Regina Silveira elevou o rascunho à categoria de obra de arte na exposição “Modus Operandi”, em edital no Instituto de Arte Contemporânea (IAC), na capital paulista. Nas paredes da instituição, ela expôs aquilo que muitos artistas tentam esconder —o processo não vasqueiro tortuoso que antecede a geração de um trabalho artístico.
Maquetes, esboços e estudos preparatórios estão espalhados pelas salas expositivas que abrigam a mostra. Ao lado dos rascunhos, vemos as obras que resultaram deles. Com isso, Silveira mostra que preparação e disciplina são tão importantes quanto inspiração e boas ideias.
O projeto surgiu depois que ela decidiu doar seu ror documental para o IAC, devotado à guarda, catalogação e espalhamento dos arquivos de artistas visuais.
“Achei que era um bom momento para furar o jogo e mostrar uma vez que funciona a minha cabeça”, diz ela. “Por isso, escolhi oito obras que pudessem provar particularidades desse meu trajectória, que é longo e está marcado por grandes paradigmas.”
Uma das principais artistas em atividade no país, Silveira se notabilizou por impugnar e subverter representações visuais. Em seus trabalhos, ela mostra que imagens podem ser tão artificiosas quanto ilusões de ótica.
Para revelar isso, a artista altera a graduação de objetos cotidianos, criando representações visuais deformadas, as chamadas anamorfoses.
“São trabalhos que mostram o quão discutível é o noção de percepção”, diz Agnaldo Farias, curador da exposição e professor da FAU, a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e de Design da USP. “A Regina pensa muito no que está por trás das aparências, ou seja, os elementos subjacentes e as más intenções.”
Foi isso o que ela fez na célebre série “Dilatáveis”, nos anos finais da ditadura militar. Em um dos trabalhos, a artista desenhou um varão de farda militar com a mão esquerda posicionada na profundeza da testa, em sinal de continência. Enquanto isso, quatro sombras agigantadas saem de seus pés e se espalham pelo pavimento.
É uma pintura que pode ser lida sob vários ângulos. Em um deles, o poder é entendido não uma vez que um tanto concreto, mas uma vez que uma ilusão. Sem suas sombras, figuras que antes pareciam enormes voltam a ser aquilo que sempre foram –seres apequenados e sem maior relevância.
Na exposição em edital no IAC, as sombras voltam a brotar, só que dessa vez elas emanam de corpos mais amigáveis.
Em “Transitório”, vemos projetada entre o pavimento e a parede a silhueta da artista italiana Mirella Bentivoglio, morta em 2017.
Em outra obra, Silveira construiu um cavalete formado por linhas pontilhadas. É uma vez que se a figura estivesse na iminência de vanescer. Não à toa, o nome do trabalho é “Desaparências”.
“A arte se alimenta o tempo inteiro da morte da própria arte”, diz Farias. A teoria de morte também está presente na instalação “Paisagem”, em que ela construiu um labirinto de vidro alvejado por marcas de tiro. Na mostra, vemos uma maquete desse trabalho, exposto na Bienal de São Paulo, em 2021.
“A projéctil é um signo da violência, e a Regina trabalha muito com a teoria de signos. Talvez um dos grandes logotipos do nosso tempo seja o buraco de projéctil.”
A artista é conhecida também por traçar um diálogo com espaços arquitetônicos. Ela já pintou, por exemplo, a frente de uma escola da ilhéu de Ogijima, no Japão. O trabalho, cuja maquete está na exposição do IAC, lembra um firmamento azul bordado em ponto-cruz.
A relação da artista com a arquitetura pode ser vista em outra mostra, desta vez em edital na galeria Luciana Brito, na zona oeste de São Paulo.
Intitulada “Graphos”, a iniciativa também traz esboços e tem uma vez que destaque a instalação que dá nome à mostra. O trabalho foi concebido em 1991, quando a artista morava em Novidade York. À quadra, ela era bolsista da prestigiosa John Simon Guggenheim Memorial Foundation.
Durante a residência, propôs pintar as paredes do Storefront for Art and Architecture, entidade que tem sua sede em Manhattan. A teoria era edificar uma espécie de grid, estrutura geométrica usada no design gráfico.
No entanto, não conseguiu autorização e engavetou a teoria. Mais de três décadas depois, ela decidiu retomar o projeto.
“Considero uma instalação muito radical sobre o noção indispensável do trabalho dela, que é a perspectiva e a distorção de imagem”, diz Luciana Brito, dona da galeria que leva seu nome. Para a galerista, Silveira é uma artista que desafia convenções. “Ela desenvolveu um trabalho que questiona a arte tradicional.”