Ringo Starr: 'sou Um Músico Que Não Quer Tocar Sozinho'

Ringo Starr: ‘Sou um músico que não quer tocar sozinho’ – 10/01/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Logo que entrou na sala de reuniões de um hotel de Chelsea, bairro grã-fino do sul de Londres, Ringo Starr recebeu rápidas informações sobre o jornalista que o esperava para a entrevista.

Foi quando rapidamente enrolei a manga do meu pulôver para mostrar a tatuagem com as efígies dos Beatles que carrego no braço esquerdo.

“Hmm, acho que não vou falar com você”, disse o baterista dos Beatles ao mesmo tempo em que disparava uma senhora gargalhada.

Em uma fria manhã de segunda-feira em dezembro, Ringo recebeu a BBC News Brasil para uma entrevista promovendo o lançamento, dali a algumas semanas, de “Look Up”, seu 21º álbum solo de estúdio.

Eu tinha recebido a missão de conduzir a conversa dois dias antes, mantendo sigilo integral. Mas logo em seguida sentar frente a frente com Ringo por 20 minutos enviei uma mensagem de WhatsApp para Daniel Lins, músico e publicitário radicado na Flórida com quem há quase 40 anos formara em Brasília a primeira de muitas bandas-tributo (extintas e ativas) aos quatro cabeludos de Liverpool.

“Olha aonde fomos parar, meu colega”, escrevi, adicionando uma foto da entrevista tirada pelo produtor Giovanni Bello, que documentava os bastidores.

Aos 84 anos, mas aparentando duas décadas a menos na “quilometragem”, Ringo não dá vestígios de que pretende parar de trabalhar em estúdio e ao vivo. Nos últimos cinco anos, ele lançou cinco álbuns do tipo “extended play” (de formato reduzido, contendo normalmente de quatro a seis faixas).

Em “Look Up”, fruto de uma parceria com o músico e produtor americano T-Bone Burnett, Ringo mais uma vez expressa sua paixão pela música country.

Seu caso de paixão com o gênero vem desde a puberdade em uma Liverpool que nos anos 50 ainda se recuperava da ruína causada pela Segunda Guerra Mundial, mas de quem logo fervilhante porto também ajudava a importar uma sucessão de sons vindos dos EUA. E transpirou em suas composições para os Beatles, incluindo a mais famosa, “Octopus Garden”.

“A gente [os Beatles] adorava a música americana. Era 90% do que gostávamos de ouvir e tocar quando começamos”, explicou Ringo.

O baterista não tem um catálogo solo nem de longe tão impactante quanto os outros três ex-colegas de filarmónica —John Lennon, Paul McCartney e George Harrison—, mas nem por isso deixou de “colocar a mão na volume” em seguida o termo do grupo, em 1971. Hoje, ao contrário da maioria dos senhores octogenários ao volta do mundo, continua uma espécie de workaholic.

“Fazer música no estúdio e grafar música com outros músicos é o que me move na vida e me mantém ocupado. Uma das coisas que mais paladar é tocar. E não posso fazer isso sozinho com uma bateria”, justificou.

“Ao menos não estamos mais na pandemia.”

Mas o impacto do Covid-19 tornou Ringo ainda mais preocupado com germes e afins. A aversão data dos longos períodos que passou hospitalizado na puerícia por conta de uma tuberculose.

O coronavírus interrompeu sua turnê de 2022 e uma gripe cancelou shows no ano pretérito.

Jornalistas são delicadamente instruídos por assessores do Beatle a cumprimentá-lo “batendo cotovelos”.

Mas a conversa com Ringo não poderia ter sido dissemelhante de meu único encontro anterior com um dos “quatro de Liverpool” —uma entrevista coletiva com Paul McCartney em 2009, em que perguntas e assuntos eram combinados previamente e um seleto grupo fora escolhido para se encaminhar a “Macca”.

Tirando um pedido quase encarecido da Universal para que não esquecêssemos de falar sobre “Look Up”, não houve qualquer restrição às inevitáveis questões relacionadas ao pretérito do baterista.

Uma pergunta que sempre me interessara foi uma vez que ele lidou com a decisão dos Beatles de não mais se apresentar ao vivo, tomada em 1966 —e que só foi quebrada uma única vez no famoso Rooftop Concert, no teto de um prédio no meio de Londres, três anos mais tarde.

Os logo quatro jovens adultos de Liverpool tinham cansado de vez da combinação mortífero para a saúde mental formada pela gritaria dos fãs, calendários abarrotados de shows e a falta de equipamento de som adequado para a apresentações em grandes arenas, uma vez que estádios.

Outrossim, a complicação sonora do trabalho do quarteto no estúdio a partir do álbum Revolver (1966) inviabilizou uma reprodução apropriada do material ao vivo.

Consequentemente, canções emblemáticas uma vez que “Strawberry Fields Forever”, “Penny Lane” e “Here Comes the Sun”, para expressar somente algumas, nunca foram executadas ao vivo pelo grupo.

“É de certa forma uma frustração que nós nunca tenhamos tocado essas canções ao vivo,” Ringo admitiu.

“Mas [parar de se apresentar] foi uma decisão que tivermos de tomar.”

O baterista se refere especificamente ao repto de manter o ritmo de apresentações em que não conseguia escutar os outros Beatles no palco.

“A veneração dos fãs era um tanto genial, mas na maior segmento do tempo eu precisava permanecer prestando atenção às costas John, Paul e George para saber em que segmento da música estávamos.”

“A gente não conseguia ouvir coisa alguma por razão da gritaria.”

Fãs dos Beatles até podem escutar algumas dessas canções nos shows solo de Paul e Ringo, que seguem fazendo turnês.

Ringo, inclusive, já esteve três vezes no Brasil, a última delas em 2015. Se ainda não há notícias sobre novidade visitante, o baterista ao menos guarda boas lembranças —seja dos shows ou da interação com fãs brasileiros.

“Amei o Brasil. O público fica de pé, dança. Os brasileiros vêm ao show para se divertir, não para permanecer sentados escutando. No meu site há sempre alguém pedindo ‘Venha ao Brasil!’,” disse, com mais uma gargalhada.

Uma mostra do legado perpétuo dos Beatles é a existência de uma infinidade de bandas-tributo que vão desde imitadores profissionais a artistas de termo de semana se apresentando no bar da esquina.

A filarmónica é tema festivais famosos uma vez que Abbey Road on The River, realizado nos EUA, ou a International Beatleweek, que há quase 40 anos reúne periodicamente em Liverpool grupos todas as partes do mundo, do Brasil à Indonésia, passando por Uzbequistão e Japão.

Tais grupos não raramente são formados músicos nascidos muito depois de John, Paul, George e Ringo terem seguido seus próprios caminhos em 1970.

“Eu adoro a teoria de que geração em seguida geração está ouvindo nossas músicas. Temos bilhões de execuções nos serviços de streaming e isso tudo é muito maluco. Adoro, porque ainda fazemos segmento de alguma coisa em vez estarmos guardados em um armário.”

O que gerações mais jovens também parecem fazer é reputar os atributos musicais de Starr. Em mídias sociais não é vasqueiro encontrar vídeos celebrando a “pegada” de um baterista que por não exibir a virtuosidade de outros contemporâneos teve sua técnica por algumas vezes desprezada.

Não que a tal salvação pareça ser um tanto importante para Ringo.

“Somente faço meu trabalho,” diz Starr.

“Acho que o que ajudou foram as remasterizações dos discos dos Beatles, que trouxeram mais à tona o som da bateria. Eu sou somente um músico que não quer tocar sozinho”, disse, com um sorriso.

Talvez seja somente sabedoria adquirida por quem nasceu e viveu em tempos turbulentos que incluíram o homicídio de John Lennon, em 1980, e a morte de George Harrison, de cancro, em 2001.

O baterista também enfrentou o alcoolismo e a obediência química, que deixou para trás nos anos 1990 —o que finalmente deu um toque de verdade aos versos de “No No Song”, a melodia de 1974 em que Ringo afirma, de forma bem-humorada, ter “dito não” a várias substâncias lícitas e ilícitas.

(No Brasil, “No No Song” ganhou uma ainda mais hilária versão em português por Raul Seixas.)

Antes de deixar a sala e mais uma vez tocar cotovelos, perguntei a Ringo se ele tinha alguma dica para quem está no fundo de qualquer poço.

A resposta veio desprovida de pretensão, assim uma vez que suas “levadas” de bateria.

“É uma pergunta difícil porque não sei o que as pessoas passaram. Mas você precisa ser honesto e admitir que alguns dias serão ruins. No meu caso, sou feliz quando estou batendo nos tambores”, concluiu.

Folha

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