Um Homem Diferente Questiona A ética Com Narrativa Frágil

Um Homem Diferente questiona a ética com narrativa frágil – 16/12/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Existe um limite tênue entre o tolerável e o nauseabundo em filmes que tratam de doenças. Um desequilíbrio de tom pode levar ao desrespeito, esperteza em excesso pode levar à irregularidade ou até mesmo ao fracasso retumbante.

Vejamos o caso de “Um Varão Dissemelhante”. É o terceiro longa de Aaron Schimberg, e o segundo a narrar com Adam Pearson, ator que tem neurofibromatose, doença que razão deformações faciais.

Pearson, mas, entra em cena somente no meio do filme. O protagonista é Edward, personagem com deformidade facial interpretado por Sebastian Stan, que inicialmente aparece maquiado.

Edward se apaixona por sua vizinha, Ingrid, uma dramaturga iniciante interpretada por Renate Reinsve, que vimos há poucos anos em “A Pior Pessoa do Mundo”, de 2021, de Joachim Trier. Ela não corresponde à paixão de Edward, mas o quer muito, uma vez que um colega.

Quando Edward entra num procedimento estético radical, que revela, por trás da deformidade, um outro rosto, mais de tratado com os padrões de venustidade de nossa sociedade, ele morre metaforicamente e passa a se invocar Guy Moratz.

Qualquer tempo depois, Ingrid escreve uma peça sobre Edward e está prestes a encená-la num teatro recíproco. Guy, que havia guardado a máscara feita com o seu próprio rosto deformado, acaba ganhando o papel na peça, desenvolvendo com Ingrid uma relação amorosa. Só ele, mas, sabe que um dia foi Edward.

E logo aparece Oswald, o personagem de Adam Pearson, atraído pela performance de Guy uma vez que Edward. Oswald passa a frequentar o círculo de amizades de Guy, conquistando todos à sua volta, incluindo Ingrid, com quem terá uma filha. A saúde mental de Guy desmorona. Se pudesse, talvez voltasse a ser Edward. Mas seu problema maior, ele descobrirá, nunca esteve na aspecto física.

Com essa trama propositalmente confusa, ficamos diante de vários dilemas. Um deles é explicitado por Ingrid: se é falso escolher um ator com deformação facial para viver um personagem com a mesma exigência.

O maior duelo de Schimberg, do ponto de vista ético, é não ultrapassar o limite que pode levar o filme ao desrespeito e até a se tornar nauseabundo. O próprio Pearson é seu coligado nesse processo, podendo deixar muito simples esse limite.

Há um lado didático na trama, presente sobretudo quando Edward, antes da cirurgia, mostra para Ingrid o vídeo institucional em que atuou, com outras pessoas com qualquer nível de deformidade facial.

Em questão está, evidentemente, a padronização da venustidade. O que é ser belo para os outros e para si? De que modo as pessoas que não respondem a esse padrão são encaradas numa sociedade que cultua a sublimidade a ponto de vender e comprar procedimentos estéticos com a facilidade de quem vende e compra pirulitos?

Mas há outra questão, um tanto mais complexa. De que forma o filme se blinda de críticas ao falar de deformação facial e ao colocar um ator com neurofibromatose?

Por esse viés, uma sátira ao filme seria tomada uma vez que insensível, politicamente incorreta ou sinal de falta de empatia, quando, na verdade, o que se deve colocar em crise é o que o filme teria de cinematográfico. E nesse ponto, percebemos que não é muito.

Ao promover um espelhamento de Oswald com Edward, em que a presença de Guy parece sobrar na equação, o filme entra num labirinto conceitual do qual ele mesmo parece não saber transpor. Oswald e Edward (e depois Guy) usam até o mesmo tipo de roupa. Parece que compraram juntos a camisa xadrez.

O que pode ser considerado uma coragem do diretor em abordar o problema de frente, sem piedade ou condescendência, é também um motivo de extenuação da narrativa, que parece se perder no caminho do enfrentamento, caindo na provocação mais pueril.

Frágil narrativamente, pior ainda na encenação, pois a câmera parece se perder também com a ingressão de Oswald, fazendo movimentos sem qualquer sentido. Antes de simbolizar o desespero do protagonista, o comportamento da câmera simboliza uma fraqueza do olhar.

Cinema não é só uma história muito ou mal contada, muito ou mal interpretada pelo elenco. Cinema é uma arte com características específicas e escolhas essenciais.

Essas escolhas, em “Um Varão Dissemelhante”, são equivocadas, principalmente na segunda metade, quando se procura mostrar que vale a venustidade interno, mas de uma forma falsa. No processo, a personagem feminina se torna uma manipuladora.

É uma pena, pois a primeira segmento sugeria um debate interessante a reverência da representação da deformidade em peças e filmes.

Folha

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