Salgueiro de corpo fechado é o enredo que a vermelho e branco da Tijuca, zona setentrião do Rio de Janeiro, leva levante ano para a Avenida Marquês de Sapucaí. É sobretudo um resgate de uma risca de desfiles da escola que muitas vezes defendeu títulos com temas de origem africana.
O carnavalesco Jorge Silveira disse que o desfile é um retorno da escola à sua raiz afro-brasileira e “um mergulho sério e profundo na variedade das culturas religiosas do Brasil”.
De tratado com o carnavalesco, o Salgueiro se propõe a fechar o seu próprio corpo para transpor a maior encruzilhada do sambista, a Marquês de Sapucaí, e vai fazer isso recorrendo a toda sua memória afetiva, aos seus símbolos mais fortes. “É o Salgueiro descendo o Morro do Salgueiro para poder disputar o carnaval, para poder transpor aquela jornada de uma forma material e de uma forma místico. Nosso enredo consiste em trasladar na avenida todos os rituais ou grande segmento dos rituais de fechamento de corpo nas mais diferentes culturas religiosas brasileiras”, afirmou.
O pesquisador do Salgueiro, Leo Antan, lembrou que o Salgueiro tem esse pioneirismo de apresentar enredos afro desde a dezena de 60 com Fernando Pamplona e Arlindo Rodrigues, carnavalescos que marcaram a história do carnaval carioca, por traduzirem essa cultura de enredos africanos e de enredos que falam das histórias negras.
“A gente segue nessa vertente acreditando em um reencontro do Salgueiro com a identidade dele mesmo. Reafirmando essa identidade e trazendo de volta essa postura do Salgueiro”, disse Antan à Sucursal Brasil.
Enredo
Desta vez, a história começará a ser contada a partir da chegada na Bahia de africanos muçulmanos escravizados e da legado que veio, sobretudo, dos povos mandingas de Mali, no Setentrião da África. Vai passar também outros aspectos da procura da proteção.
“Essa cultura trazida para o Brasil, das chamadas bolsas de mandingas, reflete em vários rituais e elementos da cultura brasileira de maneira universal. A gente passeia desde a Bahia com a chegada desses escravizados chamados escravos malês, passamos também pelo nordeste com a cultura do cangaço, por elementos indígenas, até chegar nas umbandas e nos candomblés cariocas”, explicou.
Leo Antan revela porquê o enredo, que passeia por regiões da cultura brasileira e geográficas também, será mostrado na avenida. “A gente tem na preâmbulo um olhar para o próprio Salgueiro, o Morro do Salgueiro descendo para a avenida e fechando o seu próprio corpo. A partir disso, a gente começa a segmento mais histórica que passeia pelo Predomínio Mali, do povo mandinga. A gente fala da Bahia e de porquê esses escravos africanos chegaram ao Brasil. Da Bahia a gente continua no Nordeste para falar do cangaço que se protegia e trouxe amuletos e patuás. O quarto setor é indígena, logo, a gente passa pelo Setentrião e Nordeste com grande influência indígena, e nos dois últimos setores a gente volta para o Rio [de Janeiro] para falar da umbanda e do candomblé cariocas, da Lapa, desse universo da malandrice carioca”, descreveu.
Antan disse que o enredo foi resultado de um longo processo que desenvolveu com o carnavalesco Jorge Silveira e o enredista Igor Ricardo, ainda no pré-carnaval. “A gente teve algumas outras opções durante essa preparação, mas falou mais cumeeira o libido da direção da escola de fazer um tema que voltasse para essa religiosidade africana. Aí a gente chegou nessa teoria pesquisando a religiosidade brasileira de fazer esses rituais de fechamento do corpo”.
O libido da diretoria da escola de samba era também o dos componentes, que se identificam muito com os enredos afro. “Eles adoram. A gente percebe nos ensaios essa alegria do salgueirense poder se reencontrar e reafirmar isso de maneira muito poderoso”, observou.
Para o pesquisador, o samba também ajudou nessa identificação da comunidade salgueirense. “A gente teve também a felicidade de escolher um samba incrível, que tem um refrão muito poderoso, que labareda a comunidade. A gente tem visto essa felicidade com satisfação de se reconhecer. É muito importante uma escola de samba gerar esse reconhecimento da comunidade e eles comprarem e se sentirem pertencentes à teoria”, disse.
De tratado com Leo Antan, o público pode esperar um desfile com a identidade do Salgueiro, garantindo que, apesar de trazer temas que já foram até mostrados na avenida, a escola vai surpreender.
“Vamos ter efeitos em alegorias. A gente tem uma equipe de Parintins muito capacitada que trabalhou em todas as alegorias. É uma aposta nesse sentido de inovação e de buscar novos signos para esses elementos das religiões de matriz africanas que a gente já viu bastante nos desfiles, mas também com a identidade do Salgueiro, quanto do Jorge Silveira, que é o carnavalesco que tem o traço muito privado também”, adiantou.
Parintins
Segundo Antan, a junção das alegorias com tecnologia de Parintins e iluminação programada conforme a escola vai se apresentando é um bom enlace que tem oferecido bons resultados, e com o Salgueiro não é dissemelhante. “A gente teve já nos últimos carnavais alegorias que se destacaram com esses profissionais, o São Jorge da Vila Isabel [alegoria sensação do carnaval de 2023] e outras alegorias. Logo, a gente contratou uma equipe que ficou exclusiva do Salgueiro. São 12 profissionais que vieram do festival [de Parintins] para fazer todas as esculturas e movimentos das nossas alegorias”, revelou o pesquisador.
“Eu estava assistindo [na TV] e veio aquela peça do São Jorge e me arrepiou. Eu sabia que eram uns amigos meus que construíram. Foi um orgulho muito grande para nós. É a evolução que fica marcada. A gente quer um diferencial para deixar alí, marcado na escola ou no carnaval. São Jorge vai ser lembrado por muitos anos”, garante o artista do Boi Caprichoso Jucelino Belém Ribeiro.
Oriente ano é o primeiro que ele trabalha no Salgueiro, mas desde 2007 já pôde dividir a sua experiência em outras escolas. A primeira foi a Unidos de Vila Isabel, escola da zona setentrião do Rio de Janeiro. No início era pintor de arte, e na idade em que trabalhou com o ex-carnavalesco da Imperatriz Leopoldinense Cahê Rodrigues, entre 2014 e 2017, passou a ser ferreiro. Jucelino faz segmento de uma equipe de Parintins que veio para o Rio para desenvolver a tecnologia do Boi-bumbá no Grupo Privativo.
A imagem que via, lá em Manaus, na transmissão dos desfiles, foi o que despertou a vontade de participar desse universo.
“Agora a gente já tem mais experiência na tecnologia. É a nossa diferença, principalmente na segmento da robótica, com alegorias que se mexem. As coisas todas evoluem e vem todo mundo de lá [Parintins]. A gente faz uma maquete e começa a construção. É mal funciona”, explicou.
Nesses anos de função no Rio de Janeiro, Jucelino teve oportunidade de integrar uma equipe campeã. “Foi o ano em que a professora Rosa Magalhães foi campeã. Foi meu último ano que trabalhei lá na Vila”, lembrou.
Jucelino chegou a permanecer distante do carnaval do Rio, mas não resistiu ao contato do Salgueiro. “A diretoria foi até Parintins, a gente teve uma conversa, apresentou o projeto, e isso me interessou. Foi por isso que eu voltei para o carnaval depois de 5 anos. O Salgueiro vai surpreender e muito”.
Modista
Luciene Ferreira Moreira, 62 anos de idade, é modista do Salgueiro há 19 anos, e desde o ano pretérito coordena o setor importante para o visual da escola. Ela trabalha no barracão na produção de fantasias da comunidade, que são distribuídas pela própria escola, porquê das baianas, passistas e alas comerciais.
“O meu sentimento é um sentimento gratificante de ser salgueirense e estar fazendo a roupa. É a minha escola de coração. Para as pessoas que trabalham na escola de coração, é mais gratificante ainda”, disse à Sucursal Brasil.
“Eu caio em pratos”, revela Luciene ao expressar a emoção que sente ao ver no desfile as fantasias que produziu no barracão. “Quando o meu camarada falou a escola está linda, a lágrima desceu e não parei mais de chorar. Só parei de chorar quando cheguei perto do Xande de Pilares. Ele é a alegria, ele é o rosto”.
O cantor, compositor e ator Xande de Pilares, morou segmento da puerícia no Morro do Turano, na Tijuca, e passava momentos na quadra do Salgueiro.
A proximidade da modista com o artista foi fortalecida durante uma visitante dele ao barracão. “Ele fez uma melodia para mim, na hora”.
Luciene disse estar animada com a expectativa do desfile. “O samba é muito poderoso, fala de macumba mesmo, porque, graças a Deus, eu sou espírita, e só de falar ‘eu adorei as almas’, arrepia a gente e vai ouriçar na avenida com as fantasias também”, assegurou.