Spfw criou cultura de moda sem manter relevância mundial

SPFW criou cultura de moda sem manter relevância mundial – 04/04/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Mais de 2.000 desfiles separam a primeira semana de voga paulistana, em 1995, da São Paulo Fashion Week que começa neste domingo. Também separam uma indústria que copiava a estética europeia desta que, hoje, discute o valor do artesanato lugar, da sustentabilidade e da roupa sem gênero.

Criada por Paulo Borges, a temporada vernáculo de desfiles foi responsável por organizar, a partir dos anos 1990 e 2000, o calendário de lançamentos de inverno e verão. Depois de 30 anos, o evento se consolidou uma vez que um espaço em que todos podem trespassar ganhando, as marcas, os fornecedores e também os clientes. Essa estruturação de processos, que tem seu ponto cimeira na apresentação das coleções, ajudou a gerar uma cultura de voga brasileira.

“Até portanto a gente não tinha uma cultura de voga estabelecida. Não tínhamos uma organização, uma conexão e um diálogo interdependente. Eram trabalhos muito solitários, muito individuais, o que fazia o processo muito mais difícil e muito mais lento, em todos os sentidos”, afirma Borges, idealizador da SPFW.

Agora, o evento inicia sua celebração de três décadas com uma edição enxuta de 17 desfiles —abertos só para convidados— no shopping JK Iguatemi e também em outros pontos da cidade.

A primeira edição do ano da SPFW, que acontece em abril e maio, é sempre menor do que a segunda, marcada para outubro, mas o evento de agora está principalmente reduzido. Para confrontação, as três últimas primeiras edições do ano, em 2024, 2023 e 2022, tiveram 27, 30 e 38 desfiles, respectivamente. Segundo a organização do evento, a maior secção das marcas preferiu fazer somente um desfile neste ano.

Entre os destaques deste ano, está a estreia de Leandro Castro, sabido por edificar suas peças com o fazer tecnológico e artesanal, e a MNMAL, de Flávio Gamaum, com estética sofisticada e preocupação sustentável.

Se o evento viveu seu auge nos anos 2000 e 2010, hoje encontra algumas dificuldades para manter a projeção internacional e ter a mesma popularidade de antes, de negócio com a jornalista e consultora de voga Lilian Pacce, que há três anos vive em Londres.

“Fazer voga no Brasil não é simples. O mercado brasílio é muito peculiar, porque ao mesmo tempo que ele é autossustentável, pela dimensão territorial do Brasil, ele fica muito dependente dele mesmo. Ele não consegue quebrar as fronteiras. Não há verba nem escora do governo”, diz Pacce.

Isso vai ao encontro do que acredita Borges. “Todas as políticas tributárias estão muito desatualizadas. Tem todo tipo de dificuldade verosímil para gerar marca global no Brasil. A gente tem quantas marcas globais? Havaianas, a Melissa, agora a Farm que está crescendo. É muito pouco.”

A jornalista ainda credita a outro fator o isolamento da SPFW no mundo. Diferentemente das semanas de voga europeias, que são geridas por instituições —uma vez que a Federação de Subida-Costura e Tendência, que organiza a Semana de Tendência de Paris, ou o Juízo Britânico de Tendência, da Semana de Tendência de Londres—, a brasileira é uma iniciativa privada.

Isso faz com que, segundo a jornalista Lilian Pacce, a semana de voga brasileira não priorize o que é apresentado em suas passarelas. “O ideal seria que evoluísse para uma coisa mais institucional, onde o importante é o teor e não a marca SPFW.”

Na sua opinião, isso contribuiria com a redução do impacto da mudança na indústria causada pela internet. “A prelo do jeito que existia antes não existe mais. Logo a cobertura é menos relevante do que antes e muito mais restrita do que antes. Quantos veículos sumiram, acabaram? Daí tem essa questão das redes sociais que colocou a voga num outro lugar.”

Mas Pacce também reconhece o valor do evento. “É muito importante subsistir. A gente precisa de um espaço que ajude o mercado a se organizar e se fortalecer.”

Nesse sentido, a estilista Heloisa Strobel concorda com a jornalista. Primeiro da marca Reptilia, ela faz seu segundo desfile na SPFW e já colhe os frutos desde a estreia no ano pretérito, quando viu o alcance da grife crescer.

“É um propulsor desse setor econômico cá no Brasil. Para um desfile uma vez que o nosso suceder, que dura mais ou menos dez minutos, só de ‘backstage’ tem mais de 120 profissionais envolvidos. Sem descrever o número de costureiras, modelistas que fazem aquelas roupas”, diz Strobel.

Em sua coleção “Tectônica”, a designer olha para a superfície da Terreno e para as camadas aquém dela, com uma paleta voltada para os tons terrosos. Ela inova ao inserir estampas pela primeira vez em suas peças e destinar algumas delas para o público masculino.

“A gente quer mostrar o novo varão, atualizado, com menos preconceito, com mais preâmbulo para novas criações de voga. Ele gosta de testar, usar peças femininas, e aproveita o guarda-roupa da amiga, da namorada.”

É no avesso da roupa, ou da construção de gênero, que também investe o estilista Walério Araújo. Com alfaiataria recortada e fluida, ele tenta romper as visões convencionais do que é se vestir uma vez que varão ou mulher.

Para isso, ele leva à passarela a influencer Maya Massafera, que passou por uma transição de gênero, com peças consideradas masculinas. “Com as roupas, podemos muitas vezes revelar lados que as pessoas não conseguem enxergar na gente”, afirma Araújo.

Para exaltar o feminino, por sua vez, o designer Weider Silvério faz uma ode às deusas e divas. Com inspiração nas Vênus da história da arte e nas figuras do pop atual, uma vez que Madonna, Cher e a brasileira Joelma, ele faz uma investigação sobre as silhuetas.

“Acho que o porvir é antepassado e feminino. Eu o consigo ver assim. Olhar para trás, para a ancestralidade e para o poder feminino. Eu sou um profissional que estou sempre rodeado de mulheres e penso que só elas podem mudar o mundo”, afirma Silvério.

Com o tema “Futuros Possíveis” e somente três mulheres designers nesta edição, resta saber se a SPFW também acredita nesse horizonte guiado por mulheres.

Folha

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