Se o Rock in Rio precisou de quase 40 anos para se penetrar para a música sertaneja, com a sua próxima edição, os sertanejos já superaram suas dificuldades com o rock desde a dez de 1960. Foi quando Leo Canhoto & Robertinho incorporaram guitarras, grave e bateria nas músicas do sertão, sob influência dos Beatles e da jovem guarda.
Nos anos 1980, era generalidade os sertanejos gostarem de rock e pop. Morto em junho, Chrystian, que fez dupla com o irmão Ralf, uma vez disse que tinha todos os dicos de Led Zeppelin e dos grupos Pantera e Metallica em vivenda. Zezé Di Camargo, do duo com Luciano, também já declarou seu fanatismo por bandas uma vez que Scorpions e Bee Gees.
O primeiro Rock in Rio, aliás, influenciou os sertanejos. Em 1985, quando esses artistas começavam a fazer shows em estádios Brasil afora, o festival inaugurou um padrão de superioridade inédito. Chitãozinho & Xororó, em subida, prestaram atenção na parafernália que os gringos levavam aos palcos para reproduzir tudo em suas apresentações.
A influência continuou nos anos 2000, com os sertanejos universitários. Mateus, da dupla com Jorge, e Hudson, que canta com Edson, tocam guitarra o tempo todo no palco. Hudson, aliás, toca a mesma guitarra de Slash, uma Gibson Les Paul, enquanto Mateus empunha uma Fender Stratocaster, o padrão que foi imortalizado por Jimi Hendrix.
Mas zero disso importava para os organizadores do Rock in Rio, já que o sucesso mercantil contínuo dos sertanejos sempre incomodou o Rio de Janeiro. É compreensível. O Rio construiu sua identidade desde o século 19 uma vez que o farol cultural do país, mormente em relação à música popular. Maxixe, pranto, samba, bossa novidade, MPB, todos foram gêneros formatados a partir da capital fluminense.
Mas, a partir dos anos 1990, a música popular passou a vir de outros cantos. Axé e arrocha baianos, pagode paulista e mineiro, manguebeat pernambucano, funk paulista, forró eletrônico cearense e tecnobrega paraense despontaram e fizeram hits sem sovar continência para os cariocas.
O traje de artistas de todos esses gêneros já terem se apresentado no Rock in Rio é uma prova da resistência do Rio aos sertanejos, um pouco que também se traduz em números.
No YouTube, nenhum dos dez artistas mais ouvidos na capital fluminense nos últimos 12 meses é sertanejo. Já na capital paulista, quatro artistas são desse gênero, segundo a Chartmetric, empresa americana que coleta dados dos serviços de streaming para profissionais da indústria.
Michel Teló, por exemplo, só conseguiu fazer seu primeiro show no Rio dias antes de partir para uma turnê internacional no rastro do sucesso mundial de “Ai Se Eu Te Pego”.
A resistência era uma política de Estado. Em 2006, Luiz Paulo Conde, que já havia sido prefeito e vice-governador do Rio de Janeiro, foi empossado secretário de Cultura do estado pelo portanto governador Sérgio Cabral. Foi quando ele disse que gosta “de música, mas música de qualidade, seja popular, seja erudita, tudo menos Sula Miranda e Chitãozinho & Xororó”.
“Essas coisas passam ao largo. Não quero nem saber. São Paulo deu uma taxa negativa à cultura brasileira com esse ‘folk fake’, música caipira que não tem zero a ver com a cultura do país”, disse.
Até o ano pretérito, os produtores do Rock in Rio, que são os mesmos do The Town, em São Paulo, tinham uma aversão semelhante. Até que o cantor americano Bruno Mars, que faz sucesso reproduzindo os passinhos de Michael Jackson, incluiu os sertanejos no festival paulistano. Nas duas noites em que se apresentou, o tecladista de Mars, John Fossitt, levantou o coro ao tocar a melodia de “Evidências”, clássico de Chitãozinho & Xororó.
Foi só portanto que os organizadores se deram conta de que o sertanejo, há décadas a música mais tocada do Brasil tanto nas rádios quanto nas plataformas de streaming, é incontornável.
No dia 21 de setembro, o chamado “Dia Brasil”, com a presença somente de artistas nacionais em shows divididos por gênero, acontecerá a estreia do sertanejo no Rock in Rio. Haverá um show coletivo de Chitãozinho e Xororó, Junior Lima, Ana Castela, Luan Santana, Simone Mendes e a Orquestra Sinfônica Heliópolis.
Se por um lado demorou demais para incorporar os sertanejos, por outro, quando o fez, o Rock in Rio acertou ao prestar atenção ao traje de que o gênero não é uma coisa só e tem suas divisões e nuances.
Chitãozinho & Xororó acabaram de comemorar 50 anos de curso. Luan Santana faz segmento da geração universitária, que surgiu na primeira dez do século. Simone Mendes foi figura importante do feminejo surgido a partir de 2015, que alargou fronteiras do gênero tradicionalmente machista. E Ana Castela, de meros 20 anos, é a grande estrela do agronejo, vertente eletrônica que vem sendo tanto contestada quanto aplaudida dentro das searas do sertão.
A ver uma vez que essa salada geracional representará a música sertaneja nos palcos do maior festival de música do Brasil.