Rio: Falta De Saneamento Em Favelas Confirma Racismo Ambiental

Rio: falta de saneamento em favelas confirma racismo ambiental

Brasil

Dados do Recenseamento Demográfico de 2022, pelo Instituto Brasiliano de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que 62,5% dos brasileiros residem em domicílios conectados à rede de coleta de esgoto. Apesar do aumento de 9,7 pontos percentuais em relação ao recenseamento anterior (52,8%), em 3.505 dos 5.569 municípios, menos da metade da população conta com o serviço.

Segundo o IBGE, os desafios se intensificam entre jovens negros e indígenas, enquanto pessoas amarelas e brancas têm maior chegada à infraestrutura de saneamento.

No estado do Rio de Janeiro, 84,38% das moradias contam com chegada à rede de esgoto, 84,72% à rede de provisão de chuva e 98,03% à coleta de lixo. Os números, no entanto, não revelam a verdade das favelas distribuídas pelo território, que formam o conjunto de locais com maior dificuldade em acessar serviços de saneamento capital.

“É irreal pensar que existe saneamento capital nas comunidades do Rio de Janeiro”, avalia o professor do Departamento de Geologia e Geofísica da Universidade Federalista Fluminense (UFF), Estefan Monteiro da Fonseca.

“O que acontece é a dificuldade geográfica de fazer a instalação de uma rede coletora, porque geralmente são ambientes de subida declividade, com um amontoamento de pessoas, não havendo arquitetura propícia para a instalação. Logo o esgoto corre ao ar livre”.

Rio de Janeiro (RJ), 29/08/2024 - Rio Faria-Timbó, na comunidade de Manguinhos, zona norte da cidade. Um esgoto a céu aberto. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Rio de Janeiro (RJ), 29/08/2024 - Rio Faria-Timbó, na comunidade de Manguinhos, zona norte da cidade. Um esgoto a céu aberto. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Rio Faria-Timbó, na comunidade de Manguinhos, zona setentrião da cidade. Um esgoto a firmamento sincero. Foto – Tânia Rêgo/Escritório Brasil

De congraçamento com o professor, serviços porquê distribuição de chuva, coleta e tratamento de esgoto e lixo acontecem somente em determinadas áreas do estado, enquanto outras regiões lidam com o escoamento superficial para dentro dos corpos hídricos e com o acúmulo de resíduos sólidos, prejudicando tanto o meio envolvente quanto a saúde dos moradores desses locais. Associada à exiguidade de saneamento capital, há ainda a proliferação de doenças, a contaminação do lençol freático e o mal-estar provocado pelo mau cheiro.

“As pessoas deixam de sentir o cheiro dos gases, que são cancerígenos e fazem mal para a saúde”.

No Brasil, conforme a geógrafa pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e integrante do Comitê de Bacia da Região Hidrográfica da Baía de Guanabara, Rejany Ferreira dos Santos, o saneamento capital é formado por quatro componentes: chegada à chuva potável, tratamento de esgoto, coleta de lixo e escoamento de águas pluviais. Refletindo sobre esses elementos, a geógrafa observa que, historicamente, as favelas brasileiras enfrentam problemas relacionados à falta de saneamento.

“Não podemos expressar que não existe saneamento nas favelas, porque existe, mas ele é inadequado”, observa.

Rio de Janeiro (RJ), 29/08/2024 - Fábio Monteiro, engenheiro ambiental e sanitário, ao lado do rio Faria-Timbó, em Manguinhos. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Rio de Janeiro (RJ), 29/08/2024 - Fábio Monteiro, engenheiro ambiental e sanitário, ao lado do rio Faria-Timbó, em Manguinhos. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Fábio Monteiro, engenheiro ambiental e sanitário, ao lado do rio Faria-Timbó, em Manguinhos. Foto – Tânia Rêgo/Escritório Brasil

O país reúne mais de 10 milénio favelas e comunidades urbanas, moradias de muro de 16,6 milhões de pessoas. Destas, estima-se que 36 milénio habitam o Multíplice de Manguinhos, formado por 12 comunidades na zona setentrião do Rio de Janeiro.

À Escritório Brasil, o morador Fábio Monteiro, formado em Engenharia Ambiental e Sanitária pela Universidade Estácio de Sá, conta que a estrutura de saneamento atual da comunidade não suporta o propagação desordenado da população do conjunto de favelas.

Há 14 anos em Manguinhos, ele afirma que “o território é bastante vulnerabilizado, e isso é um pouco que não pode ser naturalizado, mas, infelizmente, é a verdade da maioria das favelas por conta da exiguidade de ações de saneamento e infraestrutura que garantam moradias dignas para a população”. 

Rio de Janeiro (RJ), 29/08/2024 - André Lima, ativista social e membro da Coordenação de Cooperação Social da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).  Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Rio de Janeiro (RJ), 29/08/2024 - André Lima, ativista social e membro da Coordenação de Cooperação Social da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).  Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Rio de Janeiro (RJ), 29/08/2024 – André Lima, ativista social e membro da Coordenação de Cooperação Social da Instalação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Foto: Tânia Rêgo/Escritório Brasil – Tânia Rêgo/Escritório Brasil

Em épocas de temperaturas intensas, o ativista social e membro da Coordenação de Cooperação Social da Instalação Oswaldo Cruz (Fiocruz) André Lima denuncia que a situação precária da comunidade se agrava com a distribuição insuficiente de chuva.

“O território de Manguinhos é esquecido pelas políticas públicas de saneamento capital. Na comunidade, existem áreas que sofrem incessantemente com a falta de fornecimento de chuva para consumo.”

Morador de Manguinhos por 18 anos, de 2004 a 2022, o ativista compartilha que sofreu diretamente com a falta de chuva em diversos momentos, principalmente em épocas de calor, quando a distribuição de chuva é menos regular.

Lima ressalta ser importante refletir sobre essa situação porque com “as mudanças climáticas, a tendência é da temperatura se louvar cada vez mais”. 

“A privatização de dois componentes do saneamento no estado do Rio de Janeiro, a chuva e o esgoto, com a justificativa de melhorar o saneamento das cidades, piorou as condições de saneamento nas favelas, pois houve um aumento significativo da falta de chuva nos territórios periféricos”, analisa Santos.

Concessionária

Procurada pela Escritório Brasil, a Águas do Rio, concessionária responsável pela distribuição de chuva na cidade do Rio de Janeiro, não comentou sobre as reclamações de falta de chuva na comunidade. 

Rejany também aponta as dificuldades envolvendo a coleta de lixo. Ela afirma que os caminhões da companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb) não circulam por toda a comunidade de Manguinhos.

“Primeiro, você tem becos e vielas, portanto a prefeitura municipal coloca caçambas em determinados pontos da favela, mas elas não conseguem receber todo o lixo produzido nesse território porque são muitas pessoas”.

A exiguidade de coleta afeta, sobretudo, a saúde dos moradores, levando ao maior contato com ratos e mosquitos, vetores de diversas doenças.

Há, ainda, o sofrimento psíquico associado às perdas materiais em épocas de chuvas intensas e alagamentos por falta de uma estrutura segura de escoamento das águas pluviais. Para mourejar com os riscos de inundação, Lima explica que os moradores de Manguinhos acabam desenvolvendo estratégias para proteger móveis, eletrodomésticos e documentos importantes, porquê levar os pertences para a segmento mais subida da morada ou empilhar sobre outros móveis.

“Não podemos ignorar que, além dos problemas de saneamento, temos um cenário de diversas violações de direitos em Manguinhos, porque o Estado não garante minimamente o cumprimento dos direitos fundamentais da pessoa humana”, declara. 

Racismo ambiental

Uma pesquisa promovida pelo Instituto Locomotiva, em parceria com o Data Favela e a Meão Única das Favelas (Cufa), revelou que 67% dos moradores das comunidades são pessoas negras, média supra da proporção pátrio de pessoas pretas e pardas no país (55,5%) segundo informações do IBGE.

Para a integrante do Comitê de Bacia da Região Hidrográfica da Baía de Guanabara, Rejany Ferreira dos Santos, sendo a maior parcela da população desses territórios negra e o Estado não atuando para a melhoria das condições de vida dos moradores desses territórios socioambientalmente vulnerabilizados, “isso deixa nítido o racismo ambiental que a população periférica e favelada sofre no seu cotidiano, porque quando falamos de saneamento, falamos também do cotidiano e da melhoria da qualidade de vida das pessoas.” 

Desenvolvida na dezena de 1980 pelo químico e ativista pelos direitos civis Benjamin Franklin Chavis Jr., a frase “racismo ambiental” descreve uma forma de desigualdade socioambiental que afeta, principalmente, minorias sociais, porquê pessoas negras, indígenas e em situação de vulnerabilidade socioeconômica.

“O racismo ambiental representa essa situação em que os lugares mais precários são, justamente, territórios de moradia de pessoas marginalizadas”, resume a professora do Departamento de Serviço Social da UFF de Campos Ana Cláudia Barreto. “São os lugares em que não há o descarte correto de lixo e o saneamento capital é inexistente ou, se existe, é precário”, acrescenta. 

Considerando o recorte de gênero, Barreto destaca que as mulheres negras que residem em locais periféricos são as principais afetadas pelas injustiças ambientais. Outrossim, para ela, a exigência de precariedade vivenciada pela população negra nas cidades brasileiras, sobretudo nas favelas, é um problema estrutural, sendo o Estado o maior violador dos direitos humanos desse grupo. É ele quem determina quais serão as áreas com melhores estruturas e condições de vida, na avaliação da pesquisadora. “A exiguidade de saneamento capital vai expressar justamente isso: a negação do Estado a melhores condições de vida”, define.

Mobilização dos moradores

“É importante expressar”, começa Lima, “que todo esse cenário tem porquê tecido de fundo uma luta organizada dos moradores por cobrança do Estado por políticas públicas”. O ativista inúmera uma série de ações estabelecidas a partir de cobranças da comunidade, porquê o Programa de Desenvolvimento Sítio Integrado e Sustentável (DLIS) Manguinhos, de 1999 a 2003, e a Agenda Redutora da Violência, em 2005, que inclusive estabeleceu a exiguidade de saneamento capital porquê uma grave violência enfrentada pelos moradores do multíplice de favelas.

“Recentemente, em março de 2023, diversas lideranças de Manguinhos se juntaram a lideranças da comunidade de Jacarezinho e de outras áreas da cidade para fazer um ato da Greve Global pelo Clima. Vários moradores também estiveram em discussão com a Prefeitura para a revisão do Projecto Diretor da Cidade do Rio de Janeiro, cobrando pela inserção de um capítulo específico sobre comunidades”, relembra.

“Temos o hábito de colocar a população de Manguinhos porquê meros reféns de um contexto passivo, mas, na verdade, eles buscam ser sujeitos de recta, mesmo que as condições sejam adversas”.

Questionada sobre as ações para prometer o vasto chegada aos serviços de saneamento capital no bairro, a prefeitura do Rio informou à Escritório Brasil que a Secretaria Municipal de Habitação (SMH) atuou de 2005 a 2010 com uma série de obras, associadas ao Programa de Aceleração do Incremento (PAC) do governo federalista e realizada em diversas comunidades, incluindo o Multíplice de Manguinhos.

Rio de Janeiro (RJ), 29/08/2024 - Rio Faria-Timbó, na comunidade de Manguinhos, zona norte da cidade. Um esgoto a céu aberto. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Rio de Janeiro (RJ), 29/08/2024 - Rio Faria-Timbó, na comunidade de Manguinhos, zona norte da cidade. Um esgoto a céu aberto. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Coordenação de Cooperação Social da Fiocruz ressalta que  ações não são feitas de forma a prometer efetivamente o recta ao saneamento capital Foto – Tânia Rêgo/Escritório Brasil

“As intervenções contemplaram obras de provisão de chuva, esgotamento sanitário, drenagem pluvial, pavimentação de ruas, becos e vielas, iluminação pública, coleta de lixo, regularização fundiária, construção de creches, paisagismo, quadras poliesportivas e praças. O investimento foi de R$ 93,3 milhões, com recursos da União e contrapartida da Prefeitura do Rio de Janeiro”.

De 2015 a 2020, diversas intervenções também foram feitas no Parque Estadual Oswaldo Cruz, em Manguinhos, com investimento de R$ 19 milhões. Já com relação à coleta de resíduos sólidos, o órgão informou que a Comlurb realiza a limpeza e a coleta de lixo em todas as comunidades do município do Rio de Janeiro diariamente, sendo em algumas até duas vezes ao dia.

“Nas áreas em que não há possibilidade dos caminhões trafegarem, a Companhia disponibiliza em pontos estratégicos caixas metálicas para que a população possa colocar os resíduos. O trabalho só não é feito quando há situações de conflito ou violência que possam expor os funcionários a riscos. Logo o serviço é suspenso temporariamente e a rotina é regularizada logo que a exigência na superfície volte ao normal e as equipes tenham condições de atuarem sem passar risco.”

A prefeitura complementa que “essas áreas também contam com tratores de comunidade, com dois eixos articulados, independentes, o que permite mais mobilidade e capilaridade no interno das comunidades, em vias de difícil chegada, com curvas muito fechadas e áreas mais íngremes. Eles foram pensados para atender às complexidades dessas localidades e prometer mais destreza ao serviço por conseguir rodear com mais desenvoltura por becos e vielas, garantindo mais eficiência no recolhimento dos resíduos”.

Direitos básicos

Apesar da série de medidas, o membro da Coordenação de Cooperação Social da Fiocruz ressalta que essas ações não são feitas de forma a prometer efetivamente o recta ao saneamento capital.

“O Poder Público atua de forma negligente com relação aos moradores de Manguinhos, e isso se repete em outras favelas. É fácil perceber isso se você verificar porquê a Prefeitura atua em alguns bairros da cidade e porquê atua em Manguinhos, aí começamos a perceber que existem cidadãos de segunda e terceira classe.” 

As favelas no Rio de Janeiro são espaços fortemente impactadas por práticas de injustiça ambiental, que se justificam na existência de “zonas de sacrifício”, afirma o ativista. “Desde o início do século 20, as favelas são um pouco a ser removido e exterminado. Querem que Manguinhos seja exterminado, querem que Manguinhos não exista mais, provocando, inclusive, o epistemicídio, que é o processo de extermínio do conhecimento produzido nesses territórios periféricos.”

Para que direitos básicos porquê o chegada aos serviços de saneamento capital sejam garantidos, Lima argumenta que é preciso “territorializar” as políticas públicas, considerando os espaços marginalizados e fatores multissetoriais, articulando as ações também com outras medidas, porquê de resguardo à instrução. “É preciso pensar as políticas públicas articuladas umas às outras e colocando os moradores em diálogo com o Poder Público.”

“Exclusivamente com uma política intersetorial territorializada e estruturada em um quadro de governança democrático que conseguimos edificar ações efetivas para os territórios marginalizados, porquê Manguinhos”, conclui.

Já a professora da UFF ressalta ser imprescindível considerar questões de gênero e raça ao elaborar novas ações: “A partir do momento em que se inclui raça na elaboração de políticas, estamos fazendo uma reparação e amenizando as disparidades raciais. Inclusive, promovendo justiça ambiental.”

*Estagiária sob supervisão de Léo Rodrigues

Fonte EBC

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