Na rossio Vermelha, em Moscou, do lado oposto ao mausoléu de Lênin, fica a GUM, abreviatura de um nome que significa um tanto porquê principal loja universal. É uma loja de departamentos estatizada depois da Revolução Russa e posteriormente privatizada depois da perestroika, a reorganização econômica do país
nos últimos anos da União Soviética.
Por lá, Dior, Chanel, Rolex, Montblanc, Cartier e Hermès seguem com suas lojas, mas de portas fechadas ou com prateleiras vazias. Nas entradas das que estão inoperantes, há um aviso colado no vidro, em russo, inglês e chinês. “Prezado visitante, a loja está fechada devido a problemas técnicos. Pedimos desculpas pelo inconveniente temporário.” A placa, no entanto, não explica quais são os problemas.
Há dois anos, desde que o governo de Vladimir Putin, reeleito pela quinta vez no mês pretérito com quase 88% dos votos, começou uma guerra com a Ucrânia, grandes marcas de tendência internacionais anunciaram o término das suas operações no país porquê forma de protesto.
De conformidade com Konstantin Andrikopoulos, diretor da Bosco di Ciliegi, empresa que detém uma rede de vestuário e que também é a maior acionista da GUM, 21% das marcas estrangeiras deixaram o país depois de fevereiro de 2022, “apesar de terem sido autorizadas a operar”, ou ao menos em suas palavras.
Logo depois o início da guerra, em março de 2022, a Balenciaga apresentou na Semana de Tendência de Paris um desfile-protesto contra a invasão russa da Ucrânia. Demna Gvasalia, diretor criativo da marca, distribuiu camisas com cores do país invadido, em apresentação que simulou uma tempestade de neve. Nascido na União Soviética, Gvasalia se radicou na Alemanha.
Os lojistas que revendem grifes estrangeiras na GUM estão há dois anos pagando aluguel para prometer seu espaço, mas sem qualquer perspectiva de vislumbrar o término da guerra.
“Eu chamaria isso de um otimismo infundado. Não vejo, no pequeno prazo, o retorno das marcas. O contexto atual não deixa margem para otimismo”, afirma Andrikopoulos.
Num espaço de tempo de pouco mais de três meses, entre novembro e março, dois grandes eventos de tendência tomaram a capital russa —o Brics+ Fashion Summit e a Semana de Tendência de Moscou. Os convidados, em vez de virem de Londres ou Paris, vinham em grande segmento de outras partes do mundo, sobretudo da China, da Índia e do chamado sul global, isto é, de países periféricos.
Depois do início da guerra com a Ucrânia, que por lá é chamada de operação militar peculiar, a Rússia passou a olhar mais para o mercado interno, ao passo em que começou a dar mais acenos para economias fora do eixo Estados Unidos-Europa Ocidental. Houve até pequenos gracejos para um país distante e exótico chamado Brasil.
Quando a estilista brasileira Marina Dalgalarrondo recebeu o invitação para apresentar o seu trabalho na Semana de Tendência de Moscou, sua primeira reação foi de susto e mortificação. “A gente tem uma visão muito específica sobre o que está acontecendo e nos preocupamos”, diz.
Mas Dalgalarrondo conta que passou a entender que a questão era mais complexa. “Porquê eu, uma estilista brasileira com tão poucas oportunidades, poderia fazer um boicote?”, questiona. “E se fosse um invitação para a Semana de Tendência de Novidade York, você problematizaria, já que os Estados Unidos também têm uma postura bélica? E não, eu não problematizaria”, ela mesma responde.
A estilista brasileira portanto desembarcou em solo moscovita para exibir na passarela do histórico salão Manege, ao lado do Kremlin, as roupas da sua marca, a Ão, junto de designers de países porquê Turquia, Etiópia, Indonésia e África do Sul.
As participações começaram a ser costuradas meses antes, em dezembro pretérito, quando a capital russa sediou o Brics+ Fashion Summit. Ambos os eventos foram organizados pela Instalação Cultural de Tendência e Design, o fundo para a tendência mantido pelo governo russo.
Se a tendência sempre foi palco de manifestações políticas, porquê no desfile da Balenciaga logo depois o início da guerra, na Moscou de hoje isso parece não suceder. O conflito passa ao largo das passarelas. Também é pouco ou zero comentado nos corredores da Semana de Tendência.
A influência da guerra é indireta. Uma marca de luxo russa, por exemplo, deixou de desfilar porque sua coleção era inspirada em uma região do país que está sendo mais afetada pelo confronto com os ucranianos. Orientada pela organização de que não pegava muito apresentar um desfile com esse tema e sem tempo hábil para idealizar outro conjunto de roupas, a grife preferiu não se apresentar.
Os estilistas do sul global também pouco falam sobre o conflito e dizem preferir enxergar o evento por um outro prisma —porquê uma oportunidade de exibir suas peças internacionalmente. “É porquê se eu tivesse feito um gol, por isso celebro porquê um desportista”, afirma Andile Thamsanqa, da Dope Store, da África do Sul.
Inspirada no esporte e em fazer “roupas para um vencedor”, a marca foi uma das mais aplaudidas durante o evento. Thamsanqa diz que estar em Moscou representou uma chance de fazer negócios.
“Depois da pandemia de Covid, nossa moral caiu, e estar cá e ver porquê as pessoas reagem ao que criamos me dá muita crédito. Mais pessoas, de lugares diferentes, entendem o que estou tentando fazer e qual é a minha mensagem. Isso é o mais importante.”
Marina Dalgalarrondo, da grife brasileira Ão, faz coro. “O mais rico dessa experiência é trocar com esses estilistas de países emergentes, que têm as mesmas questões que as minhas sobre porquê produzir, a quantidade que produz, porquê vender, porquê exportar”, diz a designer.
Encontrar parceiros de fora do Poente tem sido a estratégia adotada pela Rússia para manter a economia aquecida diante dos embargos. “A União Europeia respondia por metade do transacção russo e todo o resto era secundário [antes da guerra]. Agora a situação é dissemelhante”, diz Vasily Astrov, economista técnico em Rússia do Instituto de Estudos Econômicos Internacionais de Viena, o WIIW, na {sigla} em boche.
Para não se isolar, diz ele, os russos se voltaram para a Ásia e para periféricos —e não só na tendência. Segundo a instituição, o petróleo e o gás oriundo, que juntos representavam quase 32% da produção interna russa em julho do ano pretérito, conseguiram encontrar novos mercados consumidores. Índia e China absorveram tapume de metade do petróleo russo no mesmo período.
Mas são sobretudo os gastos com a indústria bélica que têm mantido a robustez do PIB, diz Astrov. De agosto de 2022 a agosto pretérito, a indústria russa de computadores, produtos eletrônicos e ópticos cresceu 34,6%. A produção de veículos de transporte aumentou 29,4%, e a de equipamentos elétricos, 23,2%.
Em geral, são todos setores com considerável parcela de sua produção voltada para o setor militar.
Na tendência, porém, a situação é mais delicada. A indústria têxtil teve uma queda de 1,5% no mesmo período.
Prestes a completar 25 anos de existência, a grife russa Alena Akhmadullina afirma que tinha consumidores espalhados por todo o mundo, mas, diante dos embargos ocidentais, a marca passou a ter porquê principal escopo o mercado sítio.
Só que isso representou outro problema, já que o público-alvo também mudou. Desde que começou a guerra, houve uma fuga de bilionários russos para Dubai. Na cidade dos Emirados Árabes, que fica a uma intervalo de seis horas de avião de Moscou, há lojas de luxo aos montes e nenhuma sanção.
Por isso, a saída de grifes porquê Chanel e Dior da Rússia não significa necessariamente que as marcas de luxo russas ocuparam um vácuo deixado pelas marcas ocidentais. Outrossim, porquê diz Konstantin Andrikopoulos, diretor de desenvolvimento da Bosco di Ciliegi, as grifes de luxo não podem ser facilmente substituídas. “É uma questão de edificar uma marca ao longo de décadas.”
Segundo ele, 20% dos consumidores desse mercado passaram a comprar marcas médias e premium presentes na Rússia. “O restante viaja para o exterior para comprar suas marcas favoritas”, afirma Andrikopoulos.
O diretor-criativo da Alena, Andrey Burmatikov, afirma que a marca da estilista russa cresceu internamente, mas acrescenta que o cenário não é o ideal. Para ele, a competição com as grandes grifes “movimenta o mercado e os negócios”. “Nós esperamos que elas voltem.”
A Brics+ Fashion Summit e a Semana de Tendência de Moscou são reflexos desse contexto de boicote. Antes de 2022, havia em Moscou a Mercedes-Benz Fashion Week Russia. Veio a guerra e levou embora consigo o patrocínio da operário alemã.
A Rússia nunca teve uma grande relevância global na tendência, afirma João Braga, professor de história da tendência. “Teve alguma coisa depois da Revolução Bolchevista, em 1917, principalmente com o trabalho da artista Varvara Stepanova”, ele afirma.
Stepanova , uma das principais expoentes do construtivismo russo, trabalhou com estamparia. Grande segmento de seu trabalho tinha porquê objetivo exaltar os estilos de vida e produção da União Soviética —ou seja, suas estampas e peças de roupas habitam um mundo dissemelhante das maisons de alta-costura francesas.
Em meados dos anos 1980, Raisa Gorbacheva, a última primeira-dama soviética, se tornou um ícone fashion e um dos rostos da lisura da URSS ao Poente. Ela chegou a ir às semanas de tendência na Europa e ajudou a edificar o estilista russo Slava Zaitsev. Ele assinava vestidos que Raisa usava em visitas oficiais que ela e seu marido faziam ao interno da Rússia e ao exterior.
Zaitsev vestiu celebridades russas, atletas e bailarinas. Chegou a ser chamado pela prelo ocidental de “o Dior vermelho”. “Se você pega dicionários internacionais de tendência, o nome do Slava está lá”, diz Braga.
Mas depois o tempo foi passando, o auê da perestroika se dissipando e a economia russa, outrora famosa pela pelas investidas em tecnologia de ponta, caminhou para uma crescente obediência macroeconômica em relação a commodities —situação semelhante a países sem um pretérito tão grandioso, porquê o Brasil.
A indústria da tendência porquê a conhecemos hoje, diz o professor João Braga, nasce na Europa ocidental a partir de uma mediocracia cada vez mais endinheirada que, em procura de prestígio, começa a plagiar o jeito de se vestir da nobreza. Os nobres, ao perceberem, mudavam qualquer coisa de seu figurino para se diferenciar dos emergentes. Os burgueses copiavam de novo. É daí, portanto, que surge o concepção de tendência.
Em outras palavras, a indústria da tendência é um fenômeno fruto do capitalismo liberal. Não é preciso ser historiador para saber que o século 20 não ofereceu à Rússia o terreno mais fértil para esse tipo de mercado. Quanto aos últimos anos, Vladimir Putin vem colocando o país numa rota cada vez mais anti-Poente.
Deste modo, desenvolver uma indústria fora das panelinhas dos circuitos europeus não é tarefa trivial.
Só que a China está logo ali, e além de ter 4.250 quilômetros de fronteira com a Rússia, tem o maior mercado consumidor de vestuário do mundo, segundo a plataforma Fashion United. “Mesmo dentro de um sistema socialista ou qualquer outro nome que se queira dar, o numerário fala mais cima, a gente sabe disso”, afirma Braga, o professor de tendência.
Os jornalistas viajaram a invitação da Instalação Cultural de Tendência e Design russa