Série Sobre Jô Soares: Como Contar Uma Vida Gorda

Série sobre Jô Soares: como contar uma vida gorda – 02/08/2024 – Gustavo Alonso

Celebridades Cultura

Estreou nesta semana a série documental “Um Ósculo do Gordo”, sobre a trajetória do comediante Jô Soares. Com quatro episódios produzidos pelo núcleo de documentários da Globoplay, a série é mais uma das recentes produções que subestimam boas histórias em troca de bajular artistas.

Desde o início da dezena, a Globoplay vem se destacando em lançar obras biográficas de artistas famosos da cultura brasileira porquê Xuxa, Juliette, Sullivan e Massadas, Ayrton Senna, Tim Maia, Chitãozinho & Xororó e Galvão Bueno. Capitaneado por Pedro Bial, o núcleo documentarista da Mundo produziu pérolas porquê “Vale O Escrito”, sobre o jogo do bicho no Rio de Janeiro. E também alguns bons documentários biográficos porquê “A Mão do Eurico”, sobre o cartola vascaíno, e “O Esquina Livre de Nara Leão”, sobre a cantora que fez história na música brasileira. Mas, afora essas honrosas exceções, perdura nos documentários produzidos pela Globoplay um viés de puxa-saquismo de famosos.

A série “Um Ósculo do Gordo” tem direção artística de Antonia Prado e roteiro e direção de Renato Terreno. Os diretores se dão muito na separação dos quatro episódios. Embora o primeiro tenha ficado pequeno para abordar a vida de Jô do promanação até 1988, os episódios seguintes conseguem justificar-se narrativamente.

O segundo incidente trata do sucesso do programa “Jô Soares Onze e Meia”, que de 1988 a 1999 encantou as madrugadas brasileiras ao introduzir o formato do talk show no Brasil, transmitido pelo SBT. O terceiro incidente conta a volta de Jô para Mundo em 2000 até a aposentadoria a contragosto em 2016 e sua morte em 2022. O quarto incidente, o mais interessante, narra a intimidade do apresentador que sempre foi bastante reservado.

A separação de capítulos na vida de um biografado é sempre uma escolha narrativa que demonstra sentidos subjacentes da obra. Em “Um Ósculo do Gordo” fica evidente no círculo narrativo o tom de “volta do fruto pródigo” à emissora do Jardim Botânico. Os atritos com a Mundo são quase sempre relativizados. A ruptura entre a emissora e o humorista e sua consequente saída em 1988 são mostrados porquê mera luta de temperamentos entre Boni e Jô. Em troca da complacência na forma porquê a Mundo é mostrada no documentário, Jô sai da série porquê um personagem santificado, sempre generoso e bondoso.

Alguns entrevistados parecem exclusivamente legitimar a genialidade do humorista, e não fica evidente o porquê de estarem no documentário. É o caso de Fernanda Montenegro, uma espécie de narradora no início do primeiro incidente —que depois desaparece sem muita explicação e sua filha Fernanda Torres, que zero tem a expressar além de elogiar Jô. Outros entrevistados foram subutilizados, porquê é o caso de Drauzio Varella, companheiro pessoal do humorista. Drauzio merecia desabrochar mais, quiçá tal qual a surpreendente participação da cantora Zélia Duncan.

Porquê a anelo era exclusivamente homenagear Jô, o documentário perde a chance de propor uma reflexão mais densa sobre algumas questões importantes. Por exemplo, a evolução do humor. Será que a comédia de Jô ficou datada?

Jô fez segmento da geração do humor na TV fundamentado em tipos e bordões, da qual ele e Chico Anysio foram os principais nomes. Alguns de seus personagens hoje talvez fossem cancelados, porquê o icônico Capitão Gay. Talvez também fosse o caso da personagem Dalva Mascarenhas, a feminista de bigode, Bocão, o dentista tarado, Atlas, o liliputiano do bordão “só porque eu sou baixinho!”, e o invasivo galanteador Décio, de quem ríamos inocentemente sem problematizar o atual “não é não”.

Outra questão infelizmente não abordada na série é a gordofobia. As namoradas Claudia Raia e Flavia Pedras até confessam que no início da relação resistiram aos encantos do humorista por gordofobia, mas zero mais denso é aprofundado pelos documentaristas. Uma pena.

Unicamente numa breve passagem vislumbra-se uma brecha do que poderia ser um filme menos chapa-branca. Quando Fábio Porchat narra sua estreia na TV aos 18 anos porquê um testemunha metido do programa do Jô, parece até que uma face menos glamourizada do humorista irá desabrochar. Porchat contou que, depois de se tornar famoso, ele foi entrevistado por um apresentador antipático e enciumado: “Aí começa uma das relações mais difíceis da minha vida: com o Jô. Foram 10 minutos que o Jô só me dava porrada. Eu falei: eu nunca mais vou voltar nesse programa. Para ser maltratado, não quero, não vou”.

Porchat se reconciliou com Jô em 2016, quando oriente foi a seu talk show na TV Record. Mas o documentário é simplista na glorificação do humorista, sempre mostrado porquê generoso e clemente. Se Porchat conseguiu ser bendito pelo paraninfo, outros humoristas foram alvos de seu desprezo.

Foi o caso do humorista Márvio Lúcio, espargido porquê Carioca, que imitava Jô Soares de forma hilária no Programa Pânico. Durante anos os comediantes do programa tentaram contato com Jô que nunca quis papo e ignorou solenemente o Pânico. A ponto de Carioca largar o personagem Jô Suado, descontente por não ser percebido porquê uma homenagem ao rabi. Jô nunca entendeu as novas gerações do humor. Em sua egolatria, não via zero de novo no stand up e reagia muito mal quando era ironizado ou superado pelos mais jovens.

O caso de Carioca do Pânico não foi abordado em “O Ósculo do Gordo”. A fuga de polêmicas empobrece a qualidade artística da série. Se a Mundo quer fazer mera propaganda de si mesma e de seus artistas era melhor reavivar o programa Vídeo Show.

A curso sumptuoso de Jô ainda precisa ser analisada sem viés adulatório. O termo de sua curso, em que sua egolatria ficou patente e inviabilizou o programa, precisa ser refletida de forma a se pensar a trajetória de artistas geniais e revolucionários, mas que reagem mal quando se veem ameaçados pela roda da história.

É preciso mais coragem e anelo nas narrativas biográficas, o que vem faltando às produções da Globoplay. A forma de se recontar uma vida tem que estar à profundidade do ror visual da maior rede de TV do Brasil.


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Folha

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