Tentativa De Golpe Na Bolívia: Especialistas Explicam Crise No País

Tentativa de golpe na Bolívia: especialistas explicam crise no país

Brasil

Tanques e soldados do Tropa invadem a ingresso do palácio presidencial em La Silêncio, na Bolívia. Roteiro e imagens lembram as décadas de 1960 e 1970, quando ditaduras militares se espalharam pela América do Sul. Mas a cena ocorreu nesta quarta-feira (26) no país sul-americano. Facto surpreendente ou desfecho para um governo em crise? Especialistas em Relações Internacionais explicaram à Escritório Brasil o cenário que levou à tentativa fracassada de golpe na Bolívia.

Ato só 

Em primeiro lugar, existe um entendimento geral de que o incidente desta quarta-feira (26) foi muito mais um ato só do general Juan José Zúñiga do que um movimento muito planejado, com base de diferentes forças sociais. O general foi exonerado nesta terça-feira (25) do função de comandante do Tropa, depois de ameaçar o ex-presidente Evo Morales.

“O general teve um erro de operação político. Achou que receberia qualquer respaldo ao ameaçar o Evo Morales. Mas o atual presidente boliviano bancou a aposta e tirou o general do comando do Tropa. E aí ele se viu numa situação de isolamento e tentou o golpe de uma maneira muito improvisada, sem participação de outras lideranças das Forças Armadas. E foi importante ver que ele não teve base significativo de nenhum grupo social do país”, diz Maurício Santoro, pesquisador político e professor de Relações Internacionais.

Bolivian President Luis Arce speaks as Bolivia is facing a coup attempt, in La Paz, Bolivia, June 26, 2024, in this screen grab taken from a social media video. LUCHO ARCE VIA FACEBOOK/via REUTERS  THIS IMAGE HAS BEEN SUPPLIED BY A THIRD PARTY. MANDATORY CREDIT. NO RESALES. NO ARCHIVES.  UNPROCESSED VERSION HAS BEEN PROVIDED SEPARATELY.
Bolivian President Luis Arce speaks as Bolivia is facing a coup attempt, in La Paz, Bolivia, June 26, 2024, in this screen grab taken from a social media video. LUCHO ARCE VIA FACEBOOK/via REUTERS  THIS IMAGE HAS BEEN SUPPLIED BY A THIRD PARTY. MANDATORY CREDIT. NO RESALES. NO ARCHIVES.  UNPROCESSED VERSION HAS BEEN PROVIDED SEPARATELY.

Presidente Luis Arce (ao meio), junto com equipe de governo, denuncia tentativa de golpe no país. Foto: Reuters/LUCHO ARCE VIA FACEBOOK/Proibida Reprodução

“O Evo Morales já convocou uma greve universal e tem os movimentos sindicais muito alinhados com ele. O próprio presidente Luis Arce também veio a público para pedir que a sociedade boliviana se junte contra esse golpe. E setores da oposição se colocaram contra o golpe. A própria Jeanine Añez, que já foi presidenta e opositora do Evo, disse que não aceita o que aconteceu. O Luís Camacho, importante líder contra o Evo Morales em 2019 falou que não aceita também. Portanto, esse movimento de golpe parece só. Muito mais uma tentativa do Tropa e do próprio Zúñiga de provar poder, do que de traje querer impor um novo governo”, diz Arthur Murta, professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo.

O general Zúñiga foi recluso em seguida liderar a tentativa de golpe. 

Crise econômica e disputas políticas

Em segundo lugar, o ato do general pode ser entendido a partir de problemas mais estruturais que o país enfrenta, uma vez que a dimensão econômica.

“A Bolívia está vivendo uma situação econômica muito difícil. O principal setor é o de gás oriundo, que está enfrentando uma série de problemas. Isso levou a uma queda nas exportações, e as reservas internacionais da Bolívia estão muito pequenas, em torno de US$ 3 bilhões. O que é zero para as necessidades de um país. Para confrontar, o Brasil que tem uma situação bastante confortável em termos de reservas tem hoje mais de US$ 350 bilhões. Isso significa que a Bolívia está com muita dificuldade de importar mesmo produtos básicos para o dia a dia: víveres, remédios, combustíveis”, diz Maurício Santoro.

“Os países andinos estão baseados no extrativismo pesado e com os preços nas alturas. O Estado quer se apropriar de uma segmento desse excedente econômico. E grupos nacionais e multinacionais querem pegar absolutamente tudo. Mas não é uma vez que Salvador Allende. na dezena de 70, que estava mantendo a companhia do cobre sob o controle, ou estatizando empresas. Agora é o contrário, é uma gestão que quer se apropriar de segmento desses excedentes para a realização de políticas públicas. A classe dominante e as multinacionais nem isso topam. Portanto nós ficamos sempre numa situação limite entre o Estado e essas forças sociais”, explica o professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federalista de Santa Catarina (UFSC), Nildo Ouriques.

Do ponto de vista das disputas políticas, as tensões entre diferentes líderes e partidos do país contribuem para aumentar os riscos à democracia.

“O componente político dessa crise é o traje de que no ano que vem a Bolívia vai ter eleições presidenciais e o general que tentou o golpe hoje disse ontem que se o Evo Morales se apresentar uma vez que candidato à presidência, as Forças Armadas iriam intervir e prender o Evo. Há poucos anos aconteceu uma crise política semelhante na Bolívia, em 2019, que terminou com a deposição do Evo e a mediação dos militares. Portanto, é uma ferida que ainda está oportunidade”, diz Maurício Santoro.

“Se voltarmos mais no tempo, a dezena de 1990 é relativamente fixo na Bolívia. As tensões começam com a chegada ao poder do Evo Morales em 2006, que provoca fraturas de poder. Ele começa a fazer política redistributiva de renda, naturalizar os hidrocarbonetos, entre outras questões, que geram insatisfações com a escol. A Bolívia ela entra num cenário de piora dessa firmeza democrática, porque o Evo desestabiliza um sistema anterior de poder, em que a população pobre indígena estava sub-representada. Isso faz crescer o movimento reacionário, que se manifesta até hoje”, diz Arthur Murta.

Contexto regional

Para os pesquisadores, é preciso considerar também um contexto mais vasto na América do Sul, com progressão de grupos e lideranças de extrema-direita, que representam o desenvolvimento de movimentos autoritários e antidemocráticos. Em alguns casos recentes, houve tentativas de golpe também fracassadas.

“Essa tentativa de golpe faz segmento de um contexto mais vasto de crise da democracia na América Latina. Esse ano a gente teve na Guatemala uma tentativa de impedir a posse de um presidente eleito. Manifestantes invadiram o Congresso no Brasil no ano pretérito em tentativa de golpe. Bom que a democracia está resistindo e mostrando ter anticorpos e ser mais resiliente. Mas é preocupante que todas essas crises estejam ocorrendo na região nos últimos anos”, diz Maurício Santoro.

“O que foi positivo hoje é que a resposta internacional foi muito potente na resguardo da democracia boliviana. Todos os países da América do Sul se manifestaram em maior ou menor intensidade em resguardo da democracia. Isso foi uma coisa importante. A Organização dos Estados Americanos também respondeu de modo muito rápido e contundente”, acrescentou.

Fonte EBC

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