O Brasil brilhou no cenário internacional das artes plásticas em 2024, que será lembrado uma vez que um ano de projeção para o país, tanto nas instituições quanto no mercado.
Zero trouxe mais atenção para o Brasil do que a Bienal de Veneza, organizada por Adriano Pedrosa, diretor artístico do Masp, o Museu de Arte de São Paulo. Ele levou para uma das principais vestígios de arte contemporânea do mundo não só os cavaletes de vidro do museu que comanda, mas também —e sobretudo— nomes antes alijados do rodeio, uma vez que o coletivo indígena Maku, responsável por pintar a frente do pavilhão da mostra principal do evento.
Foi também um ano próspero para Tadáskia, artista negra e trans de 30 anos que desenhou nas paredes do MoMA, o Museu de Arte Moderna de Novidade York, instituição superinfluente no cenário, numa mostra muito comentada que marcou sua estreia nos Estados Unidos e selou seu sucesso mercantil.
Também na terreno de Donald Trump, a edição da feira Art Basel em Miami Beach, em dezembro, teve recorde de participação de galerias brasileiras, com mais de 30 casas com estandes no evento em procura do mercado estrangeiro entusiasmado com a eleição do republicano —ao ponto de uma banana ter sido vendida por R$ 36 milhões dias antes.
Ainda no exterior, Tarsila do Amaral, cada vez mais próxima de se tornar uma Frida Kahlo brasileira, foi tema de uma ampla retrospectiva em Paris, no Museu do Luxemburgo, mais um índice do prestígio internacional da artista, que segue em trajetória ascendente e aparentemente inabalada pelas polêmicas que cercaram sua obra ao longo do ano.
Em abril, no primeiro dia da feira SP-Arte, uma pintura atribuída à modernista que teria ficado desaparecida por 50 anos surgiu dentro de uma mala no estande da galeria OMA. A tela, datada de 1925, era oferecida por R$ 16 milhões, mesmo que ainda não tivesse pretérito por um processo de autenticação.
Os marchands que lidam com obras de grandes mestres se apressaram em expressar que o quadro era falso, posição que tinham em geral com os especialistas em Tarsila. A situação, de grande repercussão, gerou um mal-estar da galeria OMA com a feira e levou os herdeiros da pintora a contratarem um perito para reconhecer a autoria da tela, que pertenceria à tempo Pau-Brasil da artista, a mais faceta de sua curso.
Meses mais tarde, depois de baixada a poeira, familiares de Tarsila e o perito afirmaram que o quadro era, sim, verdadeiro, ocasião em que quase quadruplicaram seu preço, para R$ 60 milhões. Seguiu-se uma novidade vaga de contestações de galeristas sobre a autoria da pintura mas, em termos legais, quem tem a última vocábulo no que é Tarsila ou não são seus herdeiros.
Com a celeuma, a pintura ficou queimada —resta saber quem vai comprá-la ou se qualquer museu vai bancar sua exibição para o público.
Enquanto o bafafá se desenrolava em São Paulo, Porto Feliz lidava com as consequências das piores chuvas de sua história, ocorridas em maio, que forçaram o fechamento de espaços culturais e museus.
Se na Instauração Iberê Camargo —separada por um muro do lago Guaíba e preparada com uma morada de bombas—, não houve perda alguma, o Margs, Museu de Arte do Rio Grande do Sul, ficou dias inundado e viu 4.000 obras de seu montão serem afetadas. Foram sete meses fechado até a reabertura.
Em outra chave, em 2024 alguns museus se voltaram para o pretérito, com vestígios alusivas aos 40 anos da Geração 80, uma vez que ficou publicado o grupo de artistas que retomou a pintura e a subjetividade em seguida anos de geometrismos e simplificação das formas.
Leonilson, Luiz Zerbini, Carlito Carvalhosa e Beatriz Milhazes, entre outros, faziam segmento de uma juventude ávida por prazer e liberdade em seguida 21 anos de ditadura militar, mas que, ao mesmo tempo, precisava enfrentar uma dura crise econômica e a epidemia da Aids para pensar um novo Brasil.
Foi também nessa era que a representação queer nas artes aumentou, influenciada por fenômenos pop uma vez que Madonna, George Michael e Pet Shop Boys, e pelas primeiras publicações LGBT, uma vez que os jornais Lampião da Esquina e Chana Com Chana.
O Tomie Ohtake e o Sesc Pompeia armaram a primeira grande mostra de Carvalhosa depois de sua morte, incluindo pinturas suas da dezena de 1980, enquanto o Masp resgatou os bordados melancólicos de Leonilson numa exposição.
Já o Meio Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro, tratou de relacionar a produção artística da era com a cultura pop, difundida em volume nas rádios e televisões, na mostra coletiva “Fullgás”. A exposição deve ser apresentada em São Paulo no ano que vem.
E, no extinguir das luzes do ano, o Masp finalizou as obras de seu novo prédio, ao lado do prédio principal, na avenida Paulista. O dentro vai aumentar o espaço expositivo do museu em quase 70%, tornando a instituição um dos maiores complexos de arte da América Latina.
De figura sóbria, o prédio lembra um monólito em tom grafite instalado na principal avenida de São Paulo. O projeto do escritório de arquitetura Metro foi elogiado por profissionais do meio, mas criticado pelo público nas redes sociais, com o argumento de que lembrava um prédio de escritórios e que não dialogava com o prédio original, desenhado por Lina Bo Bardi.
Talvez haja uma mudança na opinião pública quando o novo Masp furar para visitação em março, com cinco exposições dedicadas ao montão do museu, e os frequentadores puderem enfim saber o prédio por dentro.