O vencedor do 57º Festival de Parintins, dividido entre o vermelho do Boi Guardado e o azul do Caprichoso – será sabido nesta segunda-feira (1º). As apresentações no Bumbódromo começaram na sexta-feira (28) à noite e se estenderam até esse domingo.
Visitantes que chegam pela primeira vez ao Festival de Parintins buscando se aprofundar nos detalhes do evento logo se deparam com um duelo: dominar o vocabulário gerado em torno do evento. A lista de palavras e termos, segmento deles de origem indígena, envolve desde os nomes dos personagens até substantivos específicos para se referir a componentes e torcedores de cada um dos bois.
Considerado patrimônio cultural do país pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Vernáculo (Iphan), o evento está ligado à tradição cultural do Boi-Bumbá. A revelação popular gira em torno de uma mito sobre a ressurreição do boi.
Para narrar essa história, é preciso simbolizar alguns personagens. O Senhor do Boi, que representa o possessor da herdade, é o cantor e compositor que faz versos exaltando sua torcida e desafiando o contendedor. Já a sua filha, a Sinhazinha, também tem destaque na encenação e acompanha a evolução do boi.
Outra personagem de referência é a cunhã-poranga, a “moça formosa” da povoação e guardiã de seu povo, que expressa força pela venustidade. No Boi Guardado, esse papel é desempenhado por Isabelle Nogueira, que participou recentemente do Big Brother Brasil, reality show produzido pela Rede Mundo, e contribuiu para aumentar o interesse sobre o Festival de Parintins. No Boi Caprichoso, o posto pertence à Marciele Albuquerque.
Há ainda a vaqueirada, composta pelos guardiões do boi. Já os tuxauas representam os chefes dos povos indígenas. Nas toadas, produzidas anualmente para embalar as apresentações, notam-se muitas dessas palavras e termos, porquê também outros são agregados. Aquelas canções que se tornam hits contribuem para estimular a ampliação do vocabulário do evento.
Em 2015, estudo produzido na Universidade do Estado do Amazonas (UEA) investigou a presença de palavras indígenas nas toadas. De contrato com a pesquisadora Dulcilândia Belém da Silva, responsável pelo trabalho, esse é um dos elementos que contribuiu para a expansão do Festival de Parintins pela comunidade amazonense.
Ela lembra que a maior valorização dos adereços e dos componentes indígenas tiveram início em 1993, revolucionando a tradição do Boi-Bumbá e fazendo com que o festival ganhasse mais espaço na mídia. “No ano 2000, as toadas com tema indígena alcançaram sua consolidação no contexto das toadas de boi e com regularidade e incidência expressivas, principalmente devido à implantação do edital para a seleção das toadas, que estabeleceu alguns critérios que balizaram a produção criativa”, observou.
A pesquisa contabilizou 1.014 toadas no período entre 1986 e 2013, das quais 466 têm porquê tema o componente indígena. Entre essas, encontraram-se 2.327 palavras indígenas. O estudo mostra ainda que, em 2015, estava ocorrendo o uso mais recorrente de palavras de troncos linguísticos além do tupi.
Dulcilândia também lembrou que a cultura sítio já era receptiva ao vocabulário indígena. Antes mesmo do desenvolvimento do festival, eram utilizados termos porquê curumim e cunhatã. Outras palavras, no entanto, porquê cunhã-poranga se popularizaram por meio das toadas.
Galeras e currais
Enquanto há um vocabulário geral para os personagens, há substantivos específicos usados para se referir às galeras de cada um, porquê são chamadas as torcidas. Os adeptos do Boi Guardado são os encarnados, em menção à cor vermelha, ou perrechés, termo adotada porquê versão do adjetivo pejorativo ‘pé rachado’ disseminado pelos adversários no pretérito. Já os marujeiros manifestam sua paixão pelo Boi Caprichoso. Muitos se tornam torcedores por influência de suas famílias, o que faz do festival um evento que alimenta a tradição que se renova a cada geração.
Morador de Manaus, o perreché Raimundo Medeiros, que trabalha com transporte marítimo, encarou uma viagem de 16 horas de embarcação desde a capital amazonense até Parintins. Todos os anos, ele encara a mesma jornada para estar presente no festival. A embarcação em que ele estava, repleta de redes para sota, reunia mais de 200 encarnados.
“Isso vem desde o ventre da minha mãe. A minha família toda é torcedora do Boi Guardado. A viagem é longa, mas não é cansativa, porque durante todo o tempo a gente vem brincando e se divertindo. Descansa na rede. E a gente sabe que vai chegar cá para torcer para o Guardado. É muita emoção. Quando ele entra na estádio, parece sempre que estamos vivendo aquele momento pela primeira vez”, conta.
Do outro lado, a marujeira Stefany Rocha se mostra positivo no título. Estudante de publicidade, ela também saiu de Manaus. Chegou a Parintins para seguir o festival pela segunda vez. A paixão pelo Boi Caprichoso também foi herdada da mãe. “É uma emoção, uma felicidade. Só quem está cá sabe o se que passa no coração e na cabeça na hora da apresentação. É muito gratificante, muito lindo ver a nossa cultura”.
As baterias também têm designações diferenciadas. No Guardado, é a batucada, e no Caprichoso, a marujada. Se em boa segmento da cidade, o vermelho e o azul se misturam, há também áreas mais delimitadas onde o soberania é simples. Isso ocorre no entorno dos currais, sítio onde funcionam os ensaios de cada boi. O do Boi Guardado fica na Baixa do São José e o do Boi Caprichoso está localizado no núcleo da cidade.