Quem tem terror de Xica Manicongo? A resposta a essa pergunta vai ser dada pela escola de samba Paraíso do Tuiuti, a segunda das quatro agremiações do Grupo Peculiar do Rio a se apresentar na terça-feira (4), último dia de desfiles no Sambódromo. As outras são: Mocidade Independente de Padre Miguel, Grande Rio e Portela.
O enredo da Tuiuti contará a vida de Xica, considerada a primeira travesti do Brasil, e seus percalços. Escravizada no Congo foi trazida para Salvador, na Bahia. Lá, Xica foi obrigada a se vestir com roupas identificadas uma vez que masculinas, foi perseguida por suas manifestações religiosas e não podia provar o seu pensamento. Mais do que recontar a história, a intenção do carnavalesco Jack Vasconcelos é mostrar o ser humano por trás da personagem.
“Além do carnavalesco, da pessoa que trabalha, tem alguém olhando para o ser humano. A escolha desse tema fala com a gente dessa forma, fala direto para o ser humano, e essa personagem está trazendo uma oportunidade de falar da transcestralidade, da preço. Fala-se muito da ancestralidade hoje em dia, dos fundamentos ancestrais de várias questões, inclusive raciais, mas estamos falando de uma figura que traz essa preço, inclusive religiosa, da figura LBGBT e das pessoas trans na história do mundo”, explicou, em entrevista para divulgação do enredo da Tuiuti.
Quando se negou a seguir o roteiro traçado pelo sistema que escravizava pessoas, as traziam de África e apagava sua identidade, surgiu a figura de Xica Manicongo, que chamava a atenção e, ao mesmo tempo, provocava temor por razão das suas manifestações religiosas.
“E lá seguia Xica: temida, da cidade subida à cidade baixa com reputação de feitiçeira, feiticeira, sacerdotisa dos desencarnados e das práticas “não cristãs”, envolta pela espiritualidade dos seus ancestrais, uma vez que se fazia na sua terreno, ao modo quimbanda. Quando a intolerância bradou contra ela em terreiro pública a ordenou renegar sua religiosidade e desistir sua fé para oprimir sua existência, Xica disse: ‘não’. Recusou-se a renunciar sua ancestralidade, sua identidade”, diz texto do enredo divulgado pela escola.
Pergunta
O carnavalesco disse que a subversão custou custoso a Xica e ela foi denunciada à Santa Pergunta em Salvador. O motivo era ter um comportamento considerado indecente e ser uma figura dissidente, Xica Manicongo seria uma criminosa de lesa-majestade aos olhos das Ordenações Manuelinas. “Ela chegou à Bahia e trabalhou com um sapateiro. A gente foi brincando com essa história até chegar na Santa Pergunta, quando ela foi denunciada, acusada de sodomia e de bruxaria, porque não entendiam a religião dela. Ela tentou praticar cá os seus conceitos religiosos”, disse contou na entrevista, indicando mais uma segmento do que a escola vai mostrar na avenida.
Nessa situação, acabou tendo duas vidas. Enquanto, durante o dia, se vestia com roupas masculinas e era Francisco, à noite dava vazão a segmento com a qual mais se identificava: a Xica. “Diante de tal encruza, finalmente, Xica disse sim. Se viu obrigada a concordar a crueldade da prisão interno oferecida uma vez que harmonia. Mas, eles não iriam vencer. Logo, na luz do dia, lá se via Xica travestida daquilo que não era; enrustida no armário de Francisco. E quando o véu da noite cobria a cidade, lá se ia Xica rodando sua saia pelas brechas das ruas, esquinas, estradas e matos, encantada e zombando”, ressalta o texto do enredo.
A amarelo ouro e azul pavão do Morro do Tuiuti, no bairro de São Cristóvão, na zona setentrião do Rio, tem hábito de levar a Sapucaí enredos questionadores. Neste, ao apresentar a vida de Xica Manicongo, espera que a visibilidade do desfile fortaleça o combate ao preconceito contra as pessoas trans e o recta de que estas levem a vida da maneira que quiserem.
“E cá está Xica Manicongo, senhora do Congo, rainha da nossa congada. Coroada e consagrada rainha do Traviarcado. Ela quer as ruas, as casas, as telas, os livros,as salas de lição, os diplomas, os consultórios, as forças armadas, os altares, os parlamentos, as políticas, as presidências… A vida, o paixão. Ela não vai recuar. Eles não vão vencer. Zero há de ter sido em vão”, acrescenta o texto do enredo divulgado pela escola.
Para o carnavalesco, dar visibilidade em um desfile de escola de samba a uma figura uma vez que Xica Manicongo é uma questão de saudação ao que uma pessoa quer ser. “A gente vem falando dessa personagem para ela servir de espelho para a geração de hoje, com essa luta por visibilidade, por saudação, de você ser respeitado pelo que você é, pelo que acredita e pelo que pratica uma vez que cidadão e cidadã, independente do que seja. Isso é muito importante para a gente e um recado para a sociedade muito grande”, disse Vasconcelos na entrevista.
Pesquisa
Segundo o carnavalesco, o enredo foi escolhido a partir de uma pesquisa do professor, antropólogo, historiador e pesquisador Luiz Mott, da Bahia, um dos principais ativistas da razão LGBTI no Brasil. Ele trouxe à luz a história da existência de Francisco Manicongo, que mais tarde passou a ser chamado de Xica Manicongo. “Sabemos que era uma pessoa identificada de um grupo chamado Jimbanda e que tinha uma questão de que essas pessoas usavam uma saia amarrada na frente, logo compunha uma figura mais feminina também. Isso pode ter gerado uma confusão na era”, revelou.
Além da pesquisa do professor Mott, o carnavalesco teve aproximação a muitos textos de uma geração de professores e professoras trans que pesquisaram e escreveram sobre a Xica. “É um material muito importante para mim porque é o filtro delas, falando do que é importante para elas”, afirmou.
“Estou tendo a oportunidade de falar da minha comunidade, mas é uma segmento da minha comunidade, e é uma segmento da minha comunidade extremamente importante, historicamente, nas lutas que elas encabeçaram e que beneficiaram toda a comunidade e à {sigla} que mais enfrenta preconceito dentro da nossa própria comunidade. Elas sofrem do lado de fora e sofrem dentro da bolha. Ver esse material acadêmico gerado por essas pessoas dentro das universidades é muito importante e já ser usado em um enredo de escola de samba e para falar de uma coisa importante para a gente, isso foi muito bacana para mim”, destacou.
Para aprofundar a pesquisa, Jack conheceu os conceitos da quimbanda, considerada um concepção religioso afrobrasileiro de origem na mitologia bantu. O carnavalesco disse que Xica praticava quimbanda em África e trouxe essas práticas religiosas para cá. Porquê já tinha informações de escrita pensou em saber esses conceitos religiosos. A resposta foi além do que estimava.
“Fui surpreendido por esta segmento místico, comecei a receber uma tentativa de notícia. O que me faltava em termos de pesquisa fria, foi preenchida pela boca da própria Xica Manicongo. Tem passagens no enredo que não estão em livro nenhum e que eu tive o privilégio de ouvir da boca do próprio espírito, do que ela se tornou e ser orientado dentro dessa história”, revelou, contando a sua experiência místico.
Xicas na avenida
Jack Vasconcelos quis que a figura medial do enredo fosse apresentada no desfile em representações diferentes. “No nosso desfile teremos algumas representações da Xica Manicongo femininas e outras uma vez que estátua em uma forma da gente homenagear a Xica.
“Teremos quatro mulheres trans e travestis que vão personificar a Xica Manicongo no desfile. A primeira, na percentagem de frente a [dançarina, coreógrafa, professora e performer] Daniela Relâmpago Black, depois a cantora Hud, representando a Xica no Reino do Congo, ela uma vez que a sacerdotisa quimbanda, depois a [cantora trans] Pepita no coche de Salvador, representando Xica escravizada, e depois em um tripé no meio de uma renque com coreografia sobre a pergunta em Salvador, com a Bruna Maia representando a Xica e a fogueira da pergunta”, revelou à Sucursal Brasil.
Hud
O invitação da diretoria e do carnavalesco para a cantora trans Hud Burk simbolizar Xica Manicongo no desfile da Paraíso do Tuiuti chegou depois que ela participou do primeiro experimento de rua que a escola, fez na preparação do carnaval. “Me viram ali e no dia seguinte me fizeram o invitação, me chamaram para viver Xica, fazer essa representação de Xica Manicongo na avenida”, lembrou a cantora.
Para Hud, a participação ocorre em um momento muito histórico com os 40 anos de carnaval no Sambódromo completados no ano pretérito. “Quando que a gente ia imaginar, que uma mulher trans, que viveu vários percalços na vida, que foi ameaçada, foi morta à queima-roupa, não teve nem oportunidade de se tutorar, nem de ser realmente quem sempre foi, mas foi uma mulher corajosa e que abriu espaços e caminhos para que hoje tantas outras estivéssemos cá [como enredo de um desfile]”, destacou.
O invitação gerou também uma identificação de Hud com a Tuiuti, e ela disse que será para o porvir também. “Estou participando da Paraíso do Tuiuti neste ano, não somente levante ano, agora eu já faço segmento da escola, logo, meu coração é Paraíso do Tuiuti, e tenho certeza de que faremos um luzente carnaval.”
“Ter Xica Manicongo uma vez que representante de uma escola de samba de grande visibilidade é um momento de totalidade reparação histórica. É um momento de vitória , vitória pela nossa luta, pela nossa garra, pelas nossas feridas. É um ato de muita coragem da Tuiuti. É um ato de muita representatividade e eu tenho de certeza que Xica está muito feliz.”
Mesmo com esta visibilidade, Hud disse que ainda há muito o que fazer contra o preconceito. “Nós temos muitos caminhos ainda para desbravar nessa luta contra o preconceito. O Brasil é o país que mais mata pessoas trans. É o país que mais consome pornografia de mulheres trans e travestis e estamos cá para fazer esta reparação. Chega, chega. Pedimos paixão, pedimos sossego, pedimos saudação, pedimos paridade, mais vida, queremos viver, queremos estar vivas e estaremos, assim seja”, afirmou.