Tendo muito verba ou não, toda pessoa está à extremidade do colapso, e “Os Outros” sabe muito disso. Depois narrar o desenrolar da disputa entre duas famílias de classe média, a segunda temporada da série se muda para um condomínio de luxo do Rio de Janeiro na ânsia de escrutinar o caos vivido por gente rica.
Ali, muito milionário vive de frente. É o caso da novidade protagonista, Raquel, uma corretora de imóveis bem-sucedida e rica, que finge estar feliz, mas sofre por não conseguir engravidar, o que pensa ser crucial para manter o matrimónio de pé.
Ela é interpretada por Leticia Colin, agora no panteão de estrelas da Mundo em seguida o sucesso de Vanessa, sua vilã na romance “Todas as Flores”. Mas, se aquela personagem era uma ambiciosa desvairada, esta segue por outro caminho —Raquel é metódica, preocupada, e muito religiosa. Ela lidera uma célula, ou seja, uma reunião de moradores do condomínio que querem comungar a vocábulo de Deus.
A princípio a série dá indícios de que vai usar Raquel para criticar fanatismo religioso, mas o fundador e responsável Lucas Paraizo afirma que essa não é a intenção. “Pelo contrário, quero humanizar a religião. Essa temporada é sobre fé. O elemento surge de forma estereotipada, mas isso muda à medida que a história avança.”
“Quero dialogar com os religiosos. Os evangélicos, principalmente, que estão tomando protagonismo no nosso país, não são unicamente um tipo de pessoa. São diversos e complexos, é nisso que quero tocar”, ele diz.
Nesse sentido, “Os Outros” deve amenizar também as cenas de violência. A temporada principiante exibe nos primeiros minutos o rosto de um juvenil ensanguentado, depois mostra um marido agredindo sua mulher, e, mais adiante, filma um varão sendo empurrado da sacada do apartamento.
Cenas do tipo foram consideradas corajosa por uns, mas apelativas por outros. “A violência dessa temporada é menos visceral, menos física, está em outra instância. É menos reativa, mais premeditada. Não mudei para deleitar, foi porque quis tratar essas cenas sob outra ótica para ampliar a discussão sobre o que é violência”, afirma Paraizo.
Para além das brigas e mortes, “Os Outros” é sobre intolerância, define o responsável. A trama nasceu no Brasil polarizado de 2019, quando o cenário político fervia com o início da gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro. À era, o responsável notou que havia cada vez mais embates entre familiares e vizinhos, cenário que só piorou com a chegada da pandemia.
“A intolerância está em várias camadas da sociedade. A primeira temporada começa com um soco na rosto, numa quadra esportiva. Mas depois, vai entrando naquele condomínio, e você percebe que todas as relações estão contaminadas”, afirma o responsável. “Trazer o conflito para dentro de vivenda, essa é a anatomia que nos interessa.”
“Os Outros” é uma série antológica, com cada temporada contando a história de diferentes personagens, ainda que dentro de um mesmo universo —caso de “True Detective” e “The White Lotus”, uma referência declarada para Paraizo. Firmado há anos no mercado internacional, o formato ainda foi pouco explorado no Brasil.
Paraizo quis fazer uma selecta porque passou anos recluso ao padrão tradicional de seriado no drama médico “Sob a Pressão”, com cinco temporadas lançadas entre 2017 e 2022. Foi nessa era que ele virou figura de prestígio na Mundo, uma missiva na manga da emissora para lançar produções consideradas mais cabeçudas.
Para tentar conseguir o resultado, o Globoplay pôs na direção Luisa Lima, tida uma vez que uma das mais autorais da Mundo, com “O Rebu” e “Justiça” no currículo. Em “Os Outros”, ela abusa dos ângulos não convencionais para dar uma rosto mais artística à série.
Foi Lima quem convidou Leticia Colin para interpretar Raquel. As duas já tinham trabalhado juntas em “Onde Está Meu Coração”, série que rendeu a Colin uma indicação à estatueta de melhor atriz no Emmy Internacional do ano retrasado pelo papel de uma médica que sofre com vício por crack.
“Eu me atraio por esse lado estético da Luísa, o enquadramento, a luz, os planos sequência. É o tipo de coisa que numa romance não podemos fazer. Mas eu não seria zero sem as novelas ruins que já fiz”, diz Colin.
Ela se junta a um elenco que tem Sergio Guizé, Thomas Aquino e Adriana Esteves, que reprisa o papel de Cibele, uma mãe superprotetora. Sua personagem, protagonista na primeira temporada, segue buscando o rebento Marcinho, interpretado por Antonio Haddad, agora barbudo e fugido. Nos novos capítulos, o menino tenta reencontar sua ex-namorada e o rebento, que estão sob vigia do contraditor Sérgio, interpretado por Eduardo Sterblitch.
O ator atribui ao vilão uma viradela na sua curso. Isso porque ele ficou espargido uma vez que humorista, fazendo uma sátira de Freddie Mercury no programa Pânico da TV!, da Rede TV! e da Band, há mais de uma dezena. “Eu era moleque de teatro ruim, feito para pouca gente”, diz.
Na novidade temporada, Sérgio enriquece e se muda com a família para a residência vizinha de Raquel, com quem vai entrar em conflito. Em paralelo, ele usa sua lábia e malícia para vencer uma eleição na Câmara dos Vereadores.
“Existe muita gente uma vez que ele no Rio de Janeiro, que faz merda e se acha supra da lei”, diz Sterblitch. “Meu repto é levar o Sérgio a ter carisma mesmo sendo um mau-caráter. Isso faz com que o público queira, de certa forma, ser uma vez que ele, sem vergonha de quem é.”