As mulheres vivendo na extrema pobreza, ou seja, com até R$ 200 por mês, somavam 6,1% da população brasileira em 2022, segundo dados divulgados nesta sexta-feira (8) pelo Instituto Brasiliano de Geografia e Estatística (IBGE). O percentual é superior ao dos homens (5,7%), de pacto com o instituto.
Considerando-se aquelas na pobreza, ou seja, que vivem com menos de R$ 637 por mês, o percentual chega a 32,3%. Nesse recorte de renda, a parcela dos homens também é menor (30,9%).
A pobreza separa mais negros dos brancos do que homens de mulheres. As brancas que convivem com a extrema pobreza e a pobreza representam 3,6% e 21,3% da população feminina dessa cor/raça. Já as negras nessa situação são 8% e 41,3% de sua população, ou seja, murado do duplo.
Esses são alguns dos dados divulgados pelo IBGE, em publicação peculiar para o Dia Internacional da Mulher, festejado em 8 de março. O levantamento mostra, por exemplo, que o rendimento recebido pelas mulheres equivale a 78,9% dos homens. A desigualdade aumenta com a idade, passando de 87,9% na tira de 14 a 29 anos para 65,9% para 60 anos ou mais.
Entre os profissionais de ciências e intelectuais, o salário das mulheres representa somente 63,3% do que recebem os homens.
Entre as mulheres de 25 a 54 anos, 63,3% estão ocupadas, enquanto entre os homens da mesma tira etária, a taxa de ocupação é de 84,5%. Além do nível de ocupação menor, as mulheres inseridas no mercado também precisam enfrentar mais a informalidade (39,6%) do que os homens (37,3%).
Comparando-se a taxa de informalidade das mulheres pretas ou pardas (45,4%) e dos homens brancos (30,7%), a diferença é ainda maior.
A presença de crianças de até 6 anos de idade em morada desfavorece a participação das mulheres no mercado de trabalho, mas favorece os homens. Enquanto o nível de ocupação de mulheres que vivem com crianças nessa tira etária cai para 56,6%, o de homens sobe para 89%. As pretas e pardas nessa situação são mais afetadas (51,7% de ocupação) que as brancas (64,2%).
Não são só as crianças que impactam o aproximação das mulheres ao mercado de trabalho. A realização de serviços domésticos também desfavorece esse público.
As mulheres dedicavam, em média, 21,3 horas semanais a serviços domésticos ou desvelo de pessoas, em 2022. Isso representa quase o duplo do tempo que os homens gastavam nas mesmas tarefas (11,7 horas).
“Pede-se para prezar o conjunto de horas que foram dedicadas naquela semana de referência [a essas atividades]. A pesquisa pergunta se precisou levar ou buscar uma petiz na escola, se ajudou a fazer tarefas de morada, se cuidaram de pessoas com deficiência ou idosos. E pede-se para prezar a quantidade de tempo que a pessoa dedicou a essas tarefas”, explica a pesquisadora Bárbara Cobo.
Segundo ela, desde 2012 não há mudança significativa no tempo devotado por homens ou mulheres nessas tarefas. “A diferença entre homens e mulheres diminuiu pouco, continuam as mulheres mais ou menos fazendo o duplo de horas na semana em trabalho doméstico não remunerado que os homens”.
Ainda segundo o IBGE, as mulheres pretas ou pardas gastavam ainda mais tempo (22 horas) que as brancas (20,4) nas tarefas domésticas ou desvelo de pessoas, ou seja, 1,6 hora a mais.
O trabalho doméstico acaba representando dupla jornada para muitas mulheres que, fora de morada, têm empregos remunerados. Somando-se o tempo de trabalho remunerado e não remunerado, o público feminino também trabalha mais (54,4 horas) do que os homens (52,1 horas).
As tarefas domésticas também são um dos motivos que fazem com que mais mulheres tenham que assumir somente trabalhos com fardo horária menor, os chamados trabalhos parciais. Segundo o IBGE, 28% da população feminina ocupada estão em trabalho parcial. Entre os homens, o percentual é de somente 14,4%.
As pretas e pardas têm percentual maior do que as brancas, em termos de população ocupada em trabalhos parciais: 30,9% diante de 24,9%.
“Porquê o dia só tem 24 horas e as mulheres se dedicam mais a cuidar dos serviços [domésticos], sobram menos horas para elas se inserirem no mercado de trabalho. Isso é histórico”, afirmou Bárbara.
Luta permanente
A sergipana Antônia do Perpétuo Socorro dos Santos chegou ao Rio de Janeiro aos 20 anos para ser empregada doméstica na morada de um parelha em Ipanema, na zona sul da cidade. Passava o dia inteiro na residência, onde também dormia de segunda até a tarde de sábado, quando ia para morada.
Já casada, passou a trabalhar cuidando de duas crianças em uma morada no bairro do Flamengo, também na zona sul. Lá, também dormia no trabalho e só se encontrava com o marido, que trabalhava em obras, no término de semana, na comunidade de Rio das Pedras, na zona oeste. Quando Priscila, a primeira filha, hoje com 39 anos, nasceu, resolveu parar de trabalhar. Não levou muito tempo e aceitou o invitação feito pela dona da morada para voltar ao serviço. Dois anos depois, se separou do marido que, conforme disse, “era muito sem responsabilidade”. A luta aumentou e deixou novamente o serviço de empregada doméstica para iniciar a trabalhar uma vez que diarista.
“Nessa idade, eu morava em Caxias. Acordava às 4h30, pegava o trem, trabalhava e voltava de noite”.
Quando a filha completou três anos, foi morar na Rocinha. A comunidade era mais perto da creche no Jardim Botânico, onde Priscila passava o dia. “Eu trabalhava uma vez que diarista. Saía às 6h com ela e voltava às 18h. Quando chegava, era o período que tinha para lavar roupa, arrumar a morada e preparar a janta para a gente”, disse, ao descrever a rotina pesada de dupla jornada de muitas mulheres.
Para substanciar a renda, entre 1991 e 1993, arranjou um trabalho de carteira assinada entre segunda e sexta-feira, no Jardim Botânico, sendo que na quinta, em pacto com a dona da morada, saía no início da tarde para um trabalho de diarista, que se juntava com outra morada no sábado. Também lá a filha passava o dia todo na escola no Humaitá, bairro próximo. “Precisei trabalhar mais ainda”, contou, revelando que, pelo período de dez meses, passou a dormir durante a semana na morada para conseguir juntar quantia para comprar uma morada na Rocinha.
Em 1997, com Antônio, o segundo marido, teve Yasmin, a filha mais novidade. “A guerra era a mesma. Saía para trabalhar. Tinha a correria porque ela ficava na creche e tinha horário para pegar. Ao chegar em morada, a luta era maior porque tinha duas filhas, marido, tinha que passar roupa, arrumar a morada. Aquela lida de sempre”.
Hoje, aos 65 anos, Antônia disse que valeu a pena tudo que fez na sua trajetória. “Valeu a pena por eu ter me valoroso tanto, valeu a pena pelo que fiz pelas minhas filhas e uma vez que criei. Valeu a pena porque consegui comprar uma morada. Teve um período em que morei com a Priscila em um quarto e acordei um dia com três ratazanas que subiram pelo vaso. Logo, toda essa guerra que passei vi resultado, porque tenho a minha morada”, completou.
O orgulho é de ver as filhas encaminhadas na vida. “Minhas filhas estudaram. Uma filha é enfermeira e tem outros cursos além da enfermagem. Hoje em dia trabalha em um hospital. A outra está se formando em fisioterapia, mas tem um trabalho maravilhoso. Tudo que fiz valeu a pena. Todo esforço de pactuar cedo e dormir tarde, hoje em dia eu coloco a cabeça no travesseiro e agradeço a Deus por tudo que tenho, uma vez que agradeço a todas as pessoas com quem trabalhei que me deram a maior força”.