Há quatro décadas, Andy Warhol e Jean-Michel Basquiat entravam na Shafrazi Gallery, em Novidade York, para apresentar uma mostra conjunta. “Estava lotada de ponta a ponta, as pinturas estavam ótimas, deu a sentimento de que todo mundo gostou”, escreveu Warhol em seu quotidiano.
Aquela foi a única exposição conjunta realizada pelos dois em vida. Marcada por uma tensão nas dinâmicas de poder do relacionamento da dupla, a mostra causou grande repercussão. Foi um marco na relação paternal e amorosa deles, mas sobretudo a celebração da amizade de dois dos maiores artistas de suas gerações.
No início dos anos 1980, a arte de rua começava a penetrar os halls das luxuosas galerias de Novidade York, e figuras antes improváveis passaram a frequentar as festas exclusivas do superior escalão da arte nova-iorquina. Basquiat era o artista mais promissor da novidade cena que se apresentava.
Warhol, tema de uma megamostra em São Paulo que abre nesta quinta-feira, rapidamente se encantou com o talento e sucesso do jovem. “Warhol tinha um fascínio por jovens estrelas e pela pujança erótica e criativa da juventude”, afirmou o crítico Greg Tate na série documental “Diários de Andy Warhol”.
Eles tiveram uma relação intensa, tanto no campo artístico quanto no pessoal. O resultado da convívio de exclusivamente três anos foi a exposição, realizada em setembro de 1985, que tinha 16 obras conjuntas. Ao todo, os dois produziram 160 pinturas juntos.
Warhol, sob influência de Basquiat, voltou a pintar à mão livre, um pouco que ele não fazia há anos, uma vez que sua principal atividade eram as serigrafias.
Nas produções compartilhadas, Warhol começava a obra pela manhã, e Basquiat as finalizava à noite. “Ele começava com um pouco muito concreto ou reconhecível, uma vez que uma manchete de jornal ou um logotipo de resultado, e portanto eu meio que desfigurava”, descreveu Basquiat na série de TV britânica “State of Art”.
Para a divulgação da “assemblage”, os dois decidiram simular um papeleta de luta de boxe. A teoria culminou em duas das fotos mais conhecidas dos anos 1980, uma em que ambos mostram as luvas e outra em que Warhol acerta o rosto de Basquiat, parecendo nocauteá-lo. As fotografias foram feitas por Michael Halsband a pedido de Basquiat —Warhol queria Robert Mapplethorpe.
A reação da sátira sobre a exposição foi devastadora. Vivien Raynor, do The New York Times, descreveu a colaboração uma vez que uma manipulação do mais velho sobre Basquiat, sugerindo que o artista jovem havia se tornado “uma mascote da arte”. Ela ainda comparou a dinâmica dos artistas com a tragédia grega de Édipo, com Warhol representando uma figura paterna dominante e o mais jovem assumindo o papel de um protegido submisso.
É difícil crer, porém, na figura maquiavélica e vampiresca que a sátira pintou de Warhol na quadra. O vínculo dos dois tinha a roupas da clássica conexão entre o veterano consagrado e o jovem genial, mas era mais multíplice do que isso. A relação sempre foi pautada por uma alternância nas relações de poder, e cada um tinha suas vantagens no ringue.
Se Warhol era, nos anos 1980, um dos artistas mais bem-sucedidos de sua geração e um mito vivo da arte americana, sempre rodeado por personalidades, socialites, modelos e drag queens, Basquiat naquele momento era a pérola do mundo da arte e o que se tinha de mais moderno e inovador —assim uma vez que seu parceiro tinha sido 20 anos antes.
Se a balança do poder pesava para Warhol, por ser branco e mais rico, a euforia que ele sentia por Basquiat em todos os sentidos —inclusive erótico—, somado à vontade que ele tinha de renovar sua inspiração ultrapassada, atenuava suas diferenças.
“Peguei o livro das minhas velhas pinturas e vi todas as coisas criativas que eu fazia e não consigo pensar em zero criativo para fazer agora”, confessou Warhol, em seu quotidiano, naquela quadra.
Basquiat também não parecia ser submisso a ele, uma vez que dizia a sátira. Em uma entrevista para a TV, Warhol contou que, às vezes, nos trabalhos colaborativos, Basquiat apagava tudo o que ele tinha feito e criava um pouco novo por cima.
“‘Jean, por que cobriu isso? Estava bom’, perguntava Warhol. Basquiat retrucava com um ‘vai se ferrar’ e os dois terminavam rindo”, diz o artista Michael Chow, que conviveu com a dupla, em “Diários de Andy Warhol”.
O que parece inegável é que, apesar de todas as diferenças e do estabilidade quebradiço de poderes, influências e interesses, a relação dos dois foi genuína e a exposição de 1985 foi o retrato de uma amizade sincera.
No livro “Warhol on Basquiat”, Michael Dayton Hermann, diretor da Andy Warhol Foundation e companheiro íntimo dos dois, afirma que “a amizade deles era profundamente cuidadosa” e Paige Powell, ex-namorada de Basquiat e amiga próxima de Warhol, descreveu a relação entre eles uma vez que um pouco “inseparável”.
Mas a sátira da prelo abalou o relacionamento. Depois da exposição, a conexão nunca mais foi a mesma. “Faz um mês que Jean-Michel não telefona para mim. Acho que está tudo terminado mesmo”, conta, com amargura, Warhol em seu quotidiano, um mês depois a exposição.
O tempo glorificou as obras conjuntas. Evidência disso foi a exposição que a Instalação Louis Vuitton fez no ano retrasado, em Paris —”Basquiat x Warhol Painting 4 Hands”, que mostrava mais de 300 documentos sobre a relação dos dois, incluindo 80 obras da dupla.