“Tipos de Gentileza”, novo filme de Yorgos Lanthimos, um dos cineastas mais originais de sua geração, estreou neste ano no Festival de Cannes e chega agora aos cinemas brasileiros trazendo três histórias autônomas, uma florilégio, que a princípio têm pouco em generalidade.
Entre os denominadores comuns, está o elenco muito escolhido, com Willem Dafoe, Emma Stone, Jesse Plemons, Margaret Qualley e Hong Chau no núcleo meão, representando papéis diferentes em cada enredo. E há um personagem, mais figurante do que coadjuvante, presente neles todos, identificado exclusivamente uma vez que R.M.F —Yorgos Stefanakos—, que corda muito muito as narrativas.
Todas as histórias falam de formas de controle e sadismo, permeadas de violências e escatologias. O diretor continua sendo um dos poucos contemporâneos a retratar o sexo de forma mais naturalista, sem moralismo —embora exagere em ao menos uma cena mais controversa que pediria um manejo mais diligente.
É verosímil perceber que Lanthimos e o elenco se divertiram filmando essas histórias repletas de “nonsense”, e secção disso contagia os espectadores: há momentos espirituosos, com o humor sombrio próprio do cineasta, e sequências com frescor e bom ritmo —destaque para a montagem e para a trilha sonora—, muito supra da média. Ainda assim, é um filme que se arrasta em outra secção do tempo, o que resulta num conjunto irregular.
A primeira história, por si, é uma obra-prima. Por trás da vida excessivamente ordenada de um varão na morada dos 40 anos tem uma espécie de mentor que determina o que ele deve ler e consumir, a que horas deve fazer sexo com a esposa —que, aliás, também foi escolhida pelo rabi.
O enredo faz pensar no quanto estaríamos dispostos a sacrificar nossa autonomia se tivéssemos alguém que nos dissesse exatamente o que fazer, o que vestir, o que consumir, com quem nos matrimoniar e assim por diante —uma vez que muitas pessoas buscam na política, na religião, no Instagram. Figuras que apontem inequivocamente o caminho, coachs da vida, com os perigos que acompanham esse processo.
Mas as outras duas histórias não têm o mesmo cintilação e incomodam, negativamente, em alguns aspectos importantes.
Em uma delas, acompanhamos um policial que sofre com o desaparecimento da sua mulher, uma investigador, que nunca voltou de uma expedição. Depois que o varão entra numa lesma psíquica com indícios de paranoia, a esposa reaparece, mas mostra pequenos comportamentos que o fazem duvidar de que ela seja mesmo quem diz ser.
Na outra, uma dupla, participante de uma seita religiosa, tenta encontrar uma jovem predestinada, que teria o poder de ressuscitar os mortos. Há cá um excesso desnecessário do ponto de vista da narrativa do uso dos corpos femininos, em peculiar na cena de um estupro, na qual um corpo inconsciente é retratado de forma bela e lânguida, enquanto o abusador o admira depois sedá-lo.
Com os ótimos “A Favorita”, de 2018, e “Pobres Criaturas”, do ano pretérito, longas mais complexos e exuberantes em termos de cenário, figurino e cinematografia, Lanthimos furou a bolha do cinema independente, e se tornou um nome popular. Em ambos, o cineasta forma uma bela dupla com Emma Stone, que levou um Oscar pela atuação no longa anterior.
Agora, em “Tipos de Gentileza”, ele retorna ao paradoxal mais prosaico, digamos assim, de filmes muito interessantes que pavimentaram seu caminho, uma vez que “Dente Cínico” (2009), “O Lagosta” (2015) e mesmo “O Sacrifício do Veado Sagrado” (2017), quando um pouco da mitologia grega, com sua opacidade instigante, aparecia atualizada à luz dos nossos dias. Esse retorno seria bem-vindo, mas tem mais ar de promessa não realizada.
Há cenas gratuitas que deveriam ser engraçadas —isoladas, talvez sejam—, mas entram quando já estamos exaustos na poltrona do cinema, uma vez que a dança de Emma Stone em uma das cenas finais, que funciona melhor no trailer do que no filme.
O longa tem quase três horas de duração, o que em si não seria um problema, mas “Tipos de Gentileza” faz sentir o tempo escorrer vagarosamente da segunda metade para o final, enquanto há outras cenas genuinamente cativantes, em peculiar as protagonizadas por Dafoe, que está magnânimo —sempre que entra em cena é uma vez que se acendesse uma luz.
Se o filme acerta em um pouco do primórdio ao termo é na escolha e na direção de atores: o cineasta consegue explorar facetas diversas de cada um deles uma vez que o grande cineasta que é. Não deixa de ser um filme corajoso, mas também é mais ávido do que Lanthimos tenha conseguido nos entregar dessa vez. Ainda assim, quero presenciar tudo que ele vier a fazer.