Uma placa de chumbo despenca do cimeira, e uma mão tenta catrafilar. Às vezes acerta, às vezes erra, num jogo da músculos às voltas com o peso do metal e a leveza do ar —no fundo, firmamento e terreno.
Nesse filme da dez de 1960, o artista Richard Serra, um dos maiores escultores do século 20, morto aos 85 anos nesta terça-feira em Novidade York, já sintetizava sem saber os pilares que moveriam sua obra acachapante ao longo de décadas.
Todos talvez já tenham esquecido aquele simples movimento da mão registrado em celuloide, mas o americano é o varão por trás de obras faraônicas de metal, gigantescas chapas de aço que brotam da terreno em sucessão vertiginosa, blocos maciços de material em choque com a arquitetura ao volta, arcos metálicos que rasgam a paisagem, labirintos plúmbeos que engolem o testemunha.
Se seu trabalho é em zero quebradiço —e uma de suas obras já chegou a matar uma pessoa esmagada sob seu peso—, ainda é da delicadeza que trata, o mais simples ato de estar no mundo e perceber que habitamos um jogo de planos, o horizonte uma vez que definidor sumo da consciência de estarmos vivos na Terreno.
Mas a raiz de tudo ainda está nos gestos simples. Suas primeiras esculturas, depois de um início de estudos em pintura e trabalhos realizados na Europa ainda em sua temporada de formação que lembravam a arte povera italiana, tinham uma vez que diretrizes verbos uma vez que rasgar, enrolar, amassar, inflectir, trinchar. Essa lista de comandos, escrita a lápis, é também uma obra do artista hoje preservada no montão do Museu de Arte Moderna de Novidade York.
Foi em Manhattan, no final dos anos 1960, que Serra despontou na arte contemporânea, numa mostra organizada na mítica galeria Leo Castelli pelo mítico artista Robert Morris. Um dos nomes que viria a se tornar um rabino do minimalismo e da land art, ele juntava ali figuras uma vez que Serra, Bruce Nauman e Eva Hesse.
Mas a turma em torno de Serra logo seria outra, a geração de artistas, quase todos homens, que fez do logo bairro industrial do SoHo nova-iorquino o epicentro de uma revolução na estátua. Figuras uma vez que Donald Judd, Carl Andre, Dan Flavin, Robert Smithson e Gordon Matta-Clark reinventavam ali a relação do artista com a material e desta com o mundo ao volta, cada um a seu modo.
Serra, nascido em San Francisco rebento de um espanhol que trabalhava num estaleiro, foi pelo caminho mais bruto. Se antes experimentou com borracha e neon, seu rumo parecia talhado em metal, primeiro o chumbo daqueles trabalhos do início até o aço, que se tornaria sua assinatura; primeiro a graduação da palma da mão, depois a graduação de um arranha-céu.
Numa entrevista da dez de 1990, o artista lembra uma memória da puerícia, a visão de um enorme navio aportado, um conjunto impenetrável de material que, ao zarpar, se tornava coisa ligeiro, flutuando na chuva. “Toda a matéria-prima de que eu precisava está contida na base dessa memória”, disse o estatuário.
Esse contraste entre peso e leveza, mínimo e sumo, atravessa sua obra, marcada pelo paisagem bruto da material sem retoques, a verdade do metal. Mas sua frieza é tão valorizada quanto seu lado terroso, telúrico.
Na superfície, são obras sempre duras, que às vezes poderiam ser um autorretrato, revérbero tanto das linhas fortes de seu rosto quanto de seu oração sem rodeios. Em entrevistas, suas palavras pareciam nunca se descolar do traço mais evidente da obra à nossa frente.
“O peso é um valor para mim”, ele me disse, há cinco anos. “Não é mais suasório do que a leveza, mas tenho mais a expressar sobre o estabilidade do peso, a concentração do peso, o posicionamento do peso, os efeitos psicológicos do peso, a rotação do peso, a desorientação do peso.”
É um pensamento que marcou o modernismo —não espanta que ele tenha sido um estudante sengo à obra límpida e seminal do romeno Constantin Brancusi— e foi repleto adiante com ousadia formal por Serra, que ao longo das décadas viu sua obra crescer em graduação sem escalas, do mínimo do underground nova-iorquino aos gigantescos labirintos em lesma que ocupam o átrio do Guggenheim de Bilbao, na Espanha, às imensas lâminas de aço em sucessão que cortam o deserto do Qatar e mesmo as chapas metálicas instaladas no recinto do Instituto Moreira Salles, na avenida Paulista.
Se em São Paulo poucos no espaço público veem o trabalho, escondido detrás da torre que o abriga, sua obra já detonou uma bulha de uma dez em Novidade York, que terminou em rota para o artista.
Sua estátua “Tilted Arc”, um círculo metálico retorcido de quase 40 metros de comprimento e quatro metros de profundeza, pôs os frequentadores de uma terreiro em Manhattan em pé de guerra com o artista na dez de 1980. Não gostaram da estrutura maciça que cortava o fluxo da terreiro, exigindo que fosse contornada pelos passantes, além de não ter um lugar para sentar.
Serra afirmava que suas obras redefiniam o espaço, por isso não podiam ser desatreladas do lugar para onde foram pensadas. Remover o trabalho da terreiro nova-iorquina, nas palavras dele, era destruir o trabalho —a estátua não existe sem a paisagem que ela corta, vinco, rasga, aquele velho vocabulário.
Sua obra, além dos espaços que atravessa, sempre dividiu opiniões. Detratores apontam a rudeza dos materiais, a arrogância do gesto em grande graduação e certa empáfia de se impor sobre o território, pontos mais tarde associados a uma teoria de masculinidade tóxica que envelheceu mal. Seria uma arte de machão, em resumo, que se traduz numa estética rígida, inquebrantável.
Richard Serra foi um artista de seu tempo, uma idade de erosão de certezas e da rescisão de cânones. Talvez por isso, para muito ou mal, tenha trabalhado sempre com os materiais mais brutos, resistentes à dissolução da músculos.