Tom Jobim Fala Sobre Música Brasileira Na Ditadura Militar

Tom Jobim fala sobre música brasileira na ditadura militar – 06/12/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Um Tom Jobim preocupado com o imperialismo americano na cultura do Brasil, com o “término” da música brasileira e tentando reaprender a usar a liberdade posteriormente anos de repressão e increpação da ditadura militar.

Esses são algumas dos temas de uma entrevista dada pelo compositor brasiliano à BBC News Brasil em junho de 1986, quando se preparava para uma temporada de shows em capitais europeias, Estados Unidos e Japão.

A BBC News Brasil recuperou a entrevista nesta semana que marca 30 anos da morte do compositor –considerado um dos mais importantes da história da música brasileira e um dos principais nomes da Bossa Novidade.

“O que eu noto e o que eu tentei invocar a atenção foi o seguinte: a música brasileira, que ia muito muito, de repente acabou, né? Hoje estamos respirando um pouquinho, né? Um clima de maior liberdade”, diz Tom Jobim a Eduardo San Martin, jornalista da BBC, na gravação de 1986 –unicamente um ano e três meses posteriormente o término do governo de João Figueiredo, o último da ditadura brasileira.

Naquele ano, Jobim –que estava com 59 anos– havia recém se casado com a fotógrafa Ana Beatriz Lontra, sua última esposa, com quem teve os filhos João Francisco Jobim (1979-1998) e Maria Luiza Helena Jobim (que viria a nascer em 1987). Ana e outro rebento de Tom, Paulo Jobim, participaram da turnê, tocando e cantando com o compositor.

No ano seguinte, Jobim lançou o disco “Passarim”, com muitos dos músicos usados na turnê de 1986.

Confira aquém alguns dos tópicos da entrevista de Tom Jobim à BBC Brasil.

Ditadura militar e a música brasileira

Tom Jobim diz que a cultura brasileira pagou um preço eminente por desculpa da ditadura militar (1964 a 1985) –anos em que os artistas precisavam subordinar suas obras a órgãos governamentais de increpação prévia.

“A repressão foi muito grande não só na música. No cinema, na literatura, no teatro na música, em todos os setores. Você viu que os artistas foram perseguidos, se afastaram. Alguns se exilaram. Eu fui para os Estados Unidos. O Chico [Buarque] foi para a Itália. Caetano [Veloso] e o [Gilberto] Gil foram para Londres”, disse Tom Jobim, à BBC Brasil.

“Eu acho importante que você possa trabalhar no Brasil. Fazer as coisas com liberdade, sem ter o telefone gravado. Isso tudo cria um clima sufocante.”

Em outros depoimentos ao longo de sua vida –porquê em uma entrevista ao programa Roda Viva em 1993–Jobim falou que não chegou a ser recluso pela ditadura militar, mas que foi “convidado, intimado e intimidado” a comparecer em delegacias.

“Eu logo falei com o general ou com o representante e esclareci que eu não era comunista, era pianista. Eu falei que gostava muito de ar refrigerado e uísque, e que a carceragem não seria um lugar ideal.”

À BBC, em 1986, Jobim falou em tom sério sobre o efeito da ditadura na cultura brasileira: “É uma coisa assustadora. O fio da cultura brasileira foi destruído, foi quebrado de repente. Esse negócio de cultura virou perversão.”

Ele diz que a increpação foi mais em relação à política das pessoas, do que em relação a seus costumes.

“Houve uma certa licenciosidade na cultura brasileira com relação aos jovens. Nesses anos de autoritarismo, sexo, droga, tudo isso ficou bastante liberado. O que não ficou liberado é o pensamento”, diz Jobim.

“Eu acho que liberdade é um troço maravilhoso. E eu acho que o jovem não deve se drogar, não deve se matar, vestido de vermelho na motocicleta. Ele deve sobreviver, amar fazer as coisas boas. Eu acho uma coisa preciosa você poder viver e ser feliz. É simples que a gente tem vontade de se embriagar algumas vezes, mas vamos ver se a gente não morre, né?”

Tom Jobim também diz que a ditadura prejudicou os artistas duplamente: além de terem suas obras censuradas e serem perseguidos, o regime colocou a prensa pátrio contra a classe artística.

“Desde 1964, porquê ficou impossível falar mal dos militares, da polícia, dos presidentes, dos ministros, logo os jornais falaram mal dos artistas. Você compra o jornal e toda semana tem um sujeito esculhambando os artistas. É um negócio trágico esse troço. E ninguém está falando de arte, não. Eles falam de milhões de bobagens, de quantia. Uma vez que se a vida do artista estivesse orientada pelo quantia.”

Imperialismo cultural

“Essa questão sempre existiu, acho que antes de eu nascer já devia ter existido esse imperialismo cultural. Podia no princípio nem ser imperialismo. O Brasil é um país de coisas importadas. Nós importamos tudo. Nós mesmos somos importados –essa máquina, esse microfone. E quando não é importado, é uma reprodução da importação, pela qual se paga royalties”, diz Tom Jobim.

“Eu nunca falo sobre esses assuntos de imperialismo cultural. Por exemplo, nós estamos todos escravos do DX7 [instrumento da Yamaha], dos ‘synthesizers’ (sintetizadores de música). Milénio aparelhos com milénio nomes, ‘emulator’, etc. Logo você tem um problema de que mesmo que você toque uma música brasileira, o instrumento precisa ser importado. Você tem que aprender um troço que é feito num outro lugar. O instrumento quebra e você não tem quem conserte.”

Morar no Brasil x morar nos EUA

“É um problema isso. Eu, por exemplo, não sei por que que não me mudei para os Estados Unidos. A gente teria ficado lá e quando alguma coisa quebra o faceta conserta na hora”, diz Tom Jobim.

“Tem sempre essa cisma de voltar para o Brasil. Essa coisa de fazer um pouquinho mais de música brasileira.”

“O que você faz cá nas companhias brasileiras –que não são brasileiras, são multinacionais– se apaga. O que você faz em Novidade York, fica. Você faz um disco em Novidade York e esse disco vai para o Japão, para a Austrália, para a Europa toda. Você faz um disco cá [no Brasil], e ele fica restringido cá.”

Bossa Novidade x Jazz

Tom Jobim também fala sobre uma polêmica antiga em relação à música brasileira: Bossa Novidade é samba com influência do jazz? Ou Bossa Novidade é a música brasileira influenciando o jazz?

“O que acontece com o negócio do jazz, que deu grande confusão, é que o americano labareda de jazz tudo que balança”, diz Jobim.

“Isso confundiu uma geração inteira de críticos puristas cá no Brasil que ficaram dizendo que o Pixinguinha é jazz, que o João Gilberto é jazz, que o Tom Jobim é jazz. É jazz se você invocar tudo de jazz.”

“O americano é abrangente, ele é aquisitivo. Ele quer comprar tudo: o bolero mexicano, o ritmo cubano.”

“Americano manda o sujeito cá para estudar 20 tipos de samba dissemelhante e depois eles vão tocar esse sambas lá e nós vamos findar copiando os sambas. É aquele negócio: nós vamos findar estudando no livro americano os passarinhos brasileiros, que eles vieram cá e fotografaram recta.”

Fronteiras

“Eu quero esclarecer. Eu não acho que fronteira seja um troço importante. Urubu passa por cima de fronteira sem passaporte, sem passagem de avião, sem zero.”

“O vestuário de você expor isso cá é de São Paulo, isso daqui é do Rio. Eu acho isso uma bobagem. O planeta está cada vez menor, o avião anda cada vez mais depressa e a cultura naturalmente miscigena. Há é uma mistura.”

“Eu não sou contra nenhum tipo de música. Porque também as pessoas querem sempre dar nome às coisas. E dar nome às coisas prejudica a compreensão. Você labareda Maria de Maria e pensa que conhece Maria, mas Maria é só um nome. Você não conhece Maria.”

Brasileiros ‘puristas’

“A atitude purista do Brasil é ‘deixa para lá’. E a atitude deles é ‘venha a nós’. Logo para um a atitude é positiva, do rico, da obtenção. Para o outro a posição é: você faz um troço lindo, mas no momento em que o americano toca o faceta diz que aquilo é americano. Logo é uma doação eterna.”

Folha

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