Tecnobrega: Por Que Paternidade Do Gênero Está Em Disputa

Tecnobrega: por que paternidade do gênero está em disputa – 11/01/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Uns anos detrás, o músico paraense Tonny Brasil, que se diz pai do tecnobrega, recebeu uma relação dizendo que Júnior Rêgo, colega de profissão, estava no estúdio da Metropolitana FM, no núcleo de Belém, falando que era o pai do estilo músico. “Liguei para a rádio, disse para ele permanecer ali para conversarmos. Quando cheguei, já tinha ido embora.”

Aquela entrevista, somada a anos de alfinetadas entre os músicos, marcou um momento de exposição mais direta do debate quente no Pará, novamente em voga depois de Gaby Amarantos lucrar um prêmio no último Grammy Latino.

No festival Psica, que reuniu 60 milénio pessoas em dezembro, em Belém, ela foi celebrada porquê rainha, e o prêmio, porquê o maior reconhecimento da história de um gênero periférico que, apesar de viver há mais de duas décadas, ainda carece desse tipo de aprovação.

Além de Tonny e Rêgo, a disputa em torno da paternidade do tecnobrega tem mais um elemento. Jurandy, um dos nomes de maior sucesso nos primeiros anos do gênero, também é lembrado porquê pai do gênero.

Mas ele dispensa a cognome. Prefere o título de rei do tecnobrega. “O pai é o Júnior Rêgo”, diz Jurandy. “O Tonny batizou. Não tinha nome, ele comercializou porquê tecnobrega. Mas não criou a história. O que ele gravava era o [brega] romântico. O Júnior veio dançante.”

Essa disputa esquentou em maio do ano pretérito, quando a Reunião Legislativa do Pará concedeu uma comenda reconhecendo Tonny Brasil porquê pai do gênero. Ele também é tratado dessa maneira em documentários sobre o tecnobrega, porquê “Brega S/A” e os extras do DVD “Tecno Melody Brasil”, além de reportagens da prelo lugar.

Tonny usa a mídia e o estado porquê chancela. “Me vejo porquê o pai, e isso agora está certificado pelo estado, não se pode mudar. Mas não sabor desse título de pai. Dei a teoria, mostrei a possibilidade, não escondi a fórmula. Depois, cada um foi para um esquina. Quem deu o rastilho, é inegável, fui eu.”

Júnior Rêgo se sente sumido da história. “Sou o verdadeiro responsável do tecnobrega”, diz. “Você não vê ele [Tonny] expressar que é o pai, manda os outros dizerem. Paga material no jornal. Tem vergonha de me encontrar. Não fala comigo. Tanto ele quanto Gaby Amarantos escondem o Júnior Rêgo.” Procurada pela reportagem, a cantora não quis comentar.

Para além dos conflitos pessoais e de narrativas, há questões estéticas que ajudam a entender a gênese do estilo. “O tecnobrega dá seus primeiros passos no final dos anos 1990, quando o axé dominava o Brasil e o mercado de brega pop no Pará passava por uma crise”, diz Zek Picoteiro, DJ e pesquisador do brega paraense. “Os artistas tiveram que encontrar uma solução mais alcançável para produzir seus discos.”

No Pará, o brega ganhou uma identidade própria a partir dos anos 1970, porquê uma espécie de resposta à jovem guarda de Roberto Carlos, com nomes porquê Teddy Max, Luiz Guilherme e Mauro Cotta. Essas influências de rock se fundiram a estilos locais, porquê a lambada, e desembocaram no brega pop de Roberto Villar, Alberto Trigueiro e Wanderley Andrade, e no brega calipso de Joelma e Chimbinha, na dez de 1990.

Foi nesse cenário que Tonny Brasil, depois de ver músicos se apresentando só com teclados numa viagem a Caiena, na Guiana Francesa, decidiu apostar nas gravações sem filarmónica. Ele sequenciou todos os instrumentos, diz Zek Picoteiro, “as levadas de bateria e suingues de guitarra do brega pop, trazendo uma sonoridade eletrônica para o gênero”.

Essas experiências depois geraram a música “Lana”, tida porquê a primeira gravada totalmente de maneira eletrônica, sem instrumentos, e que para Tonny é a cantiga fundadora do tecnobrega. Segundo o músico, a tira já era sucesso “na pirataria de fita cassete” e nas aparelhagens em 1991, e depois em CD independente em 1996, e pela gravadora Gema no ano seguinte.

O sucesso de “Lana” fez com que mais artistas gravassem só com teclados e computadores, uma redução drástica nos custos de produção. Aquela sonoridade sintética a princípio não foi muito vista, tida porquê empobrecimento estético da música paraense. “Foi muita ousadia”, diz Tonny. “Tomei muita porrada. Fiquei até com terror de lançar. Não queria mostrar [‘Lana’] para ninguém.”

Mas, apesar das experiências inovadoras, a sonoridade de Tonny ainda era romântica e alinhada ao brega pop feito com instrumentos. A mudança, ele diz, veio em 1997, com a cantiga “A Prima da Cunhada”, quadra em que o termo tecnobrega já era publicado —tese reforçada por Jurandy e Zek Picoteiro.

Naquele momento, dois acontecimentos abriram a cabeça de Jurandy. Um deles foi ver um show da filarmónica cearense Forró Moral, em 1998. “Fiquei seduzido com aquele suingue, um forró com dois percussionistas. Falei ‘vou levar isso ao Pará’.”

Ele pegou elementos dessa percussão do forró e inseriu porquê novidade a combinação de caixa e chimbal eletrônicos fazendo a célula rítmica que acompanha o brega paraense desde a quadra de Teddy Max. “Modernizei [o estilo] com essa percussão.”

A outra viradela foi a cantiga “Mundiquinha”, que Tonny Brasil compôs depois de permanecer mexido com a saída do cantor Rodolfo Abrantes da filarmónica Raimundos, em 2001. “Eles tinham ‘Puteiro em João Pessoa’, aquela metralhada”, ele diz. “O Rodolfo disse que foi influenciado pelo coco nordestino. Pensei em produzir a saga de uma cabocla com isso.”

“Mundiquinha”, diz Jurandy, foi “a primeira vez que senti que a coisa estava para ocorrer”, “a música que abriu todas as minhas ideias”. Apesar de “Chico Preto” ser o maior sucesso do cantor, “Brega da Marmita”, com o ritmo de caixa e chimbal, levada de coco no esquina e arranjos de sintetizadores, é a tira que melhor representa seu estilo.

“Os primeiros hits do tecnobrega mesmo são dele”, diz Zek Picoteiro. “Em 2002, só se ouvia Jurandy nas festas de comemoração do pentacampeonato do Brasil.”

Mas, enquanto isso acontecia, diz Jurandy, “Júnior Rêgo já estava gravando, já fazia secção do tecnobrega”. Em Capanema, no interno do Pará, ele abraçou a música eletrônica de pista, porquê techno e house, que vinha do exterior.

Mauricio Costa, professor de história na Universidade Federalista do Pará e responsável do livro “Sarau na Cidade”, sobre o rodeio do brega paraense, diz que o tecnobrega surgiu nesse momento de “subida da música dos clubes das grandes cidades europeias, com as raves”.

“São processos que acontecem simultaneamente”, diz. “Tem a ver com a disponibilidade dos equipamentos de mixagem e gravação, que se tornaram acessíveis na América Latina para produtores de áreas periféricas, porquê é o caso de Belém.”

Foi nesse filão que Júnior Rêgo se encontrou. Nas festas de aparelhagem no termo dos anos 1980, ele diz, “tocava muito dance, techno e house”. “Sempre gostei desses instrumentais, achava moderno.”

Rêgo estudou música clássica, e não gostava de brega antes de ser seduzido por músicas porquê “Profissional Papudinho”, hit de Roberto Villar. Em seu primeiro disco, “Ópera do Brega”, ainda com sonoridade brega pop de filarmónica, em 1999, inseriu na tira “Separação” uma introdução eletrônica.

Essa música e a faixa-título, ele diz, começaram a fazer sucesso um ano depois. “Pensava, já que a juventude gosta de dance nas aparelhagens, vou fazer um brega com esse estilo. Vi que a modernidade se encaixava muito muito dentro do brega.”

Rêgo se notabilizou com uma prática generalidade no tecnobrega até hoje, o uso de trechos de sucessos estrangeiros da música eletrônica. Um exemplo é “Brega do Tupinambá”, de 2001, que cita a aparelhagem Tupinambá na letra, e traz um teclado que reproduz o hit “Better Off Alone”, de Alice DeeJay.

Segundo o artista, o primeiro tecnobrega da história é “Tecnotupinambá”, lançada no início dos anos 2000. A música, com sample de um sucesso eletrônico internacional, cita na letra o termo que batiza o gênero.

A partir dali ele lançou diversas músicas com essa estética —levadas aceleradas de um brega pop festeiro, no estilo calipso, criado no computador e com os arranjos eletrônicos—, muitas feitas sob encomenda para equipes de aparelhagem. “Todas com introduções internacionais para dar aquele charme”, ele diz.

O tecnobrega, diz Rêgo, “é a fusão do brega paraense com a música americana”. “É o brega moderno, o calipso moderno. Mais veloz, com instrumentais e sons futuristas.”

A disputa entre Rêgo e Tonny começou quando o primeiro viu uma reportagem no jornal O Liberal em que o segundo era tratado porquê pai do tecnobrega. Segundo Rêgo, o som de Tonny nunca foi tecnobrega. Segundo Tonny, quem cunhou o termo que dá nome ao gênero, usado para divulgação de sua música, foi o publicitário Rosenildo Franco, ainda nos anos 1990.

A partir de 2002, o tecnobrega se diversificou, ganhou subgêneros e vertentes. Nomes porquê a filarmónica Fruto Sensual, Xeiro Verdejante, Beto Metralha, Tecno Show, comandada por Gaby Amarantos, e Maderito, entre muitos outros, fizeram secção desse momento da história do gênero, que ganhou notabilidade pátrio.

“Não há um pai”, diz Mauricio Costa, o professor. “Na verdade, há vários pais. E mães também, se considerarmos as intérpretes porquê criadoras. É um processo de ação coletiva, de um grande movimento.”

“O tecnobrega enquanto gênero músico se consolidou com um sotaque de batidas, sintetizadores e uma dinâmica sonora própria. Não era mais um somente um brega pop eletrônico”, diz Zek Picoteiro. “E quem fez essa identidade sonora se popularizar foram artistas do interno —porquê Júnior Rêgo, de Capanema, e Jurandy, de Castanhal.”

Segundo o DJ, mais importante do que fazer um “teste de DNA” no tecnobrega, é entender o que essa história representa para a cultura amazônica. “Num contexto de escassez da viradela do milênio, no setentrião do Brasil, nas beiras de rios e estradas inacabadas, nas periferias das metrópoles lotadas de condições sociais precarizadas, surge um gênero músico altamente tecnológico, original, genuíno, que traduz o mundo globalizado para o nosso sotaque.”

O jornalista viajou a Belém a invitação do festival Psica

Folha

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *