Tony Goes: Estranha Sensação De Estrear Como Autor Teatral

Tony Goes: Estranha sensação de estrear como autor teatral – 20/01/2024 – Tony Goes

Celebridades Cultura

Minha profissão é grafar. Escrevi centenas de anúncios e comerciais de TV durante os 25 em que trabalhei em agências de propaganda. Inventei de ser roteirista e escrevi para séries de TV, programas de variedades e alguns longas-metragens.

Fui o ghost writer da autobiografia de uma amiga. Desde 2011, tenho esta poste no F5. E mantenho um blog pessoal desde 2007, onde escrevo todos os dias, chova ou faça sol.

No meio de tantos textos para mídias diferentes, ainda me faltava um gênero: o teatro. Sempre sonhei em grafar para o palco, mas a vida me levava por outros caminhos. Agora não falta mais. Na quinta-feira passada (18), estreou no Rio de Janeiro o solilóquio “Quem Tem Terror de Olga del Volga?”, inspirado na vida e obra do artista prateado Patricio Bisso.

Minha primeira peça, embora seja por demais pretensioso eu expor que ela é minha. Para primórdio de conversa, o projeto não é meu. Ele surgiu da cabeça do ator Gustavo Klein, que interpretou Olga del Volga, a mais famosa personagem de Patrício, no filme “Hebe – a Estrela do Brasil”. O produtor teatral Marcelo Aouila, que eu conheço há anos, encampou a teoria, criou o título do espetáculo e só logo me chamou.

Expliquei para o Marcelo que eu nunca tinha escrito para o teatro, e que um solilóquio me parecia alguma coisa extremamente reptante. Ele não deu a menor globo. Respondeu que eu tinha o humor necessário para uma empreitada dessas.

Outrossim, eu tinha um “plus a mais”: conheci Patricio Bisso (1957-2019) pessoalmente, através de amigos em generalidade, e fui a vários de seus shows. Tanto Gustavo quanto Marcelo, muito mais jovens do que eu, não têm idade para terem visto Patricio em cena.

Levei um ano para terminar o texto, entre idas e vindas. Enquanto isto, Marcelo inscreveu o projeto num edital, e fomos aprovados. No final do ano pretérito, o produtor me avisou: “Vamos estrear no primórdio de fevereiro”.

“Vocês estão loucos”, disse eu. “Não há tempo hábil para levantar um espetáculo em tão pouco tempo, por mais simples que ele seja”. Para variar, eu estava iludido. Os ensaios levaram somente 20 dias, e a peça entrou em edital em janeiro.

Vim para o Rio testemunhar à estreia, um pouco apreensivo. E se o texto não funcionar? Mas a equipe que Marcelo juntou me tranquilizava. O diretor Gilberto Gawronski é um dos mais respeitados do teatro carioca. Os figurinos são de Claudio Tovar, que chegou a trabalhar com Patricio Bisso. E a direção músico ficou a incumbência de Wladimir Pinho, que substituiu com galhardia a orquestra com que eu sonhava (uma vez que se o orçamento desse para tanto).

“Quem Tem Terror de Olga del Volga?” veio à luz num lugar inusitado, porém totalmente tempestivo: a Turma OK, a boate gay em funcionamento mais antiga do mundo. Fica no núcleo da cidade, e tem um ar de cabaré perfeito para a plateia entrar logo no clima.

Ah, a plateia… A primeira noite foi basicamente para convidados. Entre eles, a atriz Maria Clara Spinelli e o cantor Kiko Zambianchi. Simples que ninguém iria vaiar, mas no final eu achei que o público havia realmente gostado.

Eu também gostei. E percebi que o texto original pode até ser meu, mas a peça em si é uma geração coletiva. O diretor Gilberto Gawronski deu soluções que nunca me ocorreriam. Wladimir Pinho recheou o espetáculo de citações musicais. E a drag queen Regine de Mônaco faz uma aparição surpresa, que não estava no texto, mas que ficou absolutamente deliciosa.

Mas o trabalho mais difícil de todos é o de Gustavo Klein, que teve somente três semanas para decorar tudo –inclusive as letras elaboradíssimas que Patricio escrevia, num português perfeito, para as músicas de seus shows.

Gustavo faz três personagens: ele mesmo, Patricio Bisso e, evidente, Olga del Volga. Canta e dança muito muito, um talento que faltou ao multitalentoso prateado. E tem a plateia na palma da mão, durante uma hora de espetáculo.

Fui ver novamente no dia seguinte, e achei ainda melhor. Todo mundo mais relaxado, a peça fluindo com desembaraço. Não é para me gabar não, mas eu gostei uma vez que se não tivesse zero a ver com ela.

E assim, aos 63 anos, perdi mais uma virgindade. Agora sou responsável teatral. A sensação é estranhíssima, mas também empolgante. Não quero mais parar: já tenho a teoria para uma próxima peça, e uma amiga diretora me pediu para adequar um texto francesismo que ela quer montar.

Que pena que Patricio Bisso não esteja mais cá. Ele morreu em 2019, quase esquecido, e um dos objetivos de “Quem Tem Terror de Olga del Volga?” é resgatar sua memória.

Por outro lado, que conforto. Patricio era uma pessoa ferina, sem papas na língua. Brigou com muita gente por besteiras, e nunca pedia desculpas por zero. Era muito crítico e perfeccionista. Tenho certeza de que ele iria odiar.

Tony Goes nasceu no Rio de Janeiro, mas vive em São Paulo desde pequeno. Já escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. E atualiza diariamente o blog que leva seu nome: tonygoes.com.br.

Folha

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