A fala mansa do diretor mineiro André Novais Oliveira, um dos homenageados desta 27ª edição da Mostra de Cinema de Tiradentes, pode transmitir a teoria de alguém mais propenso a preparar seus filmes de maneira compassada. Não é o caso, definitivamente.
A partir de dezembro de 2023, quando soube que receberia esta homenagem, um dos nomes mais premiados do cinema brasiliano contemporâneo concluiu a montagem do média-metragem “Roubar um Projecto”, feito em parceria com o diretor paulistano Lincoln Péricles.
A câmera acompanha dois amigos vagando pelo bairro do Capão Rotundo, em São Paulo, num registro minimalista do cotidiano das periferias, uma marca indissociável dos filmes de Oliveira.
Além de “Roubar um Projecto”, o diretor filmou e editou em exclusivamente duas semanas o também média-metragem “Quando Cá”, uma fabulação em que apresenta a vivenda do seu pai em Relato (MG) em momentos do pretérito, do presente e do horizonte. Os dois filmes foram exibidos na brecha do festival de Tiradentes na sexta-feira.
Em entrevista à Folha no domingo, Oliveira disse que descansaria dois dias e, logo em seguida, daria início à preparação do seu mais novo longa-metragem, “Se Fosse Vivo, Eu Vivia”. Ele prefere não entrar em detalhes sobre o filme, diz exclusivamente que “fala sobre o luto de um jeito pouco convencional”.
Perto de completar 40 anos, ele acaba de entender duas décadas de curso no cinema. Desde seu trabalho inicial, o curta “Uma Homenagem a Aluizio Netto”, foram três longas –”Ela Volta na Quinta” (2014), “Temporada” (2018) e “O Dia que Te Conheci” (2023)—, dois médias e dez curtas. Tiradentes está exibindo nove das suas produções.
Oliveira chamou a atenção justamente na mostra mineira com o curta “Fantasmas”, de 2010, que colecionou prêmios nos festivais seguintes dos quais participou. Ganhou mais visibilidade com “Temporada”, que faturou cinco troféus no Festival de Brasília, incluindo melhor filme. E se consolida com “O Dia que Te Conheci”, que levou o Grande Prêmio do Festival de Belfort, na França, em novembro pretérito.
A recordação desses e de outros prêmios pode passar a sensação de uma curso inabalável, o que está longe da veras. “Ser preto e de periferia, passar tudo o que passei e estar cá porque eu faço alguma coisa que senhoril não são coisas que acontecem sempre. E quando falo que tenho prazer pelo que eu faço, não esqueço também os momentos de dor e as crises constantes que rolavam e que quase fizeram com que eu desistisse de fazer cinema. As crises vão e voltam, mas agora, com uma voz um pouco mais baixa, talvez”, disse, emocionado, durante a brecha da mostra de Tiradentes.
Mormente circunspecto aos diálogos, Oliveira retrata os moradores da periferia –sobretudo de Relato, sua cidade natal– com uma distinção que o cinema brasiliano poucas vezes dedicou a essa fatia da população. Seu cinema evita o caminho da militância antirracista de forma mais explícita, mas não deixa de ser subversivo ao mostrar um cotidiano imerso em relações de afeto, humor despretensioso e mistérios para os quais não há resposta.
“Por duas pessoas pretas na tela em situações de reverência é, de certa forma, levantar uma bandeira. Acho que a maneira porquê faço os meus filmes é tão importante quanto o cinema preto que toca nessas questões de forma mais direta”, afirma.
A sagacidade com que o diretor lida com as camadas de tempo e de espaço o aproxima do cineasta iraniano Abbas Kiarostami, sua maior referência neste momento. O interesse em distrair com sobreposições de pretérito e presente também tem outras origens, porquê a formação porquê historiador pela PUC-MG.
Entre as influências brasileiras, ele cita o mineiro Carlos Alberto Prates Correia e o gaúcho radicado em São Paulo Carlos Reichenbach.
Reichenbach, aliás, é uma referência sempre lembrada por todos os integrantes da Filmes de Plástico, produtora criada em 2009 pelos diretores Oliveira, Gabriel Martins (“Marte Um”) e Maurílio Martins (“No Coração do Mundo”, em parceria com Gabriel) e pelo produtor Thiago Macêdo Correia.
Entre os seus contemporâneos, Oliveira menciona Guto Parente, que acaba de apresentar o longa “Estranho Caminho” em Tiradentes; Bruno Ribeiro, do curta “Manhã de Domingo”, premiado em Berlim; e os seus colegas de produtora, Gabriel e Maurílio.
“Acompanho o André desde ‘Fantasmas’”, diz a atriz Bárbara Colen, também homenageada no festival. Além da mineiridade, compartilham a mesma geração –ambos nasceram em meados dos anos 1980. “Ele consegue trazer uma linguagem muito novidade. São filmes sobre o cotidiano em que zero acontece e tudo acontece. Revelar essa formosura do cotidiano é para poucos”.
O jornalista viajou a invitação da Mostra de Cinema de Tiradentes