Branco Mello se dirige à plateia do estúdio, durante a gravação de “Titãs Microfonado”, e anuncia “a melhor margem de todos os tempos da última semana”. “Essa música fala sobre longevidade. Ou 15 minutos.”
Sua frase pode definir o novo projeto audiovisual que chega às plataformas agora, com a margem revendo canções recentes e antigas em formato acústico, ao lado de convidados que vão dos veteranos Ney Matogrosso e Lenine aos jovens Major RD e Bruna Magalhães.
Mas a asserção de Mello pode também se referir à trajetória da margem. Ou mesmo a experiência da existência humana, se abrirmos a lente para a longevidade e o momento caberem no mesmo quadro. “O tempo também é uma ilusão. A gente vive sempre o cá, o agora, o presente”, diz Sérgio Britto, em entrevista por videoconferência ao lado dos dois outros integrantes da margem, Mello e Tony Bellotto.
O tecladista prossegue sua reflexão, lembrando a turnê “Titãs Encontro”, que reuniu os membros originais no ano pretérito. “Ficou evidente a relevância da nossa obra. Mas o fazer artístico traz você muito para o presente. Você fala ‘fiz tudo isso, fiz tudo aquilo, mas o que estou fazendo agora?’.
A escolha do repertório de “Titãs Microfonado” —projeto do selo Midas Music, de Rick Bonadio, que assina a produção do lançamento ao lado de Sergio Fouad— afirma o compromisso com o presente.
Muitas das canções escolhidas vêm do álbum “Olho Furta-Cor”, de 2022. “O disco ficou no limbo por justificação da turnê e também daquele momento de termo de pandemia”, diz Britto. “Ao regravar algumas canções e juntar outras clássicas, poderíamos revitalizar esse trabalho, que achamos que tem muita coisa interessante.”
Bellotto conta que o projeto também marca um movimento na curso da margem. “A turnê ‘Titãs Encontro’ teve aquela grandiosidade, e é bom a gente fazer na sequência alguma coisa dissemelhante, intimista, para ser visto em teatros.”
Há em “Titãs Microfonado”, portanto, um caráter de reestreia nas canções de “Olho Furta-Cor”, pouco conhecidas. Mas há outros ineditismos mais sutis. “Sonífera Ilhota” aparece pela primeira vez na voz de Bellotto, um de seus autores. Da mesma forma, “Marvin (Patches)” é gravada também pela primeira vez com Britto cantando —o tecladista é parceiro de Nando Reis na versão em português da música americana.
“Debutar a trovar foi uma verdadeira reinvenção de mim mesmo”, diz Bellotto. “Já estou cantando há alguns anos, mas até hoje ainda me espanto que esteja conseguindo trovar.”
Já Britto, que sempre foi um dos vocalistas dos Titãs, teve dificuldade de recriar uma música famosa com outro cantor. “Tenho muitos sucessos com a minha voz, mas, com a debandada de cantores da margem, acabei começando a trovar nos shows algumas músicas que eu não tinha gravado. Não vou expor que é fácil, porque você fica realmente influenciado. Você passa por um período de incerteza até encontrar o seu caminho.”
Ele nota ainda que “os Titãs nunca foram uma margem de um cantor só”. Portanto, a incorporação de Bellotto uma vez que vocalista foi fundamental na manutenção dessa identidade.
Mesmo as músicas cantadas por Mello há muito tempo ganham a marca do ineditismo por, uma vez que ele diz, estarem sendo gravadas pela primeira vez com sua “novidade voz”. Nos últimos anos, ele enfrentou um cancro na laringe e passou por algumas cirurgias que tornaram seu esquina mais rouco.
“A gente brinca que é a voz que ele sempre quis ter”, diz Belloto. “Na cabeça, com certeza, era essa voz”, diz Mello.
A mudança do esquina de Branco Mello pode ser lida uma vez que uma asserção do tempo e da vida. “Minha voz é possante. Ela é real. É a minha vida. Traz tudo que vivi desde que nasci, a minha história. Não sei até quando eu vou ter uma voz, mas me apego a essa que sobrou, porque sabor dela. No disco, ele faz um dueto com Preta Gil em “Porquê É Bom Ser Simples”, que celebra ter vencido um cancro, uma vez que ele.
Os convidados, aliás, dão um quadro do alcance da música dos Titãs. Estão ali diferentes estilos, gerações ou mesmo territórios, já que eles são originários de diferentes lugares do Brasil. A lista é formada por Ney Matogrosso, em “Apocalipse Só”, Vitor Kley, em “Marvin”, Ciz Mendes, em “Um Mundo”, Bruna Magalhães em “Porque Eu Sei que É Paixão”, Major RD em “Cabeça Dinossauro” e Lenine em “Raul”.
Os encontros geraram momentos divertidos nos bastidores. Ney Matogrosso, por exemplo, se deu conta só ao chegar ao estúdio que o registro também seria em vídeo.
Mello conta que, dias antes da gravação, Major RD perguntou “mas cabeça de dinossauro era uma gíria da idade para falar de pessoas não evoluídas?”. Não era uma gíria. A sentença é Titãs puro sangue. Mas o rapper não errou tanto, uma vez que demonstram suas rimas na novidade versão da música —”pança de mamute/ espírito de porco/ não acredito que ainda exista”. Está aí a longevidade do recado dos Titãs.