Tema Do Met Gala, Dândi Negro é Subversão Pela Moda

Tema do Met Gala, dândi negro é subversão pela moda – 29/12/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Jean-Baptiste Belley, ex-escravizado que comprou sua liberdade e o primeiro deputado preto da Convenção Pátrio da França, em 1793, foi retratado com esmero: um lenço, jóias, chapéu e, em sua cintura, tecidos com as cores da revolução francesa. No Brasil, Hemetério dos Santos –professor e figura-chave do combate ao racismo do século 19– também desviava do tino geral de porquê um varão preto da era devia se vestir, com um terno, gravata mariposa, óculos, e uma cartola.

O estilo de ambas as figuras, o dandismo preto, desafia desde seu surgimento, no século 18, a forma de se vestir imposta às pessoas negras. Seus impactos na tendência e cultura dos dias de hoje são evidentes há tempos, mas foi em 2024 que o termo bombou, vinculado ao Met Gala.

Balley e Santos divergem do imaginário costumeiro da era. No século 20, as obras “Mestiço” e “Lavrador de moca”, do pintor Cândido Portinari, difundem uma teoria diferentes: as pessoas pretas são relacionadas ao trabalho com a terreno, mal-vestidas, com grandes mãos e pés.

“Quando comecei a pesquisar, bati de frente com toda uma cultura visual que só retratava a população preta e os homens pretos especificamente porquê trabalhadores. O preto é retratado sempre com os membros avantajados, remetendo a uma questão do trabalhador braçal, menos inteligente”, diz Rosemeri Conceição, doutoranda em história e sátira da arte da UFRJ.

Segundo a pesquisadora, o dandismo preto tem três dimensões principais. O primeiro é a androginia –a pesquisadora e professora cita porquê exemplo João do Rio, homenageado na Sarau Literária de Paraty (Flip) deste ano. Em seus retratos, o jornalista tinha um apelo quase feminino devido ao desvelo excessivo com sua semblante e forma de vestir. Usava chapéus, lenços, bengalas, luvas e um sofisticado terno.

O tensionamento social, causado pela incorporação de elementos e tecidos não habituais aos grupos sociais que os dândis negros pertenciam, outro elemento do movimento, se faz presente na tendência contemporânea pela mistura de diferentes estilos.

A marca Dapper Dan, do alfaiate Daniel Day, trouxe a tendência de luxo ao Harlem, bairro na periferia de Manhattan. Aos signos da mediocracia e fidalguia brancas, o estilista –responsável pela geração da icônica jaqueta branca de 1988, onde se lia “não acredite no hype”, usada pelo pugilista americano Mike Tyson – incorpora em suas peças elementos do street style, hip hop , culturas ancestrais africanas, e outras tendências tidas porquê marginais.

A terceira particularidade definida por Conceição é o rompimento da temporalidade. Uso de ternos considerados “antiquados”, suspensórios, chapéus, sempre em fricção com outros estilos. Jean-Michel Basquiat , pioneiro do neo-expressionismo americano, vestia ternos da marca de luxo Hugo Boss com respingos de tinta e combinados com sandálias rústicas de pele ou mesmo descalço.

O movimento repercutiu no prelúdios de novembro, quando o Museu Metropolitano de Novidade York anunciou que o dandismo preto seria o tema de sua exposição de primavera —assim porquê do Met Gala, um dos eventos mais importantes do mundo da tendência, onde estilistas e celebridades se adequam ao tema em um evento para recepcionar fundos para a instituição.

A mostra, “Superfine”, traz vestimentas, acessórios e documentos do século 18 assim porquê contemporâneos que refletem sobre o dandismo preto. Inspirada pelo livro “Escravos da Voga: Dandismo Preto e o Estilo da Identidade negra diaspórica”, sua autora –Monica Miller, professora da Universidade de Columbia–, é cocuradora da exposição

Uma das referências contemporâneas é Pharrell Williams, diretor criativo da Louis Vuitton e um dos embaixadores do dança no Met de 2025. Williams promiscuidade jeans e tênis esportivos do streetwear com camisas de seda, casacos de alfaiataria e itens cor-de-rosa femininos.

A professora e criadora de teor de tendência Melody von Erlea analisa nessa sentença um potencial subversivo e até revolucionário. “Ao se apropriar dos signos culturais e usá-los, de uma certa maneira, contra o varão branco, se desafia o status quo”, diz.

Quando o estilo se originou, existiam regulamentos que impunham uma forma específica para pessoas escravizadas se vestirem. A roupa era uma utensílio de desumanização.

“Eu vejo a tendência e a arte porquê sobrevivência”, afirma Conceição. Mesmo sendo forçados a vestir trapos ou tecidos puídos, pessoas negras construíam formas de sentença para suas identidades. “Quando colocam uma miçanga, uma referência ao seu orixá ou ao seu lugar de origem na África, estão se mantendo vivas”.

Já o escravizado doméstico, que trabalhava dentro das casas de famílias ricas, se desviava desse padrão —sua semblante devia transmitir a opulência e o poder de seu senhor. Foi dessa urgência que surgiu o dândi preto.

“Nesse cenário, o corpo escravizado pode estar pleno de bibelôs e mimos, mas ainda é um corpo que pertence a alguém. E o quão estragado esse corpo está não reflete o quanto ele tem, e sim quanto a pessoa que o possui tem”, afirma Hanayrá Negreiros, curadora de tendência e pesquisadora do vestir da diáspora africana no Brasil.

“Nossos corpos estão em risco desde sempre na sociedade. Acho que, muito trajados, de certa maneira se apresenta uma proteção”, diz. Ativistas abolicionistas porquê Luiz Gama e José do Patrocínio também eram retratados com esmero –tecidos sofisticados, bons cortes, adornos, joias.

Nas redes sociais, o tema do Met Gala já é objecto do momento. A procura por peças de roupa do estilo disparou no Google. Mas muitos usuários expressaram preocupação pela forma porquê o dândi preto será abordado. Celebridades já foram criticadas por tentativas falhadas –e insensíveis–, porquê o adorno de cabeça de Sarah Jessica Parker no tema da China, de 2015, ou o “vestido cavalo” de Kim Petras para o tema do “léxico da tendência” americano, de 2021.

Mas, de qualquer forma, o dândi preto agora é tarifa. “Fiquei impactada com a perspectiva”, diz Conceição. “Isso vai gerar uma procura por imagens de homens e pessoas negras que pode combalir essa imagética visagem e preconceituosa existente”.

A pesquisadora conta que uma escola de pensamento admite que, mesmo subversivo, o dândi preto incorpora a fidalguia e mediocracia europeia. “Dizem que não adianta e que assim não seremos respeitados. Mas isso é um olhar estreito para a tendência e seu poder”. Ela exemplifica com o movimento black power, uma escolha individual que incomoda muita gente. “Justificação atrito, mas é uma certeza de identidade.”

O Met Gala ocorre em 5 de maio do próximo ano, e a mostra “Superfine” –com artigos de roupa, acessórios e documentos do dândi preto desde o século 18 até os dias de hoje – ficará em edital até outubro de 2025. “As pessoas bebem da história e se influenciam pelas estéticas antigas. Mas o dândi preto é um estilo presente na contemporaneidade, com signos que acompanham os tempos”, diz Negreiros.

Folha

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