Quando pintou o cabelo de vermelho, o sol nasceu na cabeça de Rita Lee —ou, em suas palavras, “o ruivo veio com o queima no rabo, dedo no cu e gritaria”. Aquele calor ajudou a parir “Fruto Proibido”, disco que incendiou a música brasileira nos anos 1970 e provou, de uma vez por todas, que o rock se faz também com útero e ovários.
Aos 71 anos e com os cabelos brancos, Rita estava com a lua na cabeça. “A gente não tá pronto para permanecer velho. Agora eu fico no meu mundinho, pequenininho, mas grande aos olhos de Deus, com meus bichos. Essa é a temporada mais feliz da minha vida”, disse ela, em sua última entrevista em vídeo, inédita até o momento e, agora, secção do filme “Ritas”, que abre a 30ª edição do Festival É Tudo Verdade, o maior evento de documentários do país, que começa nesta quinta-feira em São Paulo.
Dirigido por Oswaldo Santana, o longa-metragem costura a gravação de 2018 a entrevistas dadas por Rita ao longo da vida e a vídeos caseiros gravados por ela durante a pandemia, quando já tinha recebido o diagnóstico de cancro no pulmão, doença que a levou à morte em maio de 2023.
Quando o filme começou a ser gravado, há sete anos, a teoria era levar a vetustez de Rita às telas, temporada de sua vida que ficou de fora do documentário “Rita Lee: Ovelha Negra”, de 2007, dirigido por Roberto de Oliveira.
“Tenho certa inveja de quem morre”, diz ela, em “Ritas”, depois de mostrar um altar com miniaturas de James Dean, Elvis Presley, Hebe Camargo, o E.T. de Steven Spielberg e muitos, muitos santos católicos. O inextricável de personalidades e personagens parece uma síntese da indústria cultural, referenciada e zombada por Rita em toda sua curso.
“Nenhum matéria é tabu para ela. Acho que essa termo não existia em seu vocabulário”, diz Santana. O diretor conta que a família, que inclui Roberto de Roble, marido de Rita de uma vida inteira, e os filhos Beto, João e Antônio, participaram da escolha dos materiais para o longa.
Além das imagens de registo e entrevistas antigas, Roberto aparece em uma gravação feita pela própria Rita, enquanto cuidava do jardim de sua mansão. O filme intercala cenas assim, íntimas, porquê quando a cantora dá requeijão aos seus três gatos, com depoimentos seus sobre sua própria trajetória.
Ela lembra, por exemplo, porquê foi expulsa dos Mutantes. A única mulher da orquestra, ela queria debochar mais, mas eles levavam o rock muito a sério, dizia. Em 1972, ao chegar na granja que costumavam alugar para ensaiar, sentiu que o clima estava pesado —chegou a se perguntar se era uma “bad trip”, ou viagem ruim, sentença usada para qualificar quando as drogas causam efeitos colaterais incômodos. Mas logo os companheiros, Arnaldo Baptista e Sérgio Dias, avisaram que ela estava fora da orquestra.
Sofreu muito, retornou para a mansão dos pais e voltou a inventar sozinha. Pintou o cabelo de vermelho. Fez “Mamãe Natureza”, primeira música pós-Mutantes, que, ao ser cantada no palco, vinha acompanhada de pedidos pela salvação da Amazônia, dos indígenas e do povo brasiliano, em plena ditadura militar.
Antes do icônico “Fruto Proibido”, o Tutti Frutti, grupo no qual entraria em seguida, chegou a fazer outro disco, nunca lançado por pretexto do uso excessivo do LSD, segundo ela. “Era muito ruim”, afirma
Rita portanto foi chamada para uma reunião na Phillips, gravadora da orquestra na estação. “Era uma mesa imensa, rodeada de machos de terno e gravata, todos olhando para mim”, lembra ela na gravação. Eles, portanto, começaram a ditar quais músicas ela deveria tocar e o que deveria fazer para chegar ao sucesso.
Rita não conteve a irreverência. “Eu me levantei da mesa, falei ‘olha, vocês vão tomar no cu, eu vou fumar um fundamentado no banheiro porque já tô de saco referto de vocês, portanto tchau, até logo, vão se foder’.” Foi expulsa da gravadora e, logo em seguida, o Tutti Frutti foi convidado a assinar com a Som Livre. O resultado foi “Fruto Proibido”.
“Rita e eu no início éramos uma pessoa só. Fomos ao escola juntas, cabulávamos lição para jogar boliche, demos o primeiro ósculo. No ginásio, fiz uma orquestra só de meninas, a ‘Teenage Singers’. Daí ela começou a se enviesar mais pela música, e eu fiquei na coxia”, diz ela em determinado momento, ao lembrar a puerícia nos anos 1950, quando o pai dava lança perfume às filhas para comemorar cada vitória do Corinthians. Os vários personagens que criou durante a curso, à la David Bowie, falavam quando ela não conseguia.
No Rio de Janeiro, outro filme que faz um retrato íntimo de uma importante artista brasileira, assim porquê “Ritas”, abrirá o festival no Rio de Janeiro. “Viva Marília”, de Zelito Viana, também costura entrevistas e imagens de registo inéditas para descrever a história da atriz Marília Pêra, uma das grandes divas do teatro e da televisão brasileira.
“Ela cantava porquê Dalva de Oliveira, atuava porquê Fernanda Montenegro e dançava porquê uma bailarina do Theatro Municipal”, diz Viana. “Ela tinha consciência de que era imortal.”
Outras biografias de artistas que integram a seleção do festival são “Lan -O Cartunista”, sobre Lanfranco Vaselli, um dos desenhistas mais importantes da América Latina, e “Bruscky -Um Autorretrato”, que investiga a trajetória do artista pernambucano. A safra internacional traz ainda filmes inéditos no Brasil sobre o rabi do cinema, Charlie Chaplin, a escritora Edna O’Brien, e o cineasta holandês Jan Teunissen, que foi encarregado do departamento de cinema do partido nazista.