Mesmo em meio à instabilidade da indústria do luxo, a voga francesa reafirma a força das grifes com diretores criativos de longa data.
Há uma névoa de incertezas envolvendo a voga. Se o primeiro dia do calendário milanês de outono/inverno 2025 foi marcado por dúvidas, a atmosfera parece ter se tornado mais ligeiro na capital francesa.
Ainda na Itália, o dia 25 de fevereiro foi particularmente nebuloso, quando a Gucci decidiu apresentar sua coleção para o próximo outono/inverno sem um diretor criativo —assim uma vez que há exatos dois anos, quando Alessandro Michele deixou a lar. Desta vez, aconteceu o mesmo com seu sucessor, Sabato De Sarno, que permaneceu no função por menos de dois anos.
A espera pelo próximo diretor criativo da grife, no entanto, está prestes a perfazer. Segundo o jornal italiano La Repubblica, há grandes chances de Hedi Slimane, que esteve avante da Celine por quase sete anos, ser anunciado uma vez que o novo estilista no próximo dia 13 de março.
Enquanto isso, em Paris, o clima parece inabalável. Estreias aguardadas, uma vez que a de Haider Ackermann na Tom Ford e a de Sarah Burton na Givenchy, recolocaram as grifes nos trilhos. A Chanel, ainda à espera da estreia de Matthieu Blazy em outubro, apresentou uma coleção equilibrada, reinterpretando seus códigos tradicionais – tweeds, fitas de cetim e pérolas. Enfim, a marca sabe operar em piloto automático, e seu resultado já se vende por si só.
A maior prova de segurança da temporada francesa, que começou em 3 de março e terminou na última terça-feira, dia 11, veio de casas que mantêm uma relação de longo prazo com seus estilistas. Essa consolidação de estilo, muitas vezes interpretada uma vez que repetição, é, na verdade, uma garantia de congruência e solidez criativa.
Entre elas está Maria Grazia Chiuri, que não parece partida pelos rumores sobre sua saída da Dior. A italiana, há oito anos avante das coleções femininas da marca, não dá sinais de despedida —mesmo com boatos sobre a verosímil ingressão de Jonathan Anderson, hoje estilista da Loewe, para comandar todos os segmentos.
Ao menos até seu desfile Cruise 2026, marcado para 27 de maio, em Roma. Seu retorno à cidade natal pode indicar um término de ciclo? Talvez. Por ora, ela segue imersa no Dior Heritage, prédio que abriga o registro da grife, dissecando histórias ainda não revividas e estabelecendo um diálogo com seus antecessores.
Um deles é Gianfranco Ferré, arquiteto e ex-diretor artístico da maison entre 1989 e 1996, que resgatou a feminilidade em um guarda-roupa pautado pelo contraste entre leveza e rigidez. Por isso, as camisas brancas —símbolo da roupa liberta de estereótipos de gênero para Chiuri— surgem acompanhadas de transparências, jacquards e babados em golas removíveis. Mas também de casacos estruturados, bustiês, crinolinas e alfaiataria masculina, uma vez que o fraque, além de peças utilitárias.
Já as camisetas J’adore Dior, que marcaram a coleção street de John Galliano para o prêt-à-porter de outono/inverno 2001, retornam à cena em versões minimalistas ou adornadas com rendas.
Da mesma forma que revive a história da maison, a estilista procura uma conexão com o feminismo, seja na arte, na dança ou na literatura. Desta vez, ela escolheu “Orlando”, romance publicado por Virginia Woolf em 1928, uma vez que cerne para a construção da narrativa de sua passarela.
Para a Hermès, epítome da elegância francesa, a sensualidade sempre foi introduzida de forma sutil. No entanto, Nadège Vanhée-Cybulski criou uma atmosfera que remete às raízes de cavalaria da maison, ambientando o desfile em um labirinto de terreno por onde amazonas desfilavam vestindo os couros mais macios.
Essa sofisticação se manifesta em casacos alongados com aberturas em fendas, saias, shorts, vestidos com decotes sedutores e calças. Os acessórios desempenham um papel forçoso, com luvas, botas de canudo cimalha e as bolsas icônicas que colecionam clientes ansiosas na lista de espera, uma vez que a Birkin e a Kelly.
Uma vez que coadjuvantes ao epiderme, o cashmere e a seda trazem novas camadas de sofisticação. O primeiro acrescenta conforto aos suéteres de gola subida, com ou sem zíperes laterais, enquanto o tecido acetinado –um dos materiais emblemáticos da grife– molda a silhueta ajustada, mas ainda assim fluida. Uma sequência sublime que comprova uma vez que a ousadia se traduz no estilo cotidiano da marca, que reina –sozinha— no pináculo do luxo.
Nas palavras de Nicolas Ghesquière, diretor criativo da Louis Vuitton, “quem nutriz pode pegar um trem”. “Abraços, rompimentos, reencontros, viagens com amigos. Tantas encruzilhadas convergem na estação, em todas as eras e fases da vida.
O ponto que realmente me interessou foi o saguão”, afirma o estilista, que escolheu o L’Étoile du Nord, um prédio vizinho à Gare du Nord, uma vez que palco para seu desfile. “É um lugar magnífico, uma vez que o palco de um teatro, mas pouco divulgado e secreto”, acrescenta.
Entre as fileiras, os holofotes recaem sobre looks fabulosos, caracterizados por sobreposições volumosas de transparências, estampas vibrantes e acessórios marcantes. Há também vestidos de feminilidade extrema, com elementos já conhecidos de sua passarela: ombros marcantes, cinturas muito definidas nos modelos curtos e slip dresses que exalam sensualidade dentro de uma estética moderna, sempre com um repercussão dos anos 1980.
Tudo isso embalado pelo som do Kraftwerk, trilha sonora escolhida por Ghesquière.
“O álbum deles, ‘Trans-Europe Express’, foi uma grande inspiração. Tudo — a música, o vídeo, vê-los no divisão… E o trem tem um nome tão evocativo, uma traço expressa de prestígio para viajantes europeus. A toga aparece em alguns looks e acessórios”, explica o designer, que, há mais de uma dez, traduz a arte de viajar —DNA da Louis Vuitton— para o vestuário feminino.
Se Miuccia Prada é a bússola criativa da Miu Miu desde sua geração, em 1993, seus questionamentos mais íntimos sobre a feminilidade sempre se tornam o fulcro de suas coleções. Trebelhar com diferentes noções dos símbolos femininos significa resgatar itens tradicionalmente glamourosos — uma vez que estolas e casacos de pele de carneiro, meias bordadas com pedrarias, broches e até sutiãs — e reinterpretá-los à luz da contemporaneidade.
O resultado dá à pequena Miu Miu um novo arsenal de sedução, que inclui jaquetas bomber, blusas de segunda pele e saias de namoro reto supra do joelho. Tudo, simples, sob os padrões da senhora Prada.