Da primeira vez que esteve no Brasil, Travis Scott literalmente abalou as estruturas. Foi na primeira edição pátrio do festival Primavera Sound, no Sambódromo do Anhembi, em São Paulo, há muro de dois anos. Seu show, num espaço para 45 milénio pessoas, causou tanto alvoroço que um pedaço do pavimento do torrinha cedeu de tanto o público pular.
Ninguém ficou ferido, mas Scott em certa fundura teve de pedir que a plateia na pista desse dois passos para trás, para evitar tumultos. Seguranças do festival também jogaram chuva no público e resgataram fãs que passaram mal. Por todo lado, havia rodas de bate-cabeça, sinalizadores vermelhos espalhando fumaça e muita gente pulando.
Foi o primeiro encontro do rapper com o público brasiliano, já que o Lollapalooza de 2020, para o qual ele tinha sido escalado, foi cancelado em meio à pandemia de Covid-19. Mas não é dissemelhante do que acontece ao volta do mundo em seus shows, e deve ser a tônica de sua apresentação no Rock in Rio.
É tanto mal o que era sarau já chegou a virar tragédia. Em 2021, durante um show em Houston, no Texas, sua cidade natal, Scott presenciou uma série de tumultos que levou à morte de dez pessoas e deixou centenas de feridos —incluindo muitos jovens e adolescentes.
No caos daquela apresentação, há relatos de fãs dizendo que, em questões de poucos minutos, tomados pela euforia de ver Scott, a plateia de 50 milénio pessoas se espremeu ao ponto de muita gente permanecer sem conseguir respirar. Ambulâncias chegaram a entrar no meio da aglomeração, e há imagens de pessoas subindo nos carros, num cenário quase apocalíptico.
Essa fatídica apresentação mexeu bastante com Scott. Não dá para expressar que ele faz shows com o freio de mão puxado nos últimos anos, mas há uma preocupação maior do rapper com a segurança e saúde dos fãs.
O show da tragédia integrava a turnê “Astroworld”, em que o rapper promovia uma experiência conceitual parecida com a sensação de adrenalina de estar numa montanha-russa. Astroworld, aliás, é o nome de um parque de diversões que funcionava em Houston e que dá nome e inspira a cobertura do álbum de 2018 do rapper, seu mais popular até hoje.
Essa abordagem estilo montanha-russa vai além de “Astroworld” e ajuda a entender o apelo estético de Scott —um dos maiores expoentes do trap, o estilo de rap de batidas eletrônicas que se tornou um dos mais consumidos do mundo na última dez.
Ele ficou espargido pelas habilidades uma vez que produtor, atuando uma vez que uma espécie de artista-curador, reunindo uma vasta gama de beatmakers e MCs em seus discos —muitas vezes em uma mesma música—, sob sua direção criativa.
Esse protótipo foi consagrado por Kanye West, de quem Scott era pupilo quando despontou. Eles, aliás, chegaram a fazer segmento da mesma família, quando o rapper de Chicago era casado com Kim Kardashian e o artista de Houston com a mana dela, Kylie Jenner, mãe de seus dois filhos. A atração do Rock in Rio ficou junto com a empresária e influencer entre 2017 e 2022.
Em “Astroworld”, Scott levou sua estética à máxima potência. Em sucessos uma vez que “Sicko Mode”, parceria com Drake em que o rapper canadense curiosamente desanca Kanye West na letra, há três viradas na batida —uma vez que mudanças de direção, descidas e subidas em uma montanha-russa. Essa música, certeza de bate-cabeça na plateia do Rock in Rio, tem quase 4 bilhões de reproduções contando só Spotify e YouTube.
Scott também domina uma vez que ninguém no planeta o uso do Auto-Tune uma vez que instrumento estética, soando uma vez que um tipo robótico que parece saído de outro planeta —ou diretamente do porvir. Sua música é ainda viajada e lisérgica, embebida numa psicodelia eletrônica costurada por timbres atmosféricos e movida a graves robustos que soam uma vez que socos na testa.
Com variações ao longo dos álbuns, essa sonoridade vem desde o prelúdios de sua curso, com “Rodeo”, disco de 2015 que foi seminal para o trap e deve render duas ou três músicas para o repertório do show no Rock in Rio —entre elas “90210”, “Antidote” e “Nightcrawler”. “Birds in the Trap Sing McKnight”, seu álbum seguinte, de 2016, deve emprestar pelo menos outras duas à apresentação, “Sdp Interlude” e “Goosebumps”.
Essa última, um de seus maiores sucessos, é um amolado dueto com Kendrick Lamar que se torna sempre um momento apoteótico nos palcos. O hit tem refrão chiclete e melodia construída em torno de sons de piano macabros, tocados de trás para frente, cativantes mesmo soando quase desafinados.
Mas o show que Scott traz ao Brasil desta vez é fundamentado em seu mais recente álbum, “Utopia”, lançado no ano pretérito. Repleto de participações de estrelas, incluindo Drake, Beyoncé, SZA, Bad Bunny e The Weeknd, entre outros, é uma espécie de blockbuster do trap, com um clima imersivo, faixas mais lentas e reflexivas.
É um disco mais hermético, menos pop que seu predecessor, no qual o artista se destaca ainda mais pela faceta de produtor, entregando uma paleta de timbres ainda mais ampla em mais de uma hora de álbum. Ainda assim, há músicas enérgicas e que funcionam muito no palco —caso principalmente de “Fe!n”, com ajuda do esquina brutalista de Playboi Carti.
De “Utopia”, também é provável que Scott cante “Topia Twins”, que tem participação de 21 Savage. Ele é uma das atrações do Rock in Rio no mesmo dia do rapper texano, e os fãs esperam que Savage suba ao palco para o que seria um encontro instigante de dois dos maiores ícones do trap em atividade ao volta do mundo.