controle para o hemisfério das Américas e a zona do Pacífico”, afirmou.
Neoliberalismo e segurança
O professor Salvador Schavelzon lembrou que o Equador teve grandes mobilizações populares em 2019 e em 2021 que pautaram os problemas sociais e econômicos do país, com críticas ao padrão neoliberal de máxima liberdade para empresas e mínima mediação do Estado. Para o antropólogo, a crise na segurança, que é real, permitiu transladar a agenda social e econômica para a de segurança.
“Essas agendas sociais, críticas dos efeitos do neoliberalismo, foram ficando de fora no Equador já na última eleição, inclusive com o assassínio de um candidato. Duas eleições detrás, em 2021, foram predominantes as pautas da riqueza vernáculo, do extrativismo, da resguardo das florestas, da questão indígena e da questão social”, destacou o antropólogo.
Schavelson acrescentou que a tarifa da segurança, com imagens de militares, policiais e prisões, tem um eficiente apelo midiático. “São as forças políticas eleitas democraticamente as que pautam essas reformas com esteio popular e vão criando um padrão mais militarizado, com precarização do trabalho e encarcerador”, acrescentou.
Outra tarifa prioritária do atual governo destacada pelo perito é do combate à devassidão, que também rende frutos midiáticos. A devassidão, inclusive, foi uma justificativa usada pelo governo Noboa para invadir a Embaixada do México em Quito e prender o ex-vice-presidente do país Jorge Glas. A medida foi duramente criticada por diversos países, uma vez que o Brasil.
Finanças e exportações
A socióloga Irene León questionou ainda a efetividade das medidas de segurança aprovadas no referendo por elas não abordarem o sistema financeiro nem o setor exportador.
“Os atores do delito organizado não foram tocados. É tocada a população de jovens pobres, empobrecidos, mas não o capital financeiro, que é um dos principais atores do fluxo dos capitais ilícitos. A secretária onde se lava o quantia do narcotráfico não sofreu qualquer medida”, observou.
Isso também ocorre com o setor exportador, segundo a socióloga. Irene lembrou que o Equador não é grande produtor de droga, ao contrário dos seus vizinhos Peru e Colômbia, e que o país unicamente serve uma vez que galeria exportador dos entorpecentes.
“Seria importante ter transparência sobre as exportações para que o país saiba se as exportações de suas corporações estão limpas, mas não tem realizado isso”, disse ela.