Está cada vez mais na voga usar roupas e calçados feitos com cânhamo, uma fibrilha do talo da Cannabis, espécie de vegetal que também dá origem à maconha.
A marca Oriba, por exemplo, lançou em abril uma coleção de cânhamo, com bermudas, camisetas e bonés. Já a Uma X, marca voltada para o público jovem, usa a fibrilha há dois anos para fabricar calças, saias e jaquetas. Cânhamo também foi usado recentemente por etiquetas maiores, uma vez que numa camiseta da Adidas e numa blusa da Osklen.
A tendência corre em paralelo à ampliação do debate público sobre maconha no Brasil, onde agora é verosímil portar 40 gramas da relva para uso pessoal sem ser considerado criminoso, segundo epílogo do STF, o Supremo Tribunal Federalista. A decisão segue para avaliação do Congresso.
Cânhamo e maconha não são iguais, ainda que pertençam à mesma família fitologia e sejam colhidos da Cannabis sativa, uma subespécie da Cannabis. Além de terem aparências diferentes, o cânhamo possui quase zero THC, substância que razão os efeitos psicotrópicos e relaxantes da maconha.
Mas, apesar de não ter o mesmo uso recreativo da sua prima, plantar cânhamo é proibido no Brasil. É uma discussão permeada de estigma, dizem os especialistas, e que avança lentamente, impedindo a fibrilha de chegar às araras de outras lojas, principalmente as mais comerciais.
Portanto, são as marcas sustentáveis —aquelas que tentam fabricar roupas sem poluir o meio envolvente—, que se dobram para comprar e vender a fibrilha, de poderoso apelo ecológico.
Isso porque o cânhamo dispensa o uso de pesticidas e fertilizantes químicos, purifica e fornece nutrientes ao solo, e quase não precisa de regadura sintético. Na visão de especialistas, é uma boa selecção ao algodão, vegetal cultivada com muitos produtos químicos que compõe a maioria das peças de roupas fabricadas no Brasil.
Estilistas também afirmam que o cânhamo funciona muito também em termos estéticos. “Antes você pensava no cânhamo e tinha a sensação de que ele faria uma roupa dura. Hoje em dia não dá para enobrecer essa fibrilha de outros tecidos. Quem não sabe a elaboração da roupa de cânhamo pensa que é algodão”, diz Vanessa Davidowicz, criadora da Uma X.
Ou por outra, as grifes se esforçam para passar a imagem de que é descolado usar cânhamo. A Oriba, por exemplo, fez um vídeo moderninho para publicar suas roupas com o material. Nas imagens, dois modelos homens posam em meio a vegetais, o que abre brecha para se fazer uma relação imagética entre a fibrilha e a maconha.
“A gente até se preocupou de que pensariam que somos maconheiros”, conta Paulinho Moreira, um dos fundadores da marca. “Mas depois pensamos ‘qual é o problema?’.”
O cânhamo usado pela Oriba vem da China, um dos países que mais exporta a fibrilha. Essa importação torna a produção das roupas até dez vezes mais rosto que as feitas de algodão, diz Rodrigo Otani, sócio de Moreira. Basta olhar os preços das peças da marca para entender —no site, a maioria das bermudas de cânhamo custam R$ 530, enquanto as de algodão orgânico saem por R$ 310, e as de chino, R$ 390.
Vem havendo um lento progressão no debate sobre cânhamo no Brasil, afirma Marcel Grecco, um dos sócios fundadores da The Green Hub, empresa especializada em desenvolver negócios no setor da Cannabis.
“O Judiciário está olhando para isso. Existe um processo que avançou há dois meses no Superior Tribunal de Justiça, o STJ. Órgãos reguladores uma vez que o Ministério da Lavoura e Pecuária também já se propuseram a levantar dados e informações para pressionar a Anvisa [a Agência Nacional de Vigilância Sanitária]”, diz ele.
Não é de hoje que o cânhamo seduz as grifes. Nos anos 1990, a Adidas usou a fibrilha no tênis Adidas Hemp, que virou fissura entre os adolescentes. Anos depois, em 1998, a Osklen levou o cânhamo a uma de suas camisetas, o que também causou burburinho.
Mas, ainda que a discussão sobre seu uso venha se arrastando por décadas, o horizonte ainda é incerto, afirmam os especialistas.
“Imagina se a Renner investisse no cânhamo de verdade, e não só criasse um negocinho para falar que fez. Seria uma mudança muito grande”, diz Otani. Moreira, seu sócio, afirma que os Estados Unidos têm um mercado de bilhões envolvendo a Cannabis, assim uma vez que México, Colômbia e Uruguai. “A gente está muito procrastinado nisso devido ao conservadorismo.”