Traços simplórios e coloridos revelam cenas desconcertantes, em que mulheres fazem sexo com tatus gigantes e cabeças humanas brotam de uma indivíduo meio pássaro, meio sapo. O ilustração é do artista goiano Moacir, que tem o estande da galeria Compacto devotado a sua obra na SP-Arte Rotas Brasileiras.
Ele é um dos vários artistas que já têm prestígio em sua região de origem, mas é ainda ignoto pelos colecionadores do Sudeste, a região mais aquecida financeiramente. É nesses novos nomes que está a mira da feira, mana mais novidade da SP-Arte, que acontece dos dias 28 de agosto a 1 de setembro na ARCA, em São Paulo.
Novo não é sinônimo de jovem. Aos 70 anos, Moacir terá sua primeira mostra solo em São Paulo na feira, ainda que tenha começado a riscar com pedra e carvão quando jovem na Vila de São Jorge, na Chapada dos Veadeiros, onde nasceu.
Ainda jovem, Moacir teve um “surto muito multíplice e nunca tratado”, conta Divino Sobral, diretor artístico da Compacto, galeria de Goiânia que completou um ano em maio. Ficou anos sem ter contato social com outras pessoas e, já adulto, trabalhou porquê garimpeiro. Os seres metamorfos que desenha e suas interações intensas com a natureza são fruto de visões do artista.
“Ele desenvolveu uma perceptibilidade própria de elaboração, meio assombrosa, fantástica e repugnante”, diz Sobral. “As imagens sertanejas de conexão entre varão e natureza são atualizadas por ele com sua experiência mental e mística.”
Em 2017, chegou a ter uma tela exposta ao lado de um Picasso no Masp, para a mostra “Histórias da Sexualidade” —mas, apesar do sucesso na região, o trabalho de Moacir continua fora do rotação mercantil.
Segundo Fernanda Feitosa, criadora da SP-Arte e da Rotas Brasileiras, a feira que acontece em abril é mais competitiva e os colecionadores, preocupados em fechar negócio logo, dão mais atenção às galerias líderes no mercado. Na Rotas, o comprador dedica mais tempo a saber o que é trazido de outros estados. “Ele vai para procurar a novidade. Já na SP Arte, ele procura [artistas] consolidados”.
Sobral diz que o momento para ressaltar o trabalho de Moacir é propício, diante da movimentação global que realoca artistas antes fora do cânone para o meio de grandes exposições, porquê aconteceu na Bienal de Veneza e na de São Paulo, o que é também a proposta da SP-Arte Rotas Brasileiras.
Outras novidades são os artistas Thiago Martins de Melo, que recria com pinceladas expressivas batalhas míticas, rituais e epifanias fantasiosas, e Silvana Mendes, que reutiliza símbolos e fotografias de pessoas negras da era colonial para repensar seu lugar na história do Brasil.
Ambos são representados pela galeria Lima, de São Luis do Maranhão, e retornam à feira depois seu sucesso na edição passada. A Lima, também recente no rotação, foi fundada pelo colecionador Marco Antonio Lima, frequentador das feiras do Sudeste.
A Pilha, galeria de Salvador, trará obras de Gustavo Trigueiro, artista que usa materiais descartados porquê madeira, metal oxidado, vidro e cerâmica para fabricar objetos que remetem a símbolos preciosos para a cultura popular e rituais religiosos.
Outros nomes da feira ainda não são representados por galerias. É o caso de Maya Quilolo, que estudou no Sertão Preto, uma espécie de escola de arte e comunidade mantida pelo artista Dalton Paula.
Já as galerias paulistanas tradicionais que participam da Rotas deixam de lado seus Di Cavalcanti, Brecheret e Portinari para ressaltar artistas porquê José Tarcísio, representado pela Pinakotheke, ou Daiara Tukano e Gustavo Caboco, artistas indígenas levados pela Millan.
Não é estranho que depois de passar pela feira alguns artistas migrem para galerias maiores, mirando mais projeção, porquê aconteceu com o baiano Alberto Pitta, hoje representado pela galeria Nara Roesler, uma das mais poderosas do Brasil.
O cardápio variado evidência também o termo das barreiras entre galerias do mercado primordial, aquelas que comercializam e representam artistas recém-descobertos, e as do secundário, que revendem obras de grandes mestres da arte, de valor mais saliente. Casas porquê Dan, Simões de Assis e Gomide e Co., antes especializadas no mercado secundário, agora também lançam novos talentos.
A Gomide dedicará seu estande ao projeto “Rotas de Afeto”, em que são apresentadas obras de Lenora de Barros em diálogo com os trabalhos de seu pai, Geraldo de Barros, celebre fotógrafo, artista gráfico e designer industrial. Criando objetos com raquetes de pingue-pongue e colagens fotográficas, Lenora parece avultar humor e leveza ao concretismo do seu predecessor.
Foi uma maneira de reivindicar São Paulo enquanto região brasileira e cosmopolita na Rotas, diz Thiago Gomide, diretor da galeria, e apresentar os mestres junto dos novos talentos. “Todos os projetos da feira têm uma relação com a regionalidade, e São Paulo é uma região do Brasil, uma região poderoso, uma região pungente. E a Lenora é uma artista urbana, que discute a cidade”, diz.
Não será estranho ouvir inglês entre os estandes. Muitos curadores americanos e ingleses vêm à feira para saber o que há de novo no rotação artístico brasílio. Apesar do interesse internacional não ser uma novidade e já se estender por décadas, o que muda agora é a apresentação da arte brasileira por uma perspectiva mais descentralizada, segundo Rodrigo Moura, diretor artístico da Rotas e curador-chefe do Museu del Barrio, em Novidade York.
“Museus da Europa e dos Estados Unidos têm a possibilidade de ver uma arte brasileira que é mais diversa, mais descentralizada, mais múltipla, mais preocupada com as desigualdades raciais e sociais do Brasil e com a questão da amplitude geográfica”, diz Moura. Para ele, esse interesse faz segmento de um movimento global que destaca narrativas afro-diaspóricas.
“O rotação institucional e mercadológico muitas vezes não dá conta de abraçar a pluralidade da arte brasileira”, afirma Sobral, que apresentará Moacir em São Paulo. “O que somos, para além do que a história solene nos diz? O que está recluso no interno do país?”