Vale tudo tem equilíbrio entre passado e presente; crítica

Vale Tudo tem equilíbrio entre passado e presente; crítica – 31/03/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Não é um sinistro. O primeiro capítulo do remake de “Vale Tudo” mostrou dinamismo e potencial, em contraste com o temor de todos que gostamos de romance tínhamos de ver, no horário sublime, um pastiche raso dessa que foi a maior romance de todos os tempos, escrita pelo maior roteirista que a nossa televisão já teve, Gilberto Braga.

Reconstruir “Vale Tudo” é mexer na arquitetura de um monumento. Difícil estar na pele desses que precisam reinventar a trama, o diretor Paulo Silvestrini e a roteirista Manuela Dias, mas a estreia da novidade versão mostra muito a tentativa de estabilidade entre uma reverência ao pretérito, com frases quase idênticas às do original, e uma tentativa necessária de atualização do enredo para um mundo já distante da verdade analógica oitentista.

O que não está distante nem fora do radar são os conflitos que movem a trama. Em tempos que se discute no Congresso uma anistia a vândalos que depredaram Brasília numa trama golpista, a pergunta se vale a pena ser honesto no Brasil continua atual.

Talvez não valha a pena ser honesto em lugar nenhum de um momento incendiário uma vez que esta dezena, e reside nisso a robustez ou a fraqueza que esse enredo revisitado vai provar nos próximos meses.

“Vale Tudo”, por fim, não é, uma vez que já afirmou Dias, só a história de uma aposta entre uma mãe e sua filha. É um dos retratos mais fiéis à verdade do país já construído, a quente, na tela da televisão, a dissecação de nossos valores, as nossas intestino mesquinhas, nossos dramas mais doídos.

Que uma mãe e uma filha estejam no meio da trama é só artifício dramático para movimentar o círculo narrativo, enquanto ao volta dessa mãe e dessa filha o país afunda e tropeça.

É aventuroso fazer previsões a partir das primeiras cenas, mas é nítido que a escalação de Taís Araujo uma vez que Raquel, papel que no original foi de uma hoje canceladíssima Regina Duarte, foi um acerto —da mesma forma que ela revidar o tapa na rostro que leva do marido, o que não acontece na versão original, tenta mostrar que certas coisas podem ter mudado nas últimas décadas.

Araujo é uma atriz enxurrada de marra que parece à vontade na pele dessa mãe que vai consumir o pão amassado pelo diabo da filha. Já a filha, Maria de Fátima, teve a escalação mais contestada por fãs da romance original. Bella Campos, que não brilhou nas chamadas do remake e virou branco de memes maldosos, não decepciona tanto na estreia.

Sua química com Cauã Reymond, outra escolha acertada no papel do delicioso cafajeste César, que já foi de Carlos Alberto Riccelli, parece mais que estabelecida já na estreia, embora o papel encarnado por Glória Pires na primeira versão vá exigir nervos de aço de Campos, isso porque é ela quem faz toda a trama rodopiar.

No enredo de Gilberto Braga, o arrivismo de Maria de Fátima é o gavinha entre os miseráveis e os super-ricos, ou seja, está sobre os ombros de Campos a responsabilidade de recriar, com a vilã Odete Roitman, agora vivida por Débora Bloch, toda a eletricidade que marcou os embates de logo, o declínio entre ter ou não ter, ser ou não ser, que atravessa tantas tramas do responsável do folhetim original —uma vez que Manuela Dias vai reinterpretar isso é a questão.

O clã dos Roitmans, aliás, não aparece no primeiro incidente, e nos trailers já divulgados Bloch não parece tão à vontade na casca grossa que Beatriz Segall criou para a maior vilã de todos os tempos. A fragilidade de uma atriz jovem e ainda inexperiente num dos principais papéis de uma trama das nove e o desconforto que é reencarnar uma figura uma vez que Odete, mesmo para uma atriz sensacional uma vez que Bloch, pode ser o grande ponto fraco do remake.

Futurologia à segmento, o primeiro capítulo mostra a anelo do elenco e da direção. Estão todos afiados, e a direção de arte tem a exuberância prometida pelo diretor, que diz ter buscado sua paleta de cores na obra de artistas uma vez que Adriana Varejão e Leda Catunda.

Outros artistas que voltam a prefulgir são Cazuza e Gal Costa. É bom que não mudaram o tema de orifício escrito pelo compositor, tão potente na voz de Gal. Lembrar a rostro retrô da vinheta original, embora sem algumas de nossas catástrofes mais recentes na política e no meio envolvente, também é um meneio aos saudosistas, que vão rondar esse remake uma vez que cães farejadores. A ver que rostro o Brasil vai mostrar nesta novidade “Vale Tudo”.

Folha

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