“Somos filhos, netos e bisnetos do sagrado véu tupinambá”. Leste ode ecoou, repetidamente, pelo parque municipal Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, nesta terça-feira (10), escoltado de sons de maracá e fortes pisadas que conduziam uma marcha de quase 200 indígenas.
O tão esperado encontro entre os indígenas da Bahia e o véu tupinambá aconteceu no Museu Vernáculo do Rio de Janeiro em um dia considerado histórico para os povos originários do Brasil. Acampados no Circo Marcos Frota, eles caminharam até a instituição para uma exibição restrita da peça, que estava na Europa desde o século 17, porquê montão no Museu da Dinamarca.
Divididos em grupos de tapume de 15 pessoas, os herdeiros do véu puderam ter leste primeiro contato em uma sala principalmente montada no museu. No lado de fora, rezas e cânticos continuavam em cume e bom som. Lá dentro, o silêncio e a emoção tomavam conta do espaço. A Folha teve entrada à sessão, mas sem autorização de publicar imagens.
A cacica Jamopoty Tupinambá, 62, chegou a ver o véu pela primeira vez no domingo (8), deitado sob uma mesa, em uma sessão exclusiva para as filhas de Amotara (Nivalda Amaral de Jesus), considerada a maior liderança no território dos indígenas tupinambás de Olivença, na Bahia.
Em 2000, a matriarca chegou a ter entrada à peça na Mostra do Redescobrimento, que aconteceu no parque Ibirapuera, em São Paulo. A partir desta viagem, ela liderou o movimento de repatriação, que aconteceu duas décadas depois, agora sob a meio da filha.
Dessa vez ao vê-lo na posição em pé, porquê a mãe viu anos detrás, Jamopoty relata que a emoção foi ainda maior. A cacica relatou que o véu retornou ao Brasil para reparação histórica de seu povo, que chegou a ser proferido porquê extinto.
Em exposição, ela ressaltou que os tupinambás foram os primeiros de contatos com os colonizadores, e com isso sofreram diversas violências, na tentativa de serem dizimados. E hoje, os indígenas seguem sofrendo sem a falta de demarcação da terreno, delimitada entre os municípios de Ilhéus, Una e Buerarema, no litoral baiano.
“Nós, povo tupinambá, fomos considerados extintos, e hoje temos um véu de 386 anos que ficou na Dinamarca, preservado, para vir cá mostrar ao mundo que estamos cá, vivos. Somos a raiz daquele povo que sofreu muito”, disse.
“E agora a gente está cá, felizes, pintados, mostrando a ele [o manto], nós não somos os de 1500, nós não somos os de 386 anos que ele deixou, mas nós somos um povo novo, um povo que precisa ainda demarcar seu território.”
Os indígenas de três etnias —tupinambá, pataxó-hã-hã-hãe e kariri— chegaram ao Rio no sábado, feriado de 7 de Setembro, em seguida um dia de viagem em três ônibus, para festejar a chegada do véu. Convidados a participar do cortejo “Paragem 7”, em referência ao Dia da Independência do Brasil, eles percorreram as ruas em protesto por demarcação de terreno.
Nesta segunda (9), os indígenas convocaram uma entrevista coletiva de prensa no acampamento, onde criticaram os três Poderes pela meio das pautas indigenistas no Brasil. Eles ainda detalharam a programação de rituais sagrados que seguirá até quinta-feira (12), quando deve ocorrer a cerimônia solene de celebração da chegada do véu, com a participação de autoridades.
Na ocasião, os tupinambás lembraram do concórdia definido no grupo de trabalho pela repatriação. O véu deveria ter sido recebido com uma cerimônia ainda no aeroporto, mas a peça chegou de forma sigilosa, no início de junho, e só foi informada depois, o que gerou um conflito com a gestão do museu.
Em nota, a instituição informou que “o Museu da Dinamarca pediu que a data de chegada não fosse divulgada devido a questões de segurança. A direção do Museu Vernáculo/UFRJ levou essa informação em reunião com o grupo de trabalho, do qual também faziam segmento as lideranças indígenas de Olivença e da Serra do Padeiro, além do Ministério dos Povos Indígenas”.
Ana Luíza do Amaral, dirigente do laboratório de restauração e conservação do museu, relata que o zelo desde a chegada do véu ao Brasil é muito quebrável. Entre as principais preocupações estão questões voltadas a firmeza da temperatura, que podem gerar em materiais orgânicos fungos e insetos xilófagos (que se alimenta de madeira).
“Portanto, nossas grandes preocupações eram, porque por estar há muitos anos na Dinamarca, que tem um envolvente inabalável, tem uma temperatura e uma umidade muito diferentes da daqui, a nossa grande preocupação foi que ele estivesse em um envolvente inabalável”, disse.
Amaral destaca que a peça só estará exposta ao público em 2026, mas que o museu elabora um protocolo peculiar para outras sessões exclusivas para os indígenas terem entrada.
O véu, uma peça de tapume de 1,20 metro de fundura por 80 centímetros de largura, é considerado uma entidade sagrada pelos indígenas tupinambás. Ele teria sido levado à Europa por holandeses, por volta de 1644.
Confeccionado em sua maioria com penas de guarás, mas também com plumas de papagaios, araras-azuis e amarelas, a peça foi doada pelo Museu Vernáculo da Dinamarca, que detém desde 1689 outras quatro peças porquê essa.
Embora existam registrados 11 mantos espalhados pelo mundo, esta é a primeira vez que a peça fará segmento do montão de um museu brasílio.
Segundo a pesquisadora Amy Buono, professora de história da arte da Universidade de Chapman, nos Estados Unidos, além da peça que agora está sob posse do Brasil, as demais estão na Europa, conforme a lista inferior.
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Copenhague, no Museu Vernáculo da Dinamarca, tem quatro mantos;
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Florença (Itália), no Museu de História Oriundo de Florença, tem dois mantos;
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Basileia (Suíça), no Museu das Culturas, tem um véu;
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Bruxelas (Bélgica), no Museu Real de Arte e História, tem um véu;
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Paris (França), no Museu das Artes e Civilizações da África, Ásia, Oceania e Américas, tem um véu;
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Milão (Itália), na Livraria Ambrosiana, tem um véu.