Muito humorado, Sidney Magal senta para mais uma entrevista num dia referto delas. Nem por isso o cantor de 73 anos mostra sinais de cansaço. Ele dá um sorriso de esquina de boca, arqueia a sobrolho e contorce as mãos, na pose de amante latino que o consagrou. Mirando sedutoramente as câmeras que o cercam, dispara piadas, galanteios e memórias.
São elas que servem de matéria-prima para um projeto que não é muito seu, mas que gira em torno de sua figura. Com estreia nos cinemas nesta semana, “Meu Sangue Ferve por Você” foge das cinebiografias que tomaram as bilheterias nacionais para submergir no íntimo de sua relação amorosa com Magali West, com quem é casado há 42 anos.
Uma comédia romântica músico, o filme acompanha o planeta em seu auge, no início dos permissivos anos 1980, entorpecido pela nomeada e o assédio de fãs. Até que, num show em Salvador, cruza com a moça, que não o reconhece e, num clichê irresistível do gênero, conquista seu paixão obsessivo.
“É emocionante saber que minha história de paixão é até mais importante do que a da minha curso, mas fui com um pé detrás”, afirma Magal, sobre quando ficou sabendo da teoria do filme, sob os protestos da equipe, que brinca que vai invocar West para o domar.
É que Magal, completamente devotado à mulher, é folião, airado com o tempo de entrevista e com filtros que normalmente se impõem em conversas com jornalistas. Uma tragédia de relações públicas, poderíamos expor, embora tudo o que dispare seja embalado em seu charme habitual.
Dessa forma, fala com naturalidade sobre a hipermidiatizada frase que disse no Roda Vida no início do ano, de que todos são bissexuais, ele incluso, porque em todos há morada para o masculino e o feminino.
Questionado sobre a vaga de cultura queer na música , com expoentes uma vez que Pabllo Vittar, diz se sentir uma espécie de drag queen. “Eu era, porque eu tinha brilhos, cores, roupas bufantes, sapatos de salto brilhosos. Eu me sentia muito muito fazendo aquilo. Eu criei uma persona que não era nem varão, nem mulher”, diz. “Meu rebento me diz hoje que eu era muito gay quando comecei, e, vendo alguns programas, eu tinha mesmo esse misto. Até hoje tenho.”
“Meu Sangue Ferve por Você” se passa nesse auge criativo de Magal e, portanto, quando consolidou sua estética extravagante. Agora, ele conta, não tem mais saúde ou idade para subir nos saltos plataforma de antes e deixa a missão para Filipe Bragança, nome novo da dramaturgia brasileira que chamou a atenção em “Elas por Elas” e “Justiça 2”
“Ele é um artista muito completo, muito popular, portanto foi uma responsabilidade muito grande. Eu tinha terror porque é fácil tombar numa caricatura do Magal, mas meu trabalho era ir no caminho contrário”, diz o ator, de 23 anos.
Inicialmente, José Loreto faria o papel, mas deixou o projeto por conflitos de agenda. O ator pode estar visualmente mais próximo de Magal, mas Bragança tinha um trunfo que surpreendeu os produtores. Com curso no teatro músico, suas cordas vocais estavam prontas para emular o vozeirão do cantor.
Não fosse o aviso de que é ele próprio cantando “Sandra Rosa Madalena”, seria fácil encontrar que o ator se limita a mexer os lábios em cena. Paulo Machline, o diretor, diz que havia dois caminhos a serem tomados musicalmente pelo filme.
O primeiro se aproximava de “Rocketman”, biografia de Elton John em que Taron Egerton canta pelas ruas com a própria voz. O segundo, mais de “Bohemian Rhapsody”, em que Rami Malek deixava uma mistura de vozes e sintetizadores cuidarem das canções de Freddie Mercury, apresentadas sempre nos palcos.
Decidiram pelo primeiro, um tanto que se reflete também nas intenções do filme de ser um músico à la Broadway, sob influência de “Moulin Rouge!” e “La La Land”. A cantoria não fica restrita ao personagem de Magal, e Giovana Cordeiro, uma vez que Magali West, Emanuelle Araújo, uma vez que a mãe da moça, e Caco Ciocler, no papel clichê do empresário tirânico, também soltam a voz.
Tudo contribui para o tom escapista que, Bragança acredita, é importante para o momento. “É o tipo de filme bemvindo depois alguns anos muito difíceis. Politicamente, a gente passou por poucas e boas. É momento de termos um pouco mais de leveza”, afirma.
Magal concorda, tecendo um argumento menos politizado, mas talvez mais pessimista. Segundo ele, existe hoje uma “indústria do terror”, e nos falta oportunidade para falar de paixão. “Eu não acredito mais tanto no ser humano e acho que o mundo piorou bastante. As pessoas ficaram mais egoístas, mais exclusivistas. Ruins, infelizmente.”
São reflexões que inundaram sua mente nos últimos meses, depois de um susto. Há um ano, o cantor teve um pequeno acidente vascular cerebral em cima do palco, que o deixou internado por 11 dias. Percebeu, ali, que já não era o touro indomável registrado em “Meu Sangue Ferve por Você”, e que era hora de dar mais atenção à saúde.
Ele não deixou os palcos, mas diminuiu o ritmo. “Eu ainda sou o Sidney Magal, mas o Sidney Magal velho. Eu não posso vestir aquelas calças apertadas, os saltos plataforma e tentar me lastrar com meu peso e minha idade. Não me sinto velho, caindo aos pedaços, mas sei dos cuidados que eu tenho que ter”, afirma.
“Ainda me sinto um touro, mas domado. Entro no palco com a mesma garra, mas olho para o pavimento, vejo se o tapete está enrugado, se tem alguma tábua solta.
“Eu nunca entendi muito a morte. Eu olho para a Magali, com 61 anos, e eu, com 73, e eu pranto ao me perguntar: ‘Gente, isso vai completar? Por quê? Foi tão bonito’. Eu tenho um paixão pela vida tão grande que eu queria que ela fosse eterna, mas sei que esse é o único pedido que eu não posso fazer a Deus.”