Saci Trilheiro Percorre Trilhas E Sobe Picos Em Muletas

Saci Trilheiro percorre trilhas e sobe picos em muletas – 11/04/2024 – É Logo Ali

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Nascido na extensão rústico de Ponta Grossa (PR), Angelo Santos, hoje com 48 anos, trabalhou na roça da família e de alguns vizinhos por toda a sua puerícia e puberdade. Aos 17 anos, começou a sentir uma dor chata na perna à qual, a princípio, não dava muita atenção, mas que aos poucos foi se tornando um inchaço incômodo na profundeza da virilha. Em um hospital de Curitiba, a cirurgia constatou que não só havia ali um tumor, mas que era da forma mais agressiva. O médico queria decepar a perna logo, a mãe não autorizou, mas a remoção do cancro havia feito um grande estrago na extensão e ele saiu dali sem conseguir caminhar. Posteriormente meses de dores e tratamentos agressivos, o dilema: só a amputação resolveria. No dia 10 de agosto de 1994, deixou no núcleo cirúrgico toda a perna esquerda e um pedaço da bacia. Teoricamente, segundo o médico da ocasião, estaria tudo resolvido. Só que não.

Já usando uma prótese que se prendia à cintura, que provocava grandes dores em seu uso, mas que ao menino de 18 anos emprestava a ilusão de normalidade em público, Santos voltou aos estudos, ao trabalho, até que, em 1997, começou a sentir inchaço na perna direita. O tumor havia voltado. Os médicos não lhe davam muita esperança, falavam em amenizar os sintomas. Com as sessões de radioterapia, começou a ter dificuldade para defecar. Ganhou, logo uma bolsa de colostomia, presa à bojo, que acabou de vez com a possibilidade de uso da prótese ajustada à cintura. Logo depois, deixou de urinar —e veio mais uma bolsa de nefrostomia, aquela que fica pendurada ao lado da perna do usuário.

“Eu tinha certeza de que ia morrer logo, foi um período difícil”, conta Santos. “Achava que não conseguiria estudar, trabalhar, porque imaginava que a bolsa podia desabar, vazar, e comecei a fazer trabalhos artesanais em lar”.

Foi em 1999 que, em seguida ver à formatura de uma parente, sentiu motivação para voltar a estudar. “Ver aquelas pessoas se formando foi porquê virar uma chave, me vi recebendo meu diploma”, conta. Com roupas largas que escondiam as bolsas, encarou o vestibular e foi estudar geografia. Para ajudar um pouco, o médico mudou a bolsa de urina para outro procedimento, a urostomia, onde a bolsa também é afixada ao abdómen do paciente. Ainda seriam duas bolsas, mas porquê eram coladas ao corpo, podiam ser disfarçadas com roupas largas.

Concluído o curso em 2003, insistiu com o médico para que tentasse tirar ao menos uma das bolsas, o que acabou conseguindo com mais uma cirurgia de grande porte. Mais tarde, em 2006, uma amiga lhe disse que o Departamento Pátrio de Produção Mineral, em Brasília, havia franco um concurso com vagas para pessoas com deficiência. Fez a prova, passou e viajou 1.300 quilômetros para Brasília em seu Ford Ka adequado. Está lá até hoje, mesmo depois que o DNPM passou a ser a Sucursal Pátrio de Mineração.

Na capital federalista, conheceu Isabel, colega de trabalho com quem se casaria e que o convenceu a frequentar o Clube Naval, onde começou a praticar remo. “Foram quatro anos no remo, competi duas vezes no Campeonato Brasiliano, mas forçava demais o joelho e parei”, lembra.

Uma vez que sempre gostara de caminhar, começou a fazer percursos cada vez mais longos pelas alamedas de Brasília, em Pirenópolis (GO) e na Chapada dos Veadeiros. “O objetivo ainda não era fazer trilha, mas chegar até as cachoeiras, tomar um banho nas cachoeiras, coisas mais fáceis”, acrescenta. Só que os percursos foram ficando cada vez mais longos e, constatando que as crianças o apontavam na rua chamando-o de Saci, e assumindo seu processo de autoaceitação nas redes sociais, resolveu adotar o sobrenome “Saci Trilheiro”, pelo qual é espargido no Instagram, onde tem mais de 24 milénio seguidores.

“A roboração desse sobrenome e da minha veras foi tanta que me convenci de que podia fazer mais trilhas que até logo achava que não conseguiria”, lembra. “Mas eu me limitava pela tradução das dificuldades de outros”, avalia. Resolveu, logo, dar saltos mais altos.

“Na Chapada dos Veadeiros tem uma trilha chamada Mirone da Janela que é de certa dificuldade e eu tinha muita vontade de ir lá, mas as pessoas me diziam que é complicada, tem muita descida, muita subida, muita pedra, é difícil, e eu acreditava que não conseguiria”, conta. “Daí um dia eu pensei que o único jeito de saber se daria era tentando, se não desse era só voltar”, completa. Pois foi, viu e voltou pronto para desafios maiores.

Intensificando os trabalhos de musculação e preparando as muletas e medicamentos que toma diariamente, fez essa e várias outras trilhas na região, até resolver que era hora de ir além.

“Eu pensava, caramba, porquê é bom fazer isso, eu consigo”, celebra. E mirou zero menos que na Pedra da Gávea, a 844 metros supra do nível do mar, no Rio de Janeiro, e no Pico da Bandeira, com 2.891 metros de altitude, no Espírito Santo, terceira serra mais subida do país.

Para a empreitada carioca, contatou o Coletivo Inclusão, uma equipe que leva cadeirantes à Pedra da Gávea usando a cadeira Juliette, desenvolvida para esse término. Mas Santos fez questão de subir com a própria perna, as muletas e a ajuda de um grupo disposto a viabilizar sua conquista. “Foi uma experiência fantástica, mas muito difícil, quando eu me cansava, um pegava no meu pé, outro puxava a corda, foi muito bacana”, afirma. Chegando no topo, a surpresa: a descida seria em um rapel de 148 metros. “Eles tinham prestes tudo para mim, a cadeirinha, me ensinaram porquê fazer e, já que estava lá mesmo, encarei com uma mistura de pavor e prazer, imagina olhar aquele eversão, o vento potente batendo, foi um final incrível que esses oito guias que subiram comigo me deram e aos que vou ser eternamente grato”, recorda.

Faltava, logo, o Pico da Bandeira. Contatando guias locais, conseguiu autorização do Parque Pátrio do Caparaó, que abriga essa que é a terceira serra mais subida do Brasil. “Com uma equipe de dez pessoas subimos em setembro de 2022”, conta. A subida foi em duas etapas, a primeira até o acampamento chamado Terreirão. “No segundo dia, acordamos às duas da manhã para ver o sol nascer no topo, que é uma imagem impressionante”, lembra.

Depois desses dois desafios, foi saber com Isabel os Lençóis Maranhenses, e percorreu os 40 quilômetros de ponta a ponta com suas muletas, a bolsa de urostomia e muita disposição. “Normalmente, antes de debutar uma travessia, sinto evidente receio, aquela instabilidade, será que vai dar, e tal, mas quando termino vejo que valeu a pena enfrentar todos os medos”, avalia Santos. “Eu penso que, se não tivesse perdido a perna, teria sido outra pessoa, logo estou muito comigo do jeito que sou, de muito com a vida e planejando novas aventuras”, filosofa.

Entre seus sonhos mais acalentados, está subir ao monte Roraima, localizado na tríplice fronteira entre Brasil, Venezuela e Guiana, com 2.810 metros de altitude e exigindo 80 quilômetros de estirão. “Aí não sei se vai ser verosímil porque estou com uma artrose no joelho, estou fazendo fisioterapia, mas ainda tenho certa instabilidade”, admite. Para complicar, Santos é doente renal crônico e, mesmo não precisando de diálise, tem receio de encarar um lugar tão solitário e com difícil entrada a cuidados médicos especializados.

“Tenho que consumir uma dieta hipoprotéica, não posso usar analgésicos nem anti-inflamatórios, logo tenho que ser responsável comigo mesmo e tomar muitos cuidados”, pondera o Saci Trilheiro. Mas o sonho continua lá. E que ninguém duvide de que, qualquer dia desses, ele vai publicar em suas redes sociais imagens obtidas no tabuleiro do mais famoso monte da América do Sul, aos pés do marco da tríplice fronteira.

Folha

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