Músico que fez segmento de Os Travessos e está no ‘BBB 24’ afirma ser o pai do visual, que bombou na dez de 1990, sobretudo no pagode. Rodriguinho, Ivo Meirelles ou Belo: quem criou o cabelo ‘loiro pivete’?
Um dos nomes do “BBB 24” mais comentados nas redes, Rodriguinho afirma ser o pai da voga de cabelo masculino descolorido. Em mais de uma entrevista, o brother atribuiu a ele a vaga de músicos loiros no termo dos anos de 1990.
“Todos eles [me copiaram]. Eu fui o primeiro a fazer isso. E aí todo mundo [copiou]”, disse o artista no podcast “Podpah”, sete meses detrás. Rodriguinho, no entanto, não é o precursor da estética.
Ivo Meirelles e sua margem, Funk n’ Lata, já eram loiros pelo menos dois anos antes de o paulista encetar a fazer sucesso, em 1997, nos Travessos, grupo que emplacou hits porquê “Quando a Gente Nutriz” e “Tô Te Filmando”.
Ivo Meirelles
Reprodução
O samba dos ‘crilouros’
Gravado em 1995, o videoclipe “Não é Tenro, Não!” mostra Ivo e todos os integrantes do Funk n’ Lata com suas madeixas amareladas, dançando ao som de gemidos eróticos e um emendo que vai do samba ao charme.
Em várias cenas, suas cabeças aparecem coladinhas, realçando o chamado “loiro pivete”. Alguns músicos têm até o bigode descolorido.
Cena do clipe ‘Não é Tenro, Não’, do Funk N’ Lata
Reprodução/YouTube
Em outro vídeo do mesmo ano, Ivo lê um jornal com a manchete “o samba dos ‘crilouros'”, em referência ao visual chamativo do Funk n’ Lata.
A mesma estética estampou a envoltório do disco de 1996, e a foto foi recriada pelos músicos em 2017.
“Em Novidade York, vi o Terence Trent d’arby loiro e achei interessante, porque você via, nas ruas, mulheres de cabelo descolorido, mas varão, não”, conta Ivo em entrevista ao g1. “Descolori o meu para ver porquê ficava. Cheguei ao Brasil e fiz a margem inteira pintar também.”
A cronologia do ‘loiro pivete’
Juan Silva/g1
Pagodeiro e loiro
Mas o visual não ficou restrito a eles. Em 1997, havia outros artistas loiros, sendo a grande maioria do pagode. Os mais famosos eram Rodriguinho, Chrigor, do Exaltasamba, e Belo, do Soweto. Três cantores que descolorem os fios até hoje.
Rodriguinho diz que aderiu ao cabelo quase sem querer, depois uma tentativa de tingi-lo de vermelho. O pagodeiro teria descolorido os fios para passar o corante, mas, retardado para um show, não teve tempo de pintar a cabeça.
Cobertura de ‘Farol das Estrelas’, de 1999
Reprodução
Ele conta que tentou esconder os fios do público por vergonha. Os Travessos, porém, lhe obrigaram a mostrar. Para sua surpresa, a plateia ficou em êxtase e aplaudiu. Daí, sim, ele decidiu manter o loiro.
Em 2014, Chrigor afirmou que descoloriu o cabelo inspirado no Funk N’ Lata. “Mas o Rodriguinho já pintava. É que ele ainda era independente. Foi Rodriguinho primeiro, eu e depois o Belo”, disse ao Terreno.
O vídeo de “Noite Fria” do projeto Samba Tratamento, de 1997, mostra o ex-travesso loiro ao lado de Belo mulato.
Cobertura de ‘Desliga e Vem’, do Exalsamba
Reprodução
Loiro pivete
Até portanto, no Brasil, não era muito geral que homens tingissem o cabelo. A coloração capilar, aliás, já foi muito dissemelhante da que conhecemos hoje.
Desde Idade Antiga, pessoas de diferentes cantos do mundo pintam as madeixas. Até o início do século 20, os métodos eram exclusivamente caseiros (e muito perigosos), feitos a partir de insetos, sementes e óleos naturais.
Cobertura de ‘Nossa Dança’, de Os Travessos
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No caso da tintura loira, atrelada durante séculos à prostituição, a situação muda a partir de 1909, com a instalação da L’Oréal pelo químico Eugène Schueller.
Em 1931, o filme “Platinum Blonde” popularizou a cor, com Jean Harlow platinada nas telonas. Mais de duas décadas depois, os fios claros se tornaram febre feminina nos Estados Unidos, graças a uma campanha publicitária da Clairol.
Desde portanto, cresce cada dia mais a quantidade de tintas e pós descolorantes.
Na favela e no dança
No Brasil dos anos de 1990, o loiro masculino começou a eclodir sutilmente em favelas e bailes negros cariocas, mas se consolidou de vez depois a vaga dos pagodeiros descoloridos.
O estilo foi popularmente chamado de “loiro pivete”. Há quem considere o termo porquê racista, já que a estética é atrelada à negritude e “pivete” tem tom pejorativo.
“No contexto das periferias, platinar os cabelos tem a ver com celebração, folguedo e venustidade. Um ritual masculino, periférico, preto”, diz Maxwell Alexandre, artista de “Descoloração Global”, série de vídeos de pessoas tingindo cabelos de forma caseira.
Obra sem título, de Maxwell Alexandre
Maxwell Alexandre
Vale manifestar que, apesar dos constantes avanços da tecnologia capilar, a descoloração apresenta riscos.
O cabeleireiro Caio Costa, que participou do reality “The Cut Brasil”, explica que o processo pode prejudicar o epiderme peludo e promover queimaduras na cabeça, se feito de forma errada. “Eu conheço pessoas com coragem para fazer sozinhas e percorrer esse risco, mas não recomendo.”
Ele diz também que o loiro pivete faz sucesso principalmente no verão, quando o clima é luminoso. Por isso, harmoniza tão muito com o loiro.
Obra sem título, de Maxwell Alexandre
Maxwell Alexandre
Do pivete ao nevado
Depois do primícias dos anos 2000, a vaga do loiro pivete ficou restrita ao verão, mas com menor adesão do que antes. Entre o termo dos anos 2010 e primícias dos 2020, o estilo voltou ao destaque, mas repaginado.
Mais claros e menos amarelos do que o cabelo dos pagodeiros, os fios são platinados. O loiro em subida não é mais o pivete, mas sim o nevado — nome pelo qual é sabido.
Neymar, Gabigol, Caio Castro, Wesley Safadão, MC Ryan SP e Leo Santana são alguns dos famosos que aderiram à estética.
(Da esq. p/ dir.): Gabigol, Neymar, Leo Santana e MC Ryan SP
Montagem (Reuters, Lee Smith, Reprodução)
“O momento que todo mundo quer lançar o nevado é no termo do ano”, diz Paulo Henrique, pai do curso “Nevou de Favela”, voltado a cabeleireiros. “É uma cultura criada em comunidades. Todo termo de ano, quem é ‘cria’ lança o nevado.”
“As pessoas se inspiram nos MCs, influencers, barbeiros… Antes, tinha um pouco de preconceito, mas hoje isso tá mudando.”
Fonte G1
