Embora sejam ambientes inóspitos e indesejados por qualquer pessoa em sã consciência, os presídios costumam ser cenários bastante atraentes no cinema. No conforto da poltrona, os espectadores exclusivamente assistem aos perrengues alheios, de quem tem que conviver com pessoas que fizeram as coisas mais abomináveis e que precisa mourejar com um sistema carcerário em universal hostil, quando não cruel.
Mas os “filmes de prisão” também falam bastante sobre a sociedade do lado de fora. É simples que a bestialidade de alguns detentos também atrai, de modo sensacionalista, segmento dos espectadores, mas muito do interesse dessas obras se deve à exploração de uma faceta dos presidiários que o mundo extrínseco não tem interesse em saber: o lado humano dos detentos. Suas contradições, talvez até suas razões, seu espírito solidário.
E alguns deles, porquê “Um Sonho de Liberdade”, de Frank Darabont, de 1994, tocam tão profundamente as plateias que se tornam cults instantâneos. “Sing Sing” nunca chega a ter o nível de adesão do público porquê o longa de Darabont, mas segue a mesma risca, tentando apresentar o presídio porquê um sítio terrível, mas também capaz de propiciar momentos construtivos na vida dos internos. Proporcionado sobretudo pelo arrimo reciprocamente entre os presidiários.
O longa, dirigido por Greg Kwedar, inspira-se em uma experiência carcerária real, de um programa de restauração de internos por meio do teatro na enxovia. Clarence Maclin, ex-presidiário que participou desse programa, escreveu um roteiro sobre sua experiência, que foi levado à tela com o próprio Maclin no papel de si mesmo. A maior segmento do elenco, aliás, também é de ex-presos que integraram o programa, o que ajuda a trazer um elemento de verdade ao filme.
Na trama, Maclin, divulgado na enxovia porquê Divine Eye, entra para o grupo teatral e traz ideias inovadoras. Em vez de montagens sisudas, sugere um tanto mais aventado, com mais conexão com os presidiários. Assim, entra em conflito com Divine G, vivido por Colman Domingo (um dos poucos atores profissionais em cena), que foi recluso injustamente, mas que tenta não enlouquecer se dedicando a atuar e ortografar peças para o grupo. Mas logo os dois esquentadinhos entendem que têm muito mais a lucrar caso se unam do que se ficarem em disputas pequenas, que não levam a zero.
Sing Sing é o nome do presídio em questão —o termo vem de um linguagem indígena da América do Setentrião, mas remete inevitavelmente ao verbo “to sing”, que em inglês significa “trovar”. Ou seja, há marchetado no título do longa uma certa exortação à frase artística –”cante, cante”, que seria um modo metafórico de falar sobre o que os encarcerados precisam fazer para manter a sanidade na prisão. Não só ao encarar os erros do pretérito, mas também as dificuldades atuais e a falta completa de perspectivas para o horizonte. A arte, nesse sentido, pode ser magnificamente terapia.
O filme é sobrecarregado de positividade, mesmo nos trechos mais pesados. Mas se não se centrasse tanto no confronto entre os dois Divines e se predispusesse a ser uma obra verdadeiramente focada em desvendar as demais personagens, talvez fosse um filme mais valioso. Porque é justamente esse material mais bruto, dos presidiários interpretando versões de si mesmos, que o longa traz de diferencial –tudo o mais, é melodrama prisional corriqueiro.
Invocar os presidiários não profissionais de “não atores” seria um erro, porque os que aparecem no filme demonstram simples conhecimento das convenções de uma performance. Porque apesar de eles aparecerem em cena interpretando variações do que eles mesmos são (ou foram) na vida real, não atuam com a crueza e os desacertos que os “não atores” em universal costumam patentear em filmes. E são todos excelentes –um testemunha desavisado poderia facilmente crer que são profissionais.
O grande destaque é mesmo Maclin. Mas Colman Domingo tem uma atuação admiravelmente precisa, muito difícil dada a sua exigência de profissional em meio a amadores. Propenso ao histrionismo, desta vez ele demonstra um enorme autocontrole. Tem a exata noção de que precisava evitar que sua expansividade dominasse o longa. Ele entende que seu personagem tem uma importante função de “escada” aos ex-presidiários reais reproduzindo suas experiências.
O que tem um efeito paralelo ruim: seu personagem não nos oferece substrato o suficiente para compreendermos suas motivações. A docilidade com a qual aceita estar na enxovia sem ter cometido crimes, por exemplo, nunca é por totalidade persuasivo. Mas a grandeza do ator em admitir se esmaecer em nome dos colegas já tornam o filme digno de assombro.