Completar o curso técnico de enfermagem e ser validado em um concurso público para trabalhar na profissão que passou a apreciar depois de permanecer internado em um hospital de São Gonçalo, na região metropolitana do Rio, para tratar um golpe na mão. Esses são os planos de Carlos Vitor Fernandes Guimarães, 25 anos, que foi solto na última quinta-feira (25), com a sensação de que finalmente conquistou a vida de volta, posteriormente ter ficado recluso no Presídio Evaristo de Moraes, em São Cristóvão.
“É um momento para mim de extrema felicidade poder estar com minha família novamente e poder voltar à minha vida normal, fazer meu curso, voltar a trabalhar na minha superfície de trancista. Ter minha vida de volta, voltar à minha veras, embora eu ainda esteja achando que estou sonhando, mas graças que esse pesadelo acabou”, contou o jovem, recluso injustamente, em entrevista à Escritório Brasil.
Recluso injustamente
A vida de Carlos Vitor mudou em 2018, ano em que sofreu um assalto e teve os documentos levados. Na idade, ele não fez um boletim de ocorrência. Tempos depois, o jovem foi chamado a prestar prova à polícia, pois seus documentos tinham sido encontrados em um caminhão, usado por ladrões em um roubo de trouxa em São Paulo. Na delegacia, o portanto estudante afirmou não ter participado do transgressão e insistiu que os documentos tinham sido roubados anteriormente.
Não adiantou. Mesmo sem nunca ter cometido um transgressão, a foto de Carlos Vitor entrou para o álbum de suspeitos da polícia. E foi isso que mudou a história do jovem.
O motorista do caminhão fez um reconhecimento fotográfico em audiência judicial em 2021 e apontou Carlos Vitor uma vez que um dos autores do roubo, apesar de ter dito que o ladrão tinha cabelo no estilo black power. João Vitor usava tranças longas na idade.
Apesar da divergência no reconhecimento, Carlos Vitor foi sentenciado, em outubro de 2021, a seis anos, cinco meses e 23 dias de prisão, em regime inicial semiaberto.
“Pessoalmente, em chamada de vídeo, ele teve dificuldade de reconhecer o Carlos pelo passar dos anos, mas quando viu a foto da identidade, que estava no álbum, ele teve certeza que era a foto. O juiz decretou que o Carlos não era singelo e ia ter que voltar para a prisão. Em 2021, a prisão foi novamente pedida e, em 2023, foi recluso de novo”, lembrou Viviane Vieira, mãe de Carlos Vitor.
O caso de Carlos foi narrado no programa Caminhos da Reportagem da TV Brasil, exibido em maio deste ano.
Resiliência
A família do jovem não se deu por vencida e tentou volver a prisão no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que negou o habeas corpus e a anulação da sentença. Em 2023, a família chegou à Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ), que fez um pedido de revisão criminal, também rejeitado pelo TJRJ.
Os defensores públicos recorreram, portanto, ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Na última segunda-feira (22), o desembargador Otávio de Almeida Toledo anulou o reconhecimento fotográfico feito pelo motorista de caminhão e todas as provas contra o jovem, o que resultou na perdão de Carlos Vitor e permitiu a saída dele da prisão.
“Perante o exposto, concedo a ordem para preceituar a nulidade do reconhecimento fotográfico, muito uma vez que de todas as provas dela derivadas (art. 157 e seu §1º, ambos do CPP), o que, à míngua de elementos independentes e suficientes para provar a autoria do paciente, leva à sua necessária perdão”, decidiu o desembargador.
A defensora pública Isabel de Oliveira Schprejer, subcoordenadora de Resguardo Criminal, disse que a intensa guerra foi necessária para reparar a injustiça.
“Esse caso nos transformou muito, porque a injustiça era muito patente para nós. A gente tentava mostrar isso no processo e o Tribunal de Justiça não enxergou da mesma forma que nós, mas felizmente o STJ enxergou. Porquê a revisão foi julgada improcedente pelo tribunal, a próxima instância é o STJ”, explicou a defensora, que atuou no caso junto com a coordenadora de Resguardo Criminal, Lúcia Helena de Oliveira.
“Eles analisaram profundamente todas as decisões [anteriores], depoimentos, portanto, foi uma decisão muito fundamentada de pessoas que se debruçaram no processo. A gente ficou muito feliz com a decisão apesar de ela ter vindo, tempos depois, que a gente gostaria”, concluiu.
No entendimento da coordenadora Lúcia Helena de Oliveira, o uso inadequado do reconhecimento fotográfico, reconhecido neste processo pelo STJ, culpabiliza pessoas inocentes, sobretudo as negras.
“Leste caso é mais um dos tristes exemplos de equívocos em reconhecimento de pessoas, que levam inocentes, em muitos casos, ao cárcere. O reconhecimento de pessoas deve ser realizado de forma cuidadosa e com reverência às garantias constitucionais e processuais, sob pena de violações de direitos e prisões injustas, conforme demonstrado, por algumas vezes, através das pesquisas da Defensoria Pública”, diz nota da Defensoria.
Absolvido
Para Carlos Vitor, a perdão vai penetrar o seu caminho. “Eu agora tenho opções. Quando eu estava lá dentro [da prisão], eu pensei que minha vida tinha completo por conta de nome sujo, por ser difícil arrumar ocupação, não poder fazer concurso público. Fica tudo mais difícil. Porquê eu fui absolvido, sinto que posso fazer o que eu quero. O que eu quiser eu posso fazer”, disse.
O jovem relatou as dificuldades de estar recluso por um ano e cinco meses, uma vez que a vagar na autorização para receber visitante da família.
“Muita falta do conforto de mansão, dos abraços, de estar com a família, de poder estar com minha irmãzinha, desde bebezinha eu tomo conta da minha mana. Senti falta da minha rotina também cá na rua. Tudo muda. É tudo muito dissemelhante lá dentro”, revelou o jovem, que volta a morar com a mãe no bairro do Colubandê, em São Gonçalo.
“Agora é aproveitar cada momento que Deus está proporcionando para a gente. É uma alegria enorme saber que tudo isso acabou e graças a Deus meu fruto foi absolvido. Graças a Deus, tem pessoas com coração, que se sensibilizaram e puderam nos ajudar, que participaram do primícias até o termo”, disse, aliviada, a mãe Viviane Vieira.