Lá se vão 20 anos desde que George Steiner, o ensaísta franco-americano, disse que a Europa “é o lugar onde o jardim de Goethe quase faz fronteira com Buchenwald, a vivenda de Corneille dá para o mercado onde Joana d’Arc foi medonhamente executada”.
A Europa, crê-se, é o origem da cultura. Mas de qual vertente, a da filosofia grega ou a da Questão? Do Iluminismo ou dos fornos crematórios? Os “30 anos gloriosos”, logo depois da razão europeia e o Tropa Vermelho abaterem os nazis, deram lugar à intolerância, ao temor.
O Festival de Cinema Europeu Imovision exibiu há dias 14 filmes, de seis países, em 75 salas brasileiras. Ainda que não elucidem a crise no continente onde nasceu o capitalismo, fica evidente que ela tem um duplo motor: a xenofobia anti-imigrantes e a deterioração do trabalho. Eis quatro dos filmes do Festival Europeu.
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“Brincando com Incêndio” tem porquê personagem meão o ferroviário Pierre Hohenberg, um interiorano viúvo que cria sozinho dois filhos adolescentes. O mais velho é craque no futebol e fará um curso técnico para ser metalúrgico. O outro entra na Sorbonne e vai estudar em Paris.
O rumo dos três está traçado. O primogênito está fadado a permanecer na província onde seus ancestrais criaram raízes territoriais e de classe: será operário. O caçula terá entrada a um meio cosmopolita e intelectualizado, poderá subir na vida. O pai cumprirá sua missão familiar e se aposentará.
Os três se dão muito, mas o mal-estar da sociedade malparada os dilacera. O porvir metalúrgico adere a um grupo de extrema direita e adota seu ressentimento: xenofobia, doutrinado ao corpo, brutalidade, racismo, pau nos imigrantes, que querem empregos e profanam os costumes franceses.
Muito da dificuldade de “Brincando com Incêndio” advém do talento de Vincent Lindon, premiado no último Festival de Veneza pela tradução do patriarca. Ele é hoje um dos atores mais admirados na Europa.
Seu personagem é um sindicalista leal aos valores republicanos, que, todavia, o levam a hostilizar a músculos da sua músculos, o sangue de seu sangue: o rebento fascista. Lindon mostra com gestos mínimos que o ferroviário está perplexo e perdido porquê os filhos –e não só por ser de outra geração.
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“O Último Moicano” é uma raridade, um filme corso. Não tem zero a ver com o romance de James Fenimore Cooper, mas o título faz sentido: Joseph Cardelli é o último pastor de cabras no litoral do sul da Córsega. Porquê não pode reptar o avassalador progresso dos empreendimentos turísticos, impulsionados pela máfia lugar, está réprobo à extinção.
Pobre, solitário, sem contatos nem meios para encarar os vilões, o pastor não tem presente nem porvir. Mas, resiste na louca a pistoleiros e policiais, ao banditismo modernizador, ao progresso tal porquê é. Não quer homiziar da Córsega que o formou, por broncos que sejam ele e os corsos raiz.
Apega-se ao pavimento, ao choça onde cresceu, às cabras e à vida arcaica que tem muito de tribal, mas cuja sustentáculo é a solidariedade. Por isso, é adotado pelos pés-rapados, vira emblema do que Paulo Emílio Salles Gomes chamou, noutro contexto, de “dialética rarefeita entre o não ser e o ser outro”.
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“A Luz” começa com uma cena que usa o fetiche dos cineastas novidadeiros: o drone. A engenhoca vê Berlim de cima, entra pela janela do apartamento de uma família de classe média. Ela é um florilégio do progressismo: apreço pelos africanos e minorias, pelo rebeldia de butique, pela estridência do tecno som bate-estacas e por games VR.
O filme foi dirigido pelo germânico Tom Tykwer. Ele ficou publicado por “Corra, Lola, Corra”, um filme esperto e —percebe-se 27 anos depois da sua estreia— vazio. Agora, não é preciso esperar tanto para se dar conta que “A Luz” é só vazio, apesar de perseverar quase três horas.
Quando pais e filhos teutônicos falam, brigam. Mas eis que surge a imigrante síria, a promiscuidade de maga e faxineira com uma lâmpada mágica mais incrementada que um drone. No tempo em que os filmes tinham mensagem, a de “A Luz” seria que as imigrantes são místicas, e não bruxas.
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“Monsieur Aznavour” conta a vida do cantor e compositor que media 1,64 metro, era chamado de homúnculo, tinha voz anasalada e um nariz que o precedia em dez minutos. Porquê se não bastasse, era rebento de refugiados armênios. É uma prova que os imigrantes, desde que suem sangue, podem se tornar europeus modelares porquê Shahnur Vaghinak Aznavourian, o nome de pia batismal de Charles Aznavour.
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