No terceiro dia da São Paulo Fashion Week, que acontece no shopping JK Iguatemi, as coleções exploraram desde a ancestralidade amazônica até questionamentos sobre tecnologia e identidade na era da perceptibilidade sintético. Nesta terça-feira (8), quatro marcas atravessaram a passarela do evento, Normando, Lino Villaventura, Dario Mittmann e a estreante, Leandro Castro.
O dia começou com a força poética da Normando, que apresentou sua segunda coleção na SPFW. Inspirada no livro “Chove nos Campos de Catarata”, do paraense Dalcídio Jurandir, a marca comandada por Marco Normando e Emídio Contente reafirmou seu compromisso com a identidade amazônica, aliando estética urbana e saberes ancestrais para entregar um dos melhores desfiles do dia.
A coleção reverberou a dualidade da floresta —entre delicadeza e resistência— com uma paleta que transitou entre virente dos campos e os tons queimados da devastação. Destaques porquê a camisola de látex e os looks compostos por juta-malva e filamento de buriti expuseram a potência de materiais amazônicos, enquanto as aparições de Dira Paes e Carol Ribeiro, também paraenses, ampliaram o tom de celebração às raízes da região.
A passarela recebeu ainda peças com referências a lingerie, porquê sutiãs cônicos e baby-dolls de cetim, justapostos a tecidos rústicos e alfaiataria plissada. A coleção masculina, mais contida nas cores, investiu em desconstruções e sobreposições, com peças que alternam rigor e fluidez.
Na sequência, o estreante Leandro Castro, que já desfilou na Vivenda de Criadores, apresentou formas abstratas e resíduos industriais. Com a coleção “Risco”, o estilista bebeu das fontes de Wassily Kandinsky e da estética japonesa para erigir um desfile que uniu tendência e arte.
Todas as peças foram desenvolvidas a partir de descartes —tecidos técnicos, uniformes descontinuados, feltros industriais— transformados em roupas de volumes orgânicos, plissados manuais e texturas contrastantes. O crochê em graduação ampliada, os paetês de madeira com 30 cm e as sobreposições em organza demonstraram um domínio de formação e proporção.
Com silhuetas sem gênero, indo até o tamanho 60, Castro quer promover a inclusão, construída a partir da geometria e da abstração. Um dos pontos altos foi o casaco em feltro que, mesmo pesado, revelava movimento e fluidez, traduzindo visualmente a teoria de linhas rígidas e livres propostas por Kandinsky.
Lino Villaventura, um dos estilistas mais longevos da tendência brasileira, por sua vez, levou para a passarela o que ele nos acostumou a esperar de um desfile seu —um trabalho minucioso com os tecidos e uma exploração das técnicas de costura, elementos que tornam as suas roupas esculturais.
Os modelos mostraram peças plissadas, em matelassê —aquele efeito que deixa o tecido com vista fofo de edredom—, patchworks e peças com uma infinidade de bordados. Tudo o que a plateia viu tinha faceta de ter sido trabalhado à exaustão.
Mas exibir uma lição de costura não faz um bom desfile, e neste faltou psique, aquele um tanto intangível que faz o todo. As modelos estavam visivelmente desconfortáveis nas roupas, além de quase escorregarem com os sapatos que deslizavam no pavimento, e as peças plissadas pareciam folhas de papel dobradas.
O conjunto de looks brancos masculinos, com casacões com amarrações nas costas, lembrava roupa de sanatório, e os tênis tinham faceta de resultado da Shein. Talvez funcionasse porquê figurino, mas porquê desfile não foi desta vez —seus anteriores foram muito melhores.
Já Dario Mittmann levou à passarela sua coleção “Golem”, um universo distópico e sensual onde tecnologia e sustentabilidade caminham lado a lado. Com peças mais justas ao corpo — em contraponto às silhuetas oversized da última temporada —, o estilista provocou com recortes estratégicos, cintura baixa e muita pele à mostra.
A atriz Deborah Secco protagonizou um dos momentos mais comentados da noite: vestindo uma armadura de borracha com pintura automotiva, encarnou uma ciborgue, em um momento um tanto separado do resto do desfile. A cena fechou a coleção que discutiu perceptibilidade sintético, sem usá-la na geração —com o slogan “AI can’t copy” estampando a proposta—, mas sem conseguir proferir muito sobre isso.